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[Histport] Veríssimo Serrão

To :   "histport" <histport@uc.pt>
Subject :   [Histport] Veríssimo Serrão
From :   José d'Encarnação <jde@fl.uc.pt>
Date :   Mon, 3 Aug 2020 10:40:37 +0100

Bom dia!

Com a devida vénia, transcrevo – sem alterações – a mensagem que o Dr. Alberto Antunes de Abreu enviou, na categoria de condiscípulo de todo o curso de História 1964-1969 na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Transcrevo-a, porque não tenho dúvida de que, além de mim, todos os meus colegas de curso e, decerto, muitos outros dos antigos alunos de Veríssimo Serrão partilham dos mesmos sentimentos em relação ao Mestre inesquecível.

Tive ocasião, em crónica publicada no passado dia 1 de Julho [http://notascomentarios.blogspot.com/2020/07/como-e-que-tu-te-chamas.html], de o evocar nestes termos:

 

            Lembro-me sempre dum professor, que, por sinal, completou no dia 8 a bonita idade de 95 anos, o Professor Joaquim Veríssimo Serrão (parabéns, Amigo!). Anos depois de eu ter sido seu aluno, encontrou-me na rua:

            Olá, Zé Manel, como é que tu estás?

            Fiquei de tal modo satisfeito não apenas por me reconhecer mas, sobretudo, por me tratar pelo nome habitual nesses tempos de Faculdade, que jurei a mim próprio fazer todos os esforços para saber os nomes dos meus alunos.

 

Esta, uma das muitas imagens agradáveis que guardo.

Que descanse em paz. Aos seus familiares, designadamente ao Doutor Vítor Serrão, a expressão dos nossos mais sentidos pêsames.

 

                                                        J. d’E.

 

E agora o texto do Dr. Alberto A. Abreu:


De: Alberto Abreu [mailto:alberto.antunesabreu@gmail.com]
Enviada em: segunda-feira, 3 de Agosto de 2020 00:54
Assunto: Veríssimo Serrão

 

Boa noite.

Esta notícia colheu-me, infelizmente numa altura de uma certa debilidade de saúde, que não me vai permitir exprimir cabalmente tudo o que sinto. Mas não posso deixar passar este momento sem o comentário que me vai ser possível.

Joaquim Veríssimo Serrão foi um dos homens mais importantes neste câmbio de século: Estudioso honesto e sério que vai constituir modelo para as próximas gerações de historiadores e cultores das ciências humanas, com uma vastíssima obra historiográfica, das mais vastas do nosso património literário, com uma realização científica notavelmente pensada, amadurecida e realizada. Não poderemos doravante percorrer uma estante de obras de História sem a guia das centenas de volumes da obra de Veríssimo Serrão. A lombada é a 1ª coisa que nos salta à vista. Contudo, a obra de Veríssimo Serrão vale principalmente pelo sumo. Depois da História de Portugal de Barcelos, a produção historiográfica portuguesa caíra no vício historizante, mais por força do peso do positivismo e por falta de ousadia para apresentar visões de síntese, para as quais se exigia uma grande dose de erudição, para a qual poucas pessoas estavam preparadas, com excepção de Veríssimo Serrão, de quem um colega infelizmente já falecido me disse que ele, desde estudante, “passara a vida a fazer fichas”. Uma primeira síntese foi a de Oliveira Marques; mas a síntese, como vemos nos livros, só pode ser o anverso de uma segura análise (tanto mais segura quanto a síntese que se pretenda). Logicamente, o que se impunha era superar o criticismo a-histórico de António Sérgio, assim como as tentativas marxianas de o fazer. A História de Portugal de Joaquim Veríssimo Serrão constituiu o marco de viragem prontamente imitado a todos os níveis, até porque constituía também piso sobradado duma obra de mais de 60 anos de trabalho. Não é esta a melhor altura para referir a obra historiográfica ímpar de Joaquim Veríssimo Serrão, que já tive oportunidade de fazer, mas não tenho condições de saúde para refazer. Mas não quero deixar de referir o mais importante título de glória de Veríssimo Serrão: a facilidade com que criou discípulos e se fez amar por eles. Como já disse também, foi com ele que aprendi a fazer fichas. Mas o que mais se aprendia com ele era a verticalidade de atitudes, a lealdade, o amor ao estudo e a humildade com que nunca deixava de estudar, fosse qual fosse o objecto: para ele, a história transcendia todos os níveis e disciplinas tradicionais. A história diplomática, económica, social, de folkcomunicação (ainda tão pouco cultivada entre nós), a história da arte, da religião e da religiosidade, etc. Os discípulos de Veríssimo Serrão há-os em todos os sectores da actividade humana passíveis dum tratamento historiográfico. A morte deste mestre deixa-nos órfãos, mas principalmente devedores da obrigação de lhe continuar a obra: romper todas as barreiras ao labor historiográfico, e principalmente a de criarmos discípulos e fazermos da História aquele lugar de encontro e confraternização onde não mais haja capelinhas afastadas e voltadas para dentro delas mesmas.

Peço desculpa de não ter podido elaborar um texto melhor, à medida dos merecimentos do mestre que perdemos e da estima que sempre tive por ele. Joaquim Veríssimo Serrão nunca deixará de estar entre nós.

Alberto A. Abreu




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Attachment: Veríssimo Serrão, pintado por Henrique Medina.jpg
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