Tive agora conhecimento do artigo do Prof. Jorge
Paiva, mui conceituado botânico da Universidade de Coimbra e um dos mais acérrimos
combatentes pela biodiversidade publicado no jornal Público no passado dia 19 de Agosto. Transcrevo-o, com a devida vénia: Sem medidas efectivas, vamos
continuar a ter “piroverões” Os culpados são todos os governos que temos
tido, particularmente a partir da extinção dos Serviços Florestais. Porém,
todos esses governantes, não só não assumem o que fizeram, como não são capazes
de admitir o erro e, no mínimo, criarem novamente os Serviços Florestais. O Governo do Líbano foi avisado, até por escrito, de que havia o
risco do que ocorreu. Depois, demitiram-se como se isso fosse a condenação que
mereciam pela mortalidade e destruição de que foram culpados. Por cá temos a
tragédia dos anuais Verões com
incêndios florestais devastadores e mortíferos,
apesar de há mais de 40 anos termos (eu e outros) alertado, muitas vezes, no
que estavam a transformar o nosso país, particularmente as regiões Norte e
Centro: numa pira contínua de lenha altamente inflamável, isto é, eucaliptal
(produtos aromáticos voláteis e altamente incandescentes) e pinhal (resina,
volátil e altamente incandescente) intensivos, contínuos e contíguos. Mostrei
isso de helicóptero a um Presidente da República (Mário Soares). Não valeu de
nada. Em vez de travarem ou obrigarem a uma arborização cuidada e
ordenada, fizeram ainda pior: extinguiram os Serviços Florestais. Assim, deixou
de haver qualquer entidade competente para regularizar e não deixar arborizar
da maneira desmesurada e contínua, como aconteceu durante estas dezenas de
anos. Por outro lado, nos Serviços Florestais havia os guardas florestais que
viviam no meio rural. Eram vigilantes permanentes e conheciam bem a região onde
circulavam. Podia haver incêndios, mas nunca foram tão devastadores e
mortíferos como os actuais. Os culpados são todos os governos que temos tido, particularmente
a partir da extinção dos Serviços Florestais. Porém, todos esses governantes,
não só não assumem o que fizeram, como não são capazes de admitir o erro e, no
mínimo, criarem novamente os Serviços Florestais. Além disso, muito do
património construído (particularmente casas florestais) ainda existe, embora a
maioria bastante delapidado. Enquanto não se tomarem medidas efectivas, vamos continuar a ter
“piroverões” (pyra =
fogueira) e mortes, por termos uma ignisilva (igneus =
fogo; silva = floresta)
contínua e contígua. Além dessas medidas, é fundamental
também acabar com os “pirotelejornais”. Quando há incêndios, já vi
telejornal inteiro com imagem de fundo de um pavoroso incêndio. Além de
absurdo, é de uma tremenda falta de ética. Sabemos que não se noticiam suicídios mostrando
imagens, por poderem levar à tentativa de suicídio de pessoas
fragilizadas ou com essa tendência. Todos nós sabemos que existem incendiários:
uns doentes (pirómanos) e outros por interesse ou vingança estúpida. Há já muitos anos, quando ainda dava aulas (tenho 86 anos), numa
altura de elevado número de fogos florestais de um piroverão, fui, uns dias,
com alunos meus para a parte alta da serra da Estrela, de ampla visão
panorâmica. Numa noite, depois de assistirmos a um desses pirotelejornais,
fomos para cima de um rochedo observar o horizonte. Passado pouco mais de uma
hora, começaram a surgir incêndios no horizonte. Foram cerca de meia dúzia,
durante as horas que ali estivemos. O espectáculo desses pirotelejornais é vergonhoso, particularmente
as reportagens dos repórteres locais, pois estes “jornalistas” têm
imensa preocupação em estarem a mostrar imagens dos incêndios enquanto falam e,
muitas vezes, até parece estar a relatar um jogo de futebol. Com os noticiários
das estações de rádio, também há uma enorme falta de ética e profissionalismo.
Há uns anos, no início de um mês de Abril excepcionalmente quente, no
noticiário das 5 da manhã da Antena 1, ouvi o locutor anunciar que o dia iria ser
novamente quente como o dia anterior, “mas os incêndios ainda não
começaram”. Prefiro não qualificar!... Por outro lado, nestes noticiários (televisão e rádio), os
entrevistados são sempre os mesmos: ministros; secretários de Estado; autarcas;
comandantes de bombeiros e quejandos. Este ano até ouvi o Presidente da
República afirmar que os pavorosos incêndios
na região de Oleiros resultaram de falta de
vigilância por causa do confinamento a que a actual pandemia obriga.
Felizmente, a população portuguesa não é imbecil, como muitas vezes querem
fazer transparecer as desculpas apresentadas pelos entrevistados nestes show offs televisivos. Deviam era anunciar o número de vítimas mortais que os piroverões
já provocaram nestes últimos 40 anos, muitos dos quais bombeiros voluntários,
pois faltam os profissionais que conheciam o terreno e sabiam combater fogos
florestais, que eram os técnicos e guardas florestais. Além disso, os guardas
florestais apercebiam-se das pessoas que circulavam pelas florestas e baldios.
Assim, havia muitíssimo menos fogos postos por incendiários e por pirómanos. Infelizmente, vamos continuar com piroverões, plenos de fogos
florestais, mortes e enormes despesas, muito superiores à de uns
Serviços Florestais bem estruturados e um país
ruralmente ordenado. Finalmente, com tantos incêndios florestais e sem Serviços
Florestais com capacidade de rearborizar ordenadamente, as regiões montanhosas
do país, estão a transformar-se em desertos de rocha nua, por erosão pluviosa,
com consequente arrastamento de solos, como já é visível, particularmente no
Norte e Centro do país. Jorge Paiva Permita-se-me apenas que sublinhe, para que disso
tomemos plena consciência: Os incêndios acarretam enormes
despesas, muito superiores à de uns
Serviços Florestais bem estruturados e um país
ruralmente ordenado. |
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