A propósito do artigo de Pedro Pereira Leite intitulado “O Museu de Traje de São Brás de Alportel e os sinais da decadência dos museus em Portugal?” (mensagem n.º22172, 13/9/2021,
Museum lista), permitam o seguinte comentário.
…
Não quis o MINOM, seguir o caminho de uma verdadeira “Nova Museologia”. Depois de ter sido num determinado período e contexto, de facto, “uma nova museologia”. Preferiu adoptar o caminho de uma «falsa nova museologia»,
proposto por Hugues de Varine, Peter Vergo, e outros. Seguiu o caminho fácil e cómodo de quem, usando o mesmo «nome», impediu a «coisa nomeada» de continuar a ser nova, inovadora, e corajosa no enfrentar os desafios do presente e do futuro. Como se o «passado-presente-futuro»
não fossem categorias abstractas (datadas historicamente, como referiram Kant ou Testot, sempre perpetradas por um acto político), porventura até inexistentes, que não lidam muito bem com a Mudança nem com o permanente devir.
…
O legado da verdadeira “Nova Museologia” não tem nada a ver com “museus comunitários”, comunidades isoladas ou periféricas à Polis (mergulhadas na floresta amazónica, ou numa pseudo-ruralidade europeia), nem com
pessoas de um mundo afastado (uma espécie de «Outro» pós-moderno, ou de «neo-selvagens necessitando de educação e salvaguarda»). E também não tem nada a ver, com o uso político de forças ditas de “esquerda”, que infelizmente a usaram como bandeira “contra
o capitalismo e a opressão”. Esses caminhos impediram a Nova Museologia de continuar a ser “Nova”. Os resultados estão à vista. A sua impotência conceptual e científica para debater os actuais desafios do Património são uma evidência (vejam-se os novos Léxicos
que permitiram o ICOFOM fazer).
Pedro Pereira Leite fala de mártires e de genocídios. De facto, é esse o rescaldo. De tantos projectos e tantas pessoas bem-intencionadas, que ficaram reféns de uma narrativa presa àquele caminho conceptual e
teórico errado que referi no início.
Para não alongar mais o comentário, e a propósito deste debate, permitam que salte para dois assuntos que fariam a Nova Museologia regressar ao seu legado genuíno:
O PRIMEIRO, tem a ver com a definição de Museu e Património, que aqui apresentei em 17 de abril de 2020 (Mensagem n.º 21129, intitulada “O PRÓXIMO MUSEU: definição de Museu e Património”). E que foi motivo
de debate em 4 de dezembro de 2020 no “Museu dos Objectos Matemáticos” (Mensagem n.º21621, 04/12/2020). Concretamente:
“1. O Património é o logaritmo da Relevância. E o Museu o logaritmo do Património.
2. Um «MUSEU» (X) é o logaritmo do PATRIMÓNIO (Y) (património, entendido como «a relevância a preservar e transmitir aos vindouros») cuja base (B) é: [Estudo e Investigação; Conservação e Documentação/Codificação;
Divulgação e Sensibilização; Educação e Acessibilidade; Valorização Cultural] … X transforma B em Y. Ou seja, X = Log b(Y).
3. No «PRÓXIMO MUSEU» é R (Robotic Engineer, Robotic Controller, Research Develop, Code Tec, Build Control, Create-Edit, Present-Share) que faz (executa, calcula) B.
4. Logo, o «PRÓXIMO MUSEU» poderá vir a ser um robot. E o trabalho patrimonial/museológico será a criação dos algoritmos (IA) que «criam, recriam, editam e partilham» todos e quaisquer Objetos Patrimoniais, em
qualquer época ou lugar no espaço/tempo.” (Pedro Manuel-Cardoso. 2010)
O SEGUNDO, apresento-o no formato de uma interrogação:
Qual será o primeiro museu, monumento, centro de interpretação, ou qualquer outra infra-estrutura patrimonial, a comprar e usar um “Tesla Bot”?
[“O «Tesla-Bot» medirá 1,73, pesará 57kg, será capaz de transportar pesos até 20kg, deslocar-se-á a uma velocidade até 8Km/h. É uma força de trabalho mecânica capaz de eliminar os trabalhos perigosos, repetitivos ou aborrecidos. A comercialização será em
2022" (2021, “Tesla's Artificial Intelligence Day”)].
Até apetece brincar (?) um pouco...
Perguntando, se o “corpo” (todos os "corpos" desde o início da Vida) não foi sempre um "robot" perpetrado por uma "Informação codificada"? Se quem trabalhou, não foi sempre um "robot"; e quem deu as ordens de
comando, não foi sempre um "algoritmo codificado"?
Não foi sempre assim?
A "escravatura" entre os «homo sapiens Modernos» começou em África há 400 mil anos, na região do Congo, quando da 1.ª migração humana. Portanto, muito antes da existência da “Europa”. E desenvolveu-se nas cidades
do neolítico do Norte de África e Médio Oriente. Depois no Califado do Sokoto, muito antes de ocorrer no comércio Atlântico. Mas se olharmos para a Filogenia da Vida, e observarmos outros animais sociais, percebemos que começou muito antes.
Hoje, há vários países que alteraram as legislações para permitirem casamentos de "humanos" com "robots" (Japão, China, Austrália, Alemanha, EUA, etc.). Tal como na Grécia e Roma antigas, em que as legislações
também separavam quem era “cidadão” de quem não era. Um "corpo" hoje está quase a fabricar-se. E terá a textura, a cor-de-pele, a cor de olhos, a sensação ao tocar-lhe, o feitio, a inteligência, a base-de-dados, o tom de voz, e as respostas que quisermos.
EM SUMA, alguém achará que a Museologia (Patrimologia) não tem nada a ver com estes desafios do presente e do futuro da Sociedade Humana? Ou que estes novos desafios dos museus e do património não são as actuais
questões da identidade, etnicidade, género, trans-nacionalismo, neo-colonialismo, escravatura, multiculturalismo, relativismo cultural, nacionalismo e territorialidade, perpetração e uso político do património, derrube de estátuas e monumentos, falta ou excesso
de visitantes, novos modos de conceber a evidência e olhar para o que é apresentado nas exposições, etc.? Como poderão, a museologia e os responsáveis pelo património, realizar o seu trabalho com competência e a sua missão com responsabilidade achando que
isto são coisas que lhes passam ao lado?
Pedro Manuel-Cardoso
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