Museu e Comunidade?
Onde está, hoje, essa “comunidade” referida pela Mesa de Santiago do Chile?
Essa “comunidade” referida pela Mesa de Santiago do Chile já não desapareceu para sempre? Já não se tornou um “objecto do acervo dos museus”?
Essa “comunidade” já não será uma inexistência, da qual apenas se encontrarão pedaços fragmentados e dispersos em necrópoles, ou num nenhures utópico de certos ativistas sociais? A actual coisa cultural que a
substituiu, não existirá agora senão no espaço quântico da internet?
Hoje, os autodesignados humanxs (que a linguagem museológica costuma designar por “visitantes” ou “público”) não estarão todos a olhar para os écrans -- sem precisarem de olhar o próximo que
os rodeia, no sítio onde estão a comunicar?
A esse novo destinatário, ao qual se dirigem os
humanxs das novas gerações, não será errado chamar “comunidade” (ou até “social”) no mesmo sentido usado pela Mesa de Santiago do Chile?
Essa coisa para a qual estão a comunicar através dos écrans, e dentro da qual vivem cada vez mais embrenhados, será a mesma fronteira física, territorial, corpórea, étnica, e social a que se referia a Mesa de
Santiago?
Essa nova coisa cultural a que cada
humano/a/x das novas gerações se liga (e religa), e pela qual tem a mesma paixão vivencial e experiencial do que as gerações anteriores, e que inclui novos inquilinos como os robots e os avatares -- com os quais até já consumam matrimónio, em cerimónias
idênticas às do passado, com documentos legais assinados e validados pelas leis vigentes, bolos-de-casamento, convidados, e tudo o mais) -- será a mesma “comunidade” referida pela Mesa de Santiago do Chile?
As “fronteiras” sempre foram um difícil acto abstrato, arbitrário e político de determinação, que mudou ao sabor da força dos poderes e das ideologias. Expresso no vai-e-vem histórico de tratados, cartas, e outros
papéis semelhantes, sempre combinados e impostos por uma facção humana que se autoproclamou de “nação”, “identidade”, e outras invenções do mesmo género.
Mas, ao invés da “comunidade” do passado, uma das principais diferenças dessa «nova coisa social e cultural» que vai substituindo a “comunidade” referida na Mesa de Santiago do Chile, não será ser criada e determinada
por cada qual? Isto é, doravante, sem o jugo da imposição de um Estado; de uma Instituição exterior; de uma moral e ética absolutas, definitivas e universais; ou de um determinado poder político?
Assim sendo, hoje, os museus estarão a comunicar com “uma comunidade” com a mesma existência real do que a referida pela Mesa de Santiago do Chile?
As fronteiras territoriais pelas quais as gerações anteriores foram criadas e educadas -- e pelas quais se definia o que era uma “pertença”, uma “identidade”, uma “nação”, um “país” -- já não desapareceram para
sempre?
Subordinar os museus a uma coisa que já não existe não será cometer o mesmo erro do passado, quando o quiseram subordinar a “modas”, “ideologias”, “interpretações históricas”, “contextos socio-políticos”, e outras
inquisições do mesmo tipo?
Em suma, o “museu” – por causa da sua missão primordial de transmitir aos presentes e vindouros a memória do que foi mais relevante para a possibilidade da Continuidade -- não deverá ser concebido e definido como
um constructo capaz de resistir a todas essas ideologias e conjunturas sociopolíticas, sem se deixar dominar por todas essas mudanças adaptativas (físicas, biológicas, sociais e culturais) que a Existência nos desafia e desafiará? Pedro Manuel-Cardoso |
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