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[Museum] QUANDO O PATRIMÓNIO INCENDEIA A CIDADE. "Património, Cognição, e Evolução humana": o Debate com os Jesuítas de “Brotéria”. Quando a religião e a ciência convergem?

To :   museum <museum@ci.uc.pt>
Subject :   [Museum] QUANDO O PATRIMÓNIO INCENDEIA A CIDADE. "Património, Cognição, e Evolução humana": o Debate com os Jesuítas de “Brotéria”. Quando a religião e a ciência convergem?
From :   Pedro Pereira <pedropereiraoffic@outlook.com>
Date :   Sat, 24 Sep 2022 13:04:30 +0000

 

No contexto do encontro e partilha proposto pela Brotéria (ver site), estes são apenas alguns dos reflexos e fragmentos provocados pelo Debate sobre a relação entre “Património, Cognição, e Evolução humana”.

As reações e os estilhaços não cessam de aumentar.

Já ultrapassam os limites da Cidade. Até, configurando, para essa definição de «o que é uma Cidade», uma “catástrofe” do tipo daquela que R. Thom sugeriu em matemática para “singularidade”, ou em filosofia, Heidegger, para “coisa”.

 

Pedro Manuel-Cardoso

 

 

[….]

 

O que os autores interpretativistas, relativistas, semiológicos e simbolistas fazem, para explicar o comportamento humano, é a tese de ele ser um fluxo subjetivo, a que chamam “experiência”. A qual, está encarcerada perpetuamente dentro da arbitrariedade do signo. Portanto, impossível de determinar fora da plurissignificação e da polissemia da linguagem. O comportamento humano seria esse fluxo, que corre permanentemente lá, dentro da lógica da linguagem. E por isso, viveria numa inacessibilidade impossível de quebrar, entre a “vida vivida”, a “vida dita” e a “vida experienciada”. É o mesmo interpretativismo que Clifford Geertz, reivindicando-se da herança de John Dewey, propõe: “Experiences, like tales, fetes, potteries, rites, dramas, images, memoirs, ethnographies, and allegorical machineries, are made; and it is such made things that make them. The «anthropology of experience», like the anthropology of anything else, is a study of the uses of artifice and the endlessness of it.” (Clifford Geertz, 1986, “Making Experiences, Authoring Selves”, in “The Anthropology of Experience”, edited by Victor W. Turner and Edward M. Bruner, University of Illinois Press, p.380).

 

O ser-humano, condenado a ficar eternamente fechado sobre si mesmo, não teria evoluído de nada anterior, nem estaria sujeito a uma evolução (transformação) posterior. Exactamente a mesma condenação a que o “primeiro” Wittgenstein nos tinha destinado no “Tractatus Logico-Philosophicus” (1921): “Aquilo que não podemos pensar, não podemos pensar; também não podemos dizer aquilo que não podemos pensar” (5.61) ... “Acerca daquilo de que se não pode falar, tem de se ficar em silêncio” (6.54). Um radicalismo que foi aproveitado pela “Escola de Viena” (R. Carnap, M. Schlick, et alli., 1924) para afirmar um pretenso “empirismo lógico” (P. Manuel-Cardoso, 2010, “Processo de validação do Conhecimento pela Ciência”, ed. Oficina do Impronuncialismo, Lisboa).

 

Se se sintetizasse a epistemologia relativista e interpretativista numa equação, seria qualquer coisa parecida com: [tudo Existe, nada é Real]. Ou seja, não diferiria muito da tese de W. Dilthey: “Reality only exists for us in the facts of consciousness given by inner experience” (“Dilthey: Selected Writings”, ed. H.P. Rickman, Cambridge University Press, 1976, p.161). Seria uma das quatros reações perante o Realismo que J.-P. Delahaye referiu: “Les problèmes du Réalisme ne sont pas vraiment graves, inutile d’en tenir compte. Ça s’arrangera tout seul“ (Jean-Paul Delahaye, 1999, “Lógica, Informática e Paradoxos”, no capítulo intitulado “O Realismo em matemática e em física”, p.151, ed. Pour la Science, Paris, ISBN: 2-9029-1894-1).

 

Ora, a actual “definição bioquímica de Vida” (Sadownik, J., Mattia, E., Nowak, P., Sijbren, O., et al., Nature Chimestry 8, 264-269, 4jan2016; J. Peretó, J. Catalá & A. Moreno, La Recherche, n.º2, Février 2013, p.20) – que referimos no início deste texto – presume que a evolução é um processo autónomo e Adaptativo constituído pela sucessiva cópia de «o que se é» (autocatálise), num percurso «do mais simples ao mais complexo» (auto-organização).

 

O rasto do processo bioquímico da autocatálise inerente à evolução da Vida – ou seja, de sermos obrigados geneticamente a fazer cópias de nós mesmos para evoluirmos, sem que as diferenças e mutações consigam destruir a herança codificada na memória –, quando atinge o nível de complexidade cultural e humano, dá a ilusão da existência autónoma de um “duplo” (por exemplo, o “doppelgänger” referido por Helmuth Plessner, 1928, “Die Stufen des Organischen und der Mensch”), “sombra”, “halo”, “fantasma”, “esfinge”, “espírito”, “divindade”, “super-ego”, “dejá vu”, ou de um “portal” (para mundos-do-aquém ou do além). Ou recentemente, em 2022, Blake Lemoine, defendendo a existência de uma “Inteligência Artificial possuindo consciência de si”. Clifford Geertz também se deixa influenciar por essa ilusão, explicitamente, ao usar as palavras de Lionel Trilling: “How Comes It that we all start out Originals and end up Copies?” (C. Geertz, 1986, “Making Experiences, Authoring Selves”, p.380). Ou seja, imagens – quiçá, iguais à da famosa alegoria da caverna de Platão – que são meras projeções e reflexos desse processo sucessivo de cópia necessário à evolução da complexidade.

 

Imagens e projeções iguais às de todas as religiões, em que os deuses são «Aquele de nós que desejamos-projetamos num Ser que Há-de Vir». Obrigatoriamente, após a transformação daquele que agora somos. Necessariamente, após a sua morte. Na religião católica, esta projeção imagética encontra-se descrita na epístola de São Paulo aos Coríntios, e na morte-transformadora de um ser-anterior numa cruz. Em que «aquele de nós, que somos agora, e que está prestes a fenecer» – num último momento de medo, de dor e de dúvida – pede ajuda a Deus. Para ouvir Dele, que essa aparente morte, esse aparente fim, afinal, são a condição transformadora para que possa entrar no “reino dos céus” perpetuamente.

 

A atitude científica (com a probabilidade, enquanto limite da evidência e da verdade) e esta atitude divina (com a obrigação de se ter de passar por uma mudança e uma transformação «daquilo que se é»), paradoxalmente, neste caso concreto convergem. Pois ambas não satisfazem o “preenchimento da espectativa sobre a Verdade” (Husserl) de quem a busca (sejam os que o fazem pelo lado sensorial, sejam os que o fazem pelo da lógica deduzida da linguagem que descreve a evidência). Razão pela qual, a probabilidade (Bayes/Laplace) e a transformação-mudança (epístola de São Paulo aos Coríntios), ao impedirem o fechamento numa crença ou numa lógica, são, exatamente, a parte mais difícil de aceitar tanto pela esmagadora maioria dos cientistas como dos crentes.

 

Fernando Gil, em 1996, em “Tratado da Evidência”, escreveu: “Nada é menos evidente do que a evidência. Graças a que poder uma proposição, um ritual, uma profecia, certas instituições do direito arcaico afirmam, sem mais preocupações de prova, a sua Verdade? Eis o ponto de partida desta investigação. O discurso da evidência constitui um corpus que, de Ockham a Husserl, revela uma unidade. A questão «cartesiana» do signo – o index sui et veri – e a questão «husserliana» do preenchimento procedem de um fundo comum. Tentou-se uma dedução da evidência a partir das experiências sensorial e da língua que a descreve. A evidência remete para uma esfera arcaica da representação, o seu operador é uma «alucinação» que tem mais a ver com o registo simbólico do que com a figura clínica. Este estudo situa-se na linha de Freud e de Husserl: a alucinação originária está em consonância com um pensamento da evidência que tem por modelo «o existente absoluto». Uma epistemologia da evidência deverá mostrar de que modo ela joga nos saberes científicos” (F. Gil, 1996, “Tratado da Evidência”, ed. IN-CM, Lisboa).

 

Ou seja, o aparente laicismo e agnosticismo das ciências sociais e humanas dominadas pelas ideologias do Relativismo Cultural e do Interpretativismo, afinal, são a mesma fé e a mesma crença nessa “ilusão” (“sich selbst zu erkennem vermeine” p.256; “a ilusão é inevitável, pois tem fonte no Schein” p.257, ibidem, F. Gil, 1996). Apesar de agora estarem trajadas com os fatos da fluidez, neutralidade e da indeterminação, é com a arbitrariedade entre o nome e a coisa nomeada dento do signo que preenchem a expectativa da Verdade. Impedindo que o comportamento humano, perpetuamente, saia desse cárcere. Fazendo o que a maioria faz: fecham-se numa crença e numa lógica totalmente antropocêntricas.

 

De facto, o resultado deste trabalho (“Património, Cognição, e Evolução Humana”, 2022) mostra que a linguagem e a escrita não são um arbítrio relativista, simbólico e interpretativista. Mas, outrossim, apenas, um processo Natural de explorar – a uma distância, escala e complexidade maior – o contexto que rodeia o ser-vivo. Melhorando a sua capacidade Adaptativa, e aumentando a probabilidade de Continuidade. Razão pela qual pudemos formular um novo «modelo de compreensão do comportamento humano», mais adequado à realidade empírica e à história factual da sua evolução na Filogenia.

 

Ora, em termos factuais e empíricos, tal como o resultado deste trabalho de investigação mostra no caso concreto da relação entre Património, Cognição e Evolução, não é isso que a Vida expressa.

 

E não são apenas os corpos, mas igualmente os textos, e todos os resultados do conhecimento a que chegamos, que sofrem também este processo de permanente mudança e transformação. De permanente morte, e ressurreição noutros transformados. Aliás, em termos factuais e empíricos, é a essa condição a que estão sujeitos todos os objetos-factos-coisas. Versões de versões, que se sucedem sem término, para haver uma porta – uma saída – para se conseguir evoluir. Uma porta ínfima, é certo, entre o original e a cópia, e entre as cópias e as sucessivas re-cópias. Mas cuja permanência-existência apenas pode ser garantida se este processo comportamental (ciclo) não cessar. E, em termos de Conhecimento, é a permanência deste processo (fenómeno) que permitiu à cognição captá-lo como se fosse uma forma e um padrão; e, posteriormente, permitiu que formulássemos um «modelo de compreensão» (Quadro I). Passando, em termos de complexidade, do nível de algoritmo para o de logaritmo.

 

[….]

 

(Pedro Manuel-Cardoso, 2022, “Património, Cognição, e Evolução humana”, pp.23-27)

 

 

 

Attachment: PedroManuelCardoso PATRIMÓNIO COGNIÇÃO E EVOLUÇÃO HUMANA.pdf
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