Encontros de Monsaraz 2022 – 15 e 16 outubro “O Homem, Construtor de Paisagens” A ADIM (Associação de defesa dos Interesses de Monsaraz), vai organizar a 23ª Edição dos Encontros de Monsaraz. O Evento, que se realiza desde 1990, tem sempre debatido temas importantes para a vida da Vila histórica, da sua envolvente, e do Alentejo em geral, contribuindo assim para a criação de uma atitude critica sobre os assuntos essenciais para a manutenção da qualidade de vida dos cidadãos deste território sistematicamente bombardeado por interesses paralelos que não coincidem nunca com os das suas populações e residentes em geral. Nesta edição vamos reflectir sobre a construção e manutenção das paisagens, em particular sobre as acções que cada vez mais estão a prejudicar o território. A transformação acelerada e brutal da paisagem do Alentejo, que galopantemente destrói o coberto vegetal, altera as culturas e invade o solo que explora até aos limites, ajudando à acelerada desertificação humana e do solo e para a destruição dos vestígios patrimoniais e arqueológicos, está a atingir um ponto de não retorno, sem qualquer respeito ou sensibilidade pelas pessoas, pelas actividades locais e pelos seus valores paisagísticos. O evento vai realizar-se nos próximos dias 15 e 16 de outubro, e vai voltar a realizar-se na Igreja de Santiago, local onde se realizou desde 1992. O espaço, público, foi interditado a este evento da ADIM pelo Município de Reguengos, no ano de 2009, como represália pela intervenção da ADIM que desencadeou um processo de denuncia da obra municipal que destruiu as ladeiras medievais de Monsaraz e parte da sua muralha da idade do cobre com uma intervenção ilegal, dentro do perímetro de protecção do monumento nacional, sem projecto, e sem qualquer sensibilidade pelo património histórico classificado. O programa, que vai ter diversas actividades e intervenções de entidades e investigadores que desenvolvem actividade na área do tema seleccionado, e cujo programa será divulgado oportunamente, está aberto à participação, intervenção e assistência dos interessados na defesa da paisagem, do território e dos valores patrimoniais em geral. Conta para já com o apoio do Município de Reguengos e com outras entidades publicas e particulares que serão divulgadas em breve. Texto de enquadramento do tema dos Encontros de Monsaraz 2022. O homem, desde que se tornou sedentário, não mais parou de construir paisagens, adaptando e dominando a natureza aos seus interesses e formas de vida: desmatou, semeou, criou espaços para pastar e guardar o seu gado, construiu casas e povoados, fortificações defensivas, monumentos funerários, caminhos, estradas, cidades e outras obras próprias das grandes civilizações que entretanto se foram criando. A natureza é má para o homem porque não é organizada - é caótica. Esta era uma das ideias que o Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles usava quase sempre quando iniciava uma das suas primeiras aulas a uma turma, ou numa palestra, para introduzir o tema da “construção e ordenamento da paisagem”. E é assim de facto. Se abandonarmos um terreno e não o tratarmos, rapidamente tudo o que estava ordenado é tomado pela natureza que o invade e lhe introduz o caos. Por isso, para ordenar a natureza e construir as paisagens uteis ao homem, há que saber desmatar, desbastar, podar, arranjar e organizar esse caos, ordenando os espaços para as culturas, para as pastagens, para os poisios, para a circulação da água e sua correcta captação em condições equilibradas abrindo poços e noras, barragens, mantendo no entanto, e sempre, as necessárias defesas naturais como a compartimentação, a manutenção de sebes naturais, linhas de água, ribeiras e rios, alinhamentos arbóreos, charcas naturais, muros de pedra, portos e pontões de passagem das ribeiras, garantindo que os leitos de cheia não sejam ocupados com qualquer tipo de construção, defendendo os solos mais ricos e controlando a erosão e, naturalmente, escolhendo os melhores lugares para a agricultura e a pecuária. Ainda, e finalmente, saber escolher os melhores locais para construir as casas, as cidades e os equipamentos necessários à complexa vida humana. A salvaguarda da biodiversidade e dos corredores ecológicos são fundamentais para a manutenção da vida selvagem, que vai ajudar a que todo este sistema funcione. É fundamental garantir os sistemas naturais como a polinização, a conservação e manutenção das espécies criando condições para a sua sobrevivência contrariando os processos que conduzem à sua extinção. Todos estes elos são importantes para a garantia das cadeias ecológicas fundamentais para a sustentabilidade do conjunto da paisagem construída. O homem, ao longo destes cerca de 10.000 anos em que tem vindo a construir paisagens, tem, apesar de tudo, mantido algum cuidado no equilíbrio com que o tem feito, sabendo engenhosamente construir os seus modelos, recorrendo às engenharias para desviar cursos de água, para construir barragens e outras grandes obras de arte como portos, pontes, auto-estradas, caminhos de ferro, aglomerados urbanos e zonas industriais. Tem também, sabiamente, conseguido extrair equilibradamente os recursos naturais necessários à complexa vida que fomos criando como minérios, metais e terras raras, combustíveis fosseis, e outros recursos naturais necessários à sua sobrevivência e desenvolvimento. Porém, neste momento, estamos já a ultrapassar todos limites, não conseguindo mais controlar a poluição nem os resíduos industriais, abusando do recurso ao consumo de energia, construindo sem regras, agricultando tudo e de qualquer maneira, sem qualquer respeito ou preocupação com a natureza e com os seus recursos. Se até aqui o homem controlou e ordenou a natureza em seu benefício, neste momento estamos já a destruir de qualquer maneira sem pensar no futuro. Estamos a consumir mais do que a natureza consegue produzir, sem respeitar as válvulas de escape que a natureza continua a necessitar sempre que há enxurradas, cheias, trovoadas e ciclones, tufões, incêndios e outros fenómenos atmosféricos naturais. Estamos a poluir os rios, mares, oceanos e o ar que respiramos, estamos a conseguir secar cursos e outras reservas de água, mares interiores e outros recursos da natureza e biodiversidade como as grandes matas e selvas. Estamos também a construir uma enorme nuvem de sucata de restos de naves espaciais e satélites, estações orbitais e outros resíduos poluentes que orbitam descontroladamente em torno do planeta. A ordem geral já não é o benefício da comunidade, mas os interesses particulares e o lucro a qualquer custo para uma minoria de grandes empresas e empresários que dominam a economia e que não estão minimamente preocupados com o futuro do planeta. O que lhes interessa é o lucro rápido e fácil, produzindo a baixo custo produtos apenas para abastecer o consumo desenfreado e desnecessário, explorando para isso as classes mais desfavorecidas, criando uma nova escravatura disfarçada e escondida, e desrespeitando as regras básicas de protecção dos recursos do planeta. Passamos da fase de ordenar e construir paisagens, para a fase da sua destruição sem qualquer limite, com intervenções sem sustentabilidade que nos vão conduzir ao caos, à ruína e possivelmente ao desaparecimento da espécie. O mundo não irá desaparecer, porque sem o homem, o planeta saberá rapidamente regenerar-se para tudo começar de novo. Como sempre tem sido até aqui. Como disse Claude Levis Strauss, “o mundo começou sem o homem, e sem ele há de acabar”. E disse-o numa altura em que os problemas apenas se adivinhavam. Agora já existem, mesmo, de facto… É sobre estes problemas e sobre estes desafios que pretendemos dar este pequeníssimo contributo nestes 23ºs Encontros de Monsaraz, reflectindo em conjunto nestes dois dias em que o tema será a natureza e o homem, esse construtor de paisagens. Atalho para a inscrição: |
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