A luta – aparentemente inglória – do Doutor Cândido Ferreira! – José d’Encarnação Em defesa do nosso património - Viver é uma arte que nos pode oferecer excursões ilimitadas ao infinito jardim, que é o mundo à nossa volta… Devoto fervoroso da “arte de viver”, tive o condão de passar por experiências inimagináveis e de acumular compensações que talvez nem merecesse. Cedo focado na família e na profissão, e mais tarde também na produção literária, desde sempre me senti atraído pelos labirintos da mente e do conhecimento humano, enquanto uma consciência cívica, muito “incómoda”, me arrastou também por causas sociais, ecológicas, cívicas e políticas, estas últimas os “passos perdidos” da minha frenética vida. Mas um princípio, de que nunca desisti, orientou a minha geração: pensar globalmente e agir localmente, sem receio de “ser realista e fazer o impossível” em todas as áreas, incluindo ciência e arte, a que me dediquei. Nada de singular, outros médicos portugueses até deixaram profundas marcas em disciplinas em que nunca obtiveram diplomas. “Vítima” de uma curiosidade compulsiva, também a vertente do colecionismo se soltou a certa altura. Um “vício terrível”, sobretudo porque orientado para a preservação do património histórico-cultural e não para a acumulação de “troféus”. No entanto, uma longa e fértil excursão que culminou na recolha, estudo e catalogação de quase um milhão de peças de quase todos os países, épocas e civilizações. E, naturalmente, me obrigou a “passear” pela História e até a apaixonar-me pela investigação arqueológica, outro tema a apreciar brevemente. No início do séc. XXI, considerando-me “fiel depositário” desse património, intentei a sua doação a organismos públicos, tendo efetuado várias tentativas para a devolver ao seu legítimo proprietário, afinal o povo português que me deu oportunidade de alimentar muitos dos meus sonhos. Tentativas frustradas durante algum tempo, mas que em 2009 culminaram com um protocolo assinado com a Câmara Municipal de Cantanhede, meu concelho natal. E desde aí, vencendo romancescos obstáculos, nos temos esmerado em erguer um Museu de Arte e Colecionismo, hoje em vias de conclusão. Mas vamos ao que interessa, num espaço que defende e propaga a cultura lusófona. Não se trata de uma coleção, mas de uma coleção de coleções, considerada "eclética e de grande valor" pelos peritos oficiais que, entretanto, foram encarregados de a analisar. E podemos dividir o acervo em sete temas : 1 – Pinacoteca e afins - 160 óleos, aguarelas e desenhos de mestres portugueses, do romantismo ao impressionismo, e também escultura moderna, arte sacra e mobiliário mais representativo de origem nacional, desde o séc. XIV. 2 – História do Dinheiro – Copiosa coleção de moedas de Portugal e suas colónias, todas as notas bancárias emitidas, cédulas, títulos do tesouro, cheques, ações de empresas, fichas de crédito, recibos e outras curiosidades. 3 – História Postal – Inclui cartas pré-filatélicas e filatélicas de todo o mundo português, quase todos os selos, 180 mil postais de todos os matizes, a maioria geográficos ou românticos circulados em Portugal e preservando os selos, telegramas, aerogramas e demais emissões postais, comemorativas ou não, emitidas para o Continente Português até Timor. A que se juntam selos dos PALOPS, até 2007. 4 – Arqueologia e Artes Decorativas - Oriunda de quase todas as civilizações e épocas, alarga-se também a Portugal. 5 - Bibliografia – Conjunto de catálogos e almanaques, a que se juntam muitos manuscritos de importantes figuras da nossa História e milhares de cartões de visita. 6 – Artesanato - Será, porventura, a maior coleção do mundo ao reunir quase dez mil artefactos, criteriosamente recolhidos por quase todo o planeta. 7 – Temáticas ditas populares: desde vestuário a caixas de fósforos e botões, pacotes de açúcar, calendários, lápis, esferográficas, isqueiros, rótulos diversos, rádios, relógios e tudo o mais que, de pequena dimensão, suscita a atenção dos colecionadores. A cidade de Cantanhede, guardiã deste património, pretende tornar-se centro de visita obrigatório de estudiosos nestas temáticas, para além de alimentar feiras e eventos que a projetem, enquanto referência do colecionismo a nível mundial. Nada que possa causar espanto, se se pensar que a autarquia detém “matéria-prima” para distribuir por vários outros museus portugueses interessados e, até, possibilitar a instalação de museus nos Açores e Madeira, de Cabo Verde e Guiné a Angola e Moçambique e desde Goa, a Macau e Timor. Uma excelente oportunidade para a criação de centros promotores da cultura e da herança lusófona em quatro continentes, visto tratar-se de um raro conjunto de moedas desde os tempos de Vasco da Gama, bem como todas as notas coloniais, quase todos os selos emitidos, milhares de postais, cartas e outros artefactos étnicos de indiscutível interesse para essas populações. Cumprindo essa vontade da autarquia, que corresponde ao meu desejo enquanto doador, há muito que me desdobro em dezenas de deslocações a Lisboa, tendo contatado diversas instituições públicas e até embaixadas, como as de Cabo Verde, Índia e Guiné. E até programei infrutíferas viagens a Angola a Goa, onde fui muito bem recebido, mas sem resultados visíveis. Por todas as paragens, incluindo Portugal, o verbo doar, se usado de forma criteriosa, é muito difícil de conjugar. Simplesmente porque dando uma carga de trabalhos, não oferece dividendos. Mas chocante, chocante mesmo, é inação das autoridades portuguesas. Sempre negadas entrevistas com membros dos Governos, excetuando um Ministro da Cultura que, para azar meu e dele, foi corrido na semana seguinte a ter-me confirmado a sua participação na cerimónia de inauguração de dois núcleos museológicos expostos na Casa da Urra. Feita a entrega pública, há anos, à Junta de Freguesia local, o protocolo assinado com a Câmara Municipal de Cantanhede ainda não ratificado pela Câmara e Assembleia Municipal de Portalegre, certamente por manifesta falta de tempo. E nem o insuspeito Instituto Camões, que há muito me atendeu por iniciativa do anterior Ministro dos Negócios Estrangeiros, me deu qualquer resposta. Enfim, sonhos de quem vive fora do seu tempo, não sei se à frente ou se atrás. -- |
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