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Re: [Museum] [Histport] CCDRs, DRCs, DGPC - jogos de aparências

To :   Jacinta Bugalhão <jacintabugalhao@gmail.com>
Subject :   Re: [Museum] [Histport] CCDRs, DRCs, DGPC - jogos de aparências
From :   Maduro-Dias <maduro.dias@gmail.com>
Date :   Wed, 4 Jan 2023 15:29:54 -0100

Costumo ler muito e intervir pouco num fórum como este, onde aprendo mais do que possa “ensinar”. No entanto, e desta vez, não consigo deixar passar.
Quem tiver a paciência de procurar na web informação sobre o assunto verá que o que se passa agora é muito parecido com o que aconteceu com a Zona Central de Angra do Heroísmo, incluída na Lista do património Mundial, em 1983.
Na ocasião foi entendido é recomendado pela UNESCO, tendo em conta os múltiplos interesses em presença, que deveria haver uma entidade específica para coordenar as intervenções na zona classificada, no sentido de evitar duplicações e sobreposições, e de criar uma espécie de “câmara de descompressão e de obtenção de consensos”. Demorou tempo a conseguir isso, mas…
Depois de alguns anos, em 1986, o Gabinete da Zona Classificada foi criado, com uma representação tripartida: educação e cultura, câmara municipal, ambiente e urbanismo, e com a função de dar parecer sobre todos os trabalhos de construção civil 
e obras públicas a realizar na Zona Classificada, e coordenar a divulgação, conhecimento e investigação desse Bem UNESCO.
O interessante, nesta discussão de agora, foi que a entidade a quem os pareceres eram dirigidos foi escolhida no topo da hierarquia da Administração Regional: O Secretário Regional da Educação e Cultura, e os parecerem deviam, por regra, compaginar os interesses da preservação, das necessidades urbanas, do quotidiano dos habitantes e cidadãos… numa perspectiva cultural, sociológica e técnica.
Razões para ser o Secretário Regional e não o Director Regional ou a Autarquia? Ser um  parceiro dos colegas de governo para garantir que eles ouviam e entendiam, num plano de igualdade, e ter poder de decisão vinculativo sobre todos os trabalhos, de iniciativa de quem quer que fosse, inquestionável a todos os níveis, excepto direito de recurso para o plenário do Governo Regional. Tudo isto porque a proximidade, tal como o afastamento excessivo, não são “bons conselheiros”, na generalidade das situações.
Desse modo foi conseguida boa coordenação, em geral, durante anos, 12 para ser mais exacto, embora com variados, frequentes e naturais conflitos de interesses, que foram quase a 100% sendo ultrapassados.
A Zona Classificada foi reerguida das ruínas do Sismo de Janeiro de 1980, na sua grande maioria, mas este era um espartilho demasiado apertado “e não permitia o progresso”!!!
Resultado? Em 2000, foi iniciado o processo de extinção e de transferência de poderes para a autarquia, no quadro de um plano de gestão, é certo, mas com ampla autonomia e espaços de “interpretação legislativa”, reservando-se algumas competências para o governo regional (nomeadamente eventuais processos contraordenacionais). Acabou extinto, após 2004.
Hoje em dia, as intervenções seguem-se bastante ao Deus dará, embora dentro do quadro aparente da legislação. Apesar de serem produzidos alguns documentos a Administração Regional pôde afastar-se “dos problemas” e dessa coordenação inicial. Os pareceres, quando existem, apresentam, normalmente, uma visão técnica sectorial, de salvaguarda, e tem “resposta” imediata das outras forças e centros de interesse, em presença, que acabam por fazer valer o conceito de “desenvolvimento”, tão conhecido de nós todos.
O que vejo passar-se, agora, lembra-me isto tudo e tenho pena, muita pena.

Francisco Maduro-Dias
(Director do Gab da Zona Classificada de Angra do Heroísmo - 1987/2000)
 
Enviado do meu iPad

No dia 04/01/2023, às 13:52, Jacinta Bugalhão <jacintabugalhao@gmail.com> escreveu:


Boa tarde e Bom Ano!

A propósito do mesmo tema, em Julho de 2020:

"...
A integração de serviços e competências sobre a gestão do Património Cultural nas CCDR suscita muitas questões, uma vez que pode colocar em risco uma parte significativa da gestão pública do Património Cultural. Dificulta a definição e promoção de políticas nacionais. Baralha a superintendência política, pois as CCDR não dependem do Ministério da Cultura! Mas o aspecto mais crítico reside no exercício das competências de salvaguarda, licenciamento e fiscalização das intervenções sobre o Património Classificado e arqueológico, pois estas envolvem muitos interesses em conflito, a nível económico, político e social. É muito discutível e duvidoso que estas possam ser convenientemente exercidas por hierarquias e processos de decisão sem especialização técnica e científica.
Por outro lado, as CCDR promovem projectos que, simultaneamente, irão licenciar e fiscalizar, o que não é transparente nem favorece a isenção! Os instrumentos especializados de gestão do Património Cultural de âmbito nacional como sistemas de informação, arquivos e bibliotecas especializados, laboratórios e centros de investigação e linhas editoriais ficam em risco.
A gestão do Património Cultural não é compaginável com aproximação de centros de decisão com interesses antagónicos. Sem sofismas: a cultura organizacional das CCDR vê o Património Cultural como um “obstáculo ao desenvolvimento”.
Por isso, há que perguntar o que significa o Património Cultural para Portugal: um empecilho ou um dos mais relevantes recursos nacionais? A manutenção da gestão do Património Cultural na competência de organismos públicos especializados e independentes é a única resposta civilizacional, cultural, social e economicamente aceitável."

Também em anexo.

Saudações
Jacinta Bugalhão

Luís Raposo <3raposos@sapo.pt> escreveu no dia quarta, 4/01/2023 à(s) 09:24:
CCDRs, DRCs, DGPC - jogos de aparências e o que impoeta fazer de imediato

Luís Raposo 
PUBLICO, 4.1.2023


As implicações potenciais desta (aparente) transferência de competências das Direcções Regionais de Cultura para as CCDRs são tais que importa denunciá-las. E importa também, no ponto a que chegámos, tentar "apanhar os cacos" possíveis, apresentando alguns requisitos indispensáveis para precaver males maiores.

...

"Com a passagem das ditas competências para as CCDRs, deixa de existir o indicado enquadramento ministerial unificado e fatalmente aumentarão os conflitos com a DGPC. E então, das duas uma: ou esta passa a exercer efectivamente os poderes que do antecedente possuía ou… bom, ou as CCDRs passarão a encontrar-se em roda livre e, se nada for feito, acentuar-se-á o “fartar vilanagem” em relação ao património cultural e ao território. Admito que, não podendo impedir a transferência de competências em questão, alguns políticos e dirigentes do património cultural na Cultura tenham pensado que assim, mantendo o poder da DGPC, garantiam o essencial. Estão redondamente enganados, segundo creio: vivem a ilusão que o reforço do centralismo para níveis de há quatro décadas atrás poderá trazer algum benefício, quando na realidade somente trará inoperância acrescida, por mais reestruturações que se façam naquele monstro ingovernável.

"Chegados aqui, importa 'apanhar os cacos' naquilo que ainda seja possível. E tal implica, a meu ver, a adopção imediata (anuncia-se para finais de Janeiro a revisão da orgânica das CCDRs e a da DGPC diz também estar em curso) das seguintes medidas:

"Nas CCDRs:

- constitutição de departamentos próprios para o património cultural e as artes vivas; neste âmbito, criação de pelo menos uma direcção de serviços do património cultural e de divisões correspondentes aos seus três domínios principais: arquitectura, arqueologia e museus;
- preenchimento dos lugares de chefia com especialistas nas respectivas áreas e reforço dos quadros técnicos, garantindo em absoluto a sua liberdade de informação e despacho;
- constituição de conselhos científicos e cidadãos, com maioria de membros independentes, indicados pelas universidades, centros de investigação e movimento associativo.

"Na DGPC (à falta da sua implosão e criação de organismos mais pequenos e especializados):

- abandono da maior parte das atribuições formais supostamente herdadas das extintas DRCs;
- criação de equipas móveis nos domínios disciplinares acima indicados;
- reforço da relação com as comunidades (cientificas e associativas) de cada sector, reformulando nomeadamente a composição das secções relevantes do Conselho Nacional de Cultura (ou transferindo deste competências para um conselho consultivo da própria DGPC).

"Finalmente, mas não menos importante: a reforma em curso deve ser acompanhada por um reforço dos mecanismos de maior transparência, controlo e recurso cidadão. Neste sentido, todas as decisões das CCDRs referentes a bens patrimoniais devem poder ser escrutináveis com total acesso aos processos administrativos. Devem também ser susceptíveis de recurso para a DGPC (e desta para o governo) por parte de quaisquer partes legitimamente interessadas e nomeadamente pelo movimento associativo do património cultural, nos termos da Lei-Quadro e da Lei de Acção Popular."

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<2020.07.16_Património Cultural e a organização do Estado _ Opinião _ PÚBLICO.pdf>
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