Novos museus em Lisboa: dita e desdita Luís Raposo
Quiseram os astros que se tivesse nos últimos meses conjugado a (re)abertura de vários museus ou núcleos de museus de propriedade variada, todos para além da tutela nacional: a chamada Casa da Ásia, da Santa Casa da Misericórdias de Lisboa (SCML), o novo Centro de Arte Moderna (CAM), da Fundação Calouste Gulbenkian, a exposição de longa duração no andar superior do núcleo-sede do Museu de Lisboa, situado no Campo Grande, e o Museu do Design (MUDE), no coração da Baixa, ambos da Câmara Municipal de Lisboa (CML). Dir-se-ia que tudo é júbilo e que Lisboa, ou até o País dada a importância de alguns dos acervos destes museus, estão de parabéns. Infelizmente não é o caso.
Comecemos pela Casa da Ásia… O resultado agora público é muito agradável… O problema, o grande problema está no “sentido daquilo tudo”. E o facto é que, mesmo descontadas questões essenciais quanto à autenticidade (que se diz ter sido toda garantida por peritos… mas sabemos bem dos museus equivalentes em todo o mundo como tal nos sossega pouco), legalidade (idem) e ética (num tempo de “descolonização” dos museus), não podemos deixar de nos perguntar qual a racionalidade de uma instituição como a SCML despender importantes somas num projecto destes, que apenas poderá sorrir ao coleccionador e a alguns interesses instalados em Casa que se diz Santa, mas se tem notabilizado por estar cheia de pecados.
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Falemos depois do CAM. Passada a fase inicial, do foguetório provinciano e fátuo, quando as palas arquitectónicas parecem ter pousado nos olhos que quem as vê, a verdade é que caímos em nós e perguntamo-nos onde está a componente de museu do CAM?... É certo que existe no mundo dos museus, e muito especialmente nos de arte contemporânea, uma deriva no sentido do “curador-estrela” (depois de se ter antes instalado o “arquitecto-estrela”), alguém que se julga superiormente dotado e ungido da missão de produzir narrativas originais, excêntricas se possível, capazes de mostrar aos outros a luz, retirando-os das trevas. O próprio termo o sugere, porque em português “curador” (com origem latina e não anglo-saxónica…) apenas era usado até há poucos anos no contexto do direito, para designar a tutela exercida sobre menores ou incapazes. Pois, importa esclarecer que os visitantes não são mentecaptos e, sim, querem ver as colecções essenciais de cada museu, talvez com novos olhares no caso de exposições temporárias (devendo estas preferencialmente decorrer dos acervos próprios e não da promoção de amigos ou “bestiais” da moda), e também em galerias de longa duração, galerias onde a intervenção do mediador do museu (conservador, mais do que “curador”) seja discreto e não se assemelhe à de escuteiro finório, sempre pronto a obrigar a atravessar a rua, mesmo a quem não queira.
Tudo o que não vemos de respeito pela instituição e de serviço público no CAM, encontramo-lo na nova galeria de longa duração do núcleo-sede do Museu de Lisboa… Aqui, não: mantêm-se em exposição algumas centenas de peças, criteriosamente seleccionadas, e somaram-se, além disso, novos conteúdos, transportando a narrativa até ao presente e mesmo até à prefiguração do futuro próximo. Acresce uma museografia muito elegante, serena, convidativa da aprendizagem…
Dito isto, será que está tudo bem nos museus da CML? Não, de todo, nem nos da EGEAC, nem muito menos no recém-reaberto MUDE, que constitui uma quase excentricidade… Tanto na imoderada dimensão física (maior do que todos os outros museus de Lisboa, mesmo os nacionais), como no peso orçamental, desde a aquisição do espaço e da colecção inicial, passando por obras, avenças e cargos de chefia sem concurso, todos de anos, já décadas, até aos milhões de euros de orçamento corrente, tudo ali deixa no ar o odor terceiro-mundista do jóia de regime em país de miséria…
Ora, Lisboa deveria ter realmente um museu de grande impacte publico, como todas as outras capitais europeias – e isto sem prejuízo da manutenção e maior investimento nos que já existem e nomeadamente do Museu de Lisboa, na sua concepção polinucleada… Um museu com narrativa talvez menos historicista e mais antropológica, que fale nomeadamente da Lisboa “das mais desvairadas gentes”, um Museu da Viagem talvez.
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… infelizmente o que nestes meses vimos foi uma triste, obscura e mesmo funesta conjugação dos astros.
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