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Eu não sei bem se este tipo de polemicas faz parte desta lista.
Por favor digam-me se devo continuar a fazer eco das minhas preocupações aqui. Em todo o caso acho que este assunto da caça aos tesouros – apesar de ser um problema especifico dos arqueólogos subaquáticos que se dedicam ao estudo de navios ibéricos (somos 4 ou 5 em todo o mundo), e eu saber bem que os problemas dos outros não nos provocam grandes mazelas – é relevante para o panorama da arqueologia em geral.
Assim, e para que compreendam a minha irritação, achei que valia a pena colocar à vossa disposição a resposta que enviei hoje mesmo ao Dr. Adamowicz, e da qual já mandei copia (em inglês) ao presidente do ICOMOS:
Exmo. Sr. Dr. Leonardo Adamowicz
A pronta e enérgica defesa da empresa Arqueonautas SA espantou-me e chocou-me. Espantou-me porque eu julgava que o ICOMOS se pautava por princípios sérios, e pugnava pela defesa do patrimonio da Humanidade, considerado como uma propriedade de todos, e não de uma empresa privada qualquer. Chocou-me porque V.a Ex.a parece não compreender qual e o objecto social da empresa em questão. Assim, e para que não restem duvidas sobre a minha posição, julgo pertinente informá-lo dos seguintes factos:
1. A Arqueonautas SA e uma empresa privada com fins lucrativos cujo objectivo e a obtenção de lucro com a venda de artefactos recuperados de sítios arqueológicos subaquáticos. Isto configura, sem qualquer margem para duvida, a actividade de uma empresa de caca aos tesouros.
2. Como todas as outras empresas de caca aos tesouros que conheço – e eu conheço muitas – a empresa Arqueonautas SA nunca publicou uma única linha sobre os navios cujas cargas recuperou em nenhum jornal com credibilidade cientifica mínima.
3. Nos últimos nove anos a empresa Arqueonautas SA anunciou que ia recuperar, ou que havia recuperado, “tesouros” de mais de uma dezena de navios, em Cabo Verde e em Moçambique.
4. Ate ver uma prova escrita de que o Sr. Mensum Bound, ou a Dra. Margaret Rule, ou o Sr. Alejandro Mirobal pertencem, de facto, a Universidade de Oxford, não vejo nenhuma razão para acreditar nas informações distribuídas pela empresa Arqueonautas SA sobre a eventual credibilidade cientifica dos seus arqueólogos e as alegadas relações da empresa com a referida universidade.
5. Alias não conheço nenhuma organização respeitável que tenha escavado mais de uma dezena de navios ao longo de quase dez anos e nunca tenha publicado um único artigo cientifico sobre nenhum dos sítios. As duas únicas publicações de que tenho conhecimento, nos últimos 10 anos, sobre a actividade da empresa Arqueonautas SA são dois catálogos de leiloes, um da Sotheby’s e um da Christie’s.
6. Assim, só posso lamentar que o ICOMOS venha defender e promover tão energicamente a actividade desta empresa de caca aos tesouros, e se atreva a afirmar que esta actividade e compatível com os princípios que informam a UNESCO e deviam informar o ICOMOS.
7. Quanto aos seus argumentos sobre a alegada brutalidade da expansão portuguesa poderem justificar a destruição do patrimonio português, julgo que não devo deixá-los sem três comentários:
Em primeiro lugar quero-lhe dizer que espero que ninguém no ICOMOS ache que eu me devo calar perante a destruição do patrimonio cultural português em Moçambique porque sou português e ha seiscentos anos uns portugueses se portaram de forma desumana no território onde hoje e Moçambique;
Em segundo lugar porque os seus argumentos não são sequer lógicos. Mesmo que e expansão portuguesa em África tenha sido extremamente violenta para as populações africanas, não me parece que seja licito o ICOMOS aplaudir a destruição e a venda do patrimonio cultural português. Seguindo esta lógica será licito aplaudir também a destruição do patrimonio dos Romanos? E o dos Persas?
Em terceiro lugar, e talvez mais importante do que os insultos étnicos ou que a falta de lógica implícitos nos seus argumentos, gostava de lhe lembrar que o papel dos historiadores e das pessoas dedicadas ao estudo e preservação do patrimonio cultural da Humanidade não é coleccionar ofensas antigas para os políticos usarem em proveito próprio, lançando os povos uns contra os outros.
Sem outro assunto,
Respeitosamente,
Filipe Castro Assistant Professor Nautical Archaeology Program Texas A&M University College Station, Texas, USA
C.C.: ICOMOS Secretariat in Paris
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