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[Archport] Patrimonio cultural subaquatico


•   To: <archport@list-serv.ci.uc.pt>
•   Subject: [Archport] Patrimonio cultural subaquatico
•   From: "fvcastro" <fvcastro@tamu.edu>
•   Date: Wed, 19 May 2004 11:46:31 -0500

Eu não sei bem se este tipo de polemicas faz parte desta lista.  

 

Por favor digam-me se devo continuar a fazer eco das minhas preocupações aqui.  Em todo o caso acho que este assunto da caça aos tesouros – apesar de ser um problema especifico dos arqueólogos subaquáticos que se dedicam ao estudo de navios ibéricos (somos 4 ou 5 em todo o mundo), e eu saber bem que os problemas dos outros não nos provocam grandes mazelas – é relevante para o panorama da arqueologia em geral.

 

Assim, e para que compreendam a minha irritação, achei que valia a pena colocar à vossa disposição a resposta que enviei hoje mesmo ao Dr. Adamowicz, e da qual já mandei copia (em inglês) ao presidente do ICOMOS:

 

 Exmo. Sr. Dr. Leonardo Adamowicz

 

A pronta e enérgica defesa da empresa Arqueonautas SA espantou-me e chocou-me.  Espantou-me porque eu julgava que o ICOMOS se pautava por princípios sérios, e pugnava pela defesa do patrimonio da Humanidade, considerado como uma propriedade de todos, e não de uma empresa privada qualquer.  Chocou-me porque V.a Ex.a parece não compreender qual e o objecto social da empresa em questão.  Assim, e para que não restem duvidas sobre a minha posição, julgo pertinente informá-lo dos seguintes factos:

 

1. A Arqueonautas SA e uma empresa privada com fins lucrativos cujo objectivo e a obtenção de lucro com a venda de artefactos recuperados de sítios arqueológicos subaquáticos.  Isto configura, sem qualquer margem para duvida, a actividade de uma empresa de caca aos tesouros.

 

2. Como todas as outras empresas de caca aos tesouros que conheço – e eu conheço muitas – a empresa Arqueonautas SA nunca publicou uma única linha sobre os navios cujas cargas recuperou em nenhum jornal com credibilidade cientifica mínima.

 

3. Nos últimos nove anos a empresa Arqueonautas SA anunciou que ia recuperar, ou que havia recuperado, “tesouros” de mais de uma dezena de navios, em Cabo Verde e em Moçambique.

 

4. Ate ver uma prova escrita de que o Sr. Mensum Bound, ou a Dra. Margaret Rule, ou o Sr. Alejandro Mirobal pertencem, de facto, a Universidade de Oxford, não vejo nenhuma razão para acreditar nas informações distribuídas pela empresa Arqueonautas SA sobre a eventual credibilidade cientifica dos seus arqueólogos e as alegadas relações da empresa com a referida universidade.

 

5. Alias não conheço nenhuma organização respeitável que tenha escavado mais de uma dezena de navios ao longo de quase dez anos e nunca tenha publicado um único artigo cientifico sobre nenhum dos sítios.  As duas únicas publicações de que tenho conhecimento, nos últimos 10 anos, sobre a actividade da empresa Arqueonautas SA são dois catálogos de leiloes, um da Sotheby’s e um da Christie’s.

 

6. Assim, só posso lamentar que o ICOMOS venha defender e promover tão energicamente a actividade desta empresa de caca aos tesouros, e se atreva a afirmar que esta actividade e compatível com os princípios que informam a UNESCO e deviam informar o ICOMOS.

 

7. Quanto aos seus argumentos sobre a alegada brutalidade da expansão portuguesa poderem justificar a destruição do patrimonio português, julgo que não devo deixá-los sem três comentários:

 

Em primeiro lugar quero-lhe dizer que espero que ninguém no ICOMOS ache que eu me devo calar perante a destruição do patrimonio cultural português em Moçambique porque sou português e ha seiscentos anos uns portugueses se portaram de forma desumana no território onde hoje e Moçambique;

 

Em segundo lugar porque os seus argumentos não são sequer lógicos.  Mesmo que e expansão portuguesa em África tenha sido extremamente violenta para as populações africanas, não me parece que seja licito o ICOMOS aplaudir a destruição e a venda do patrimonio cultural português.  Seguindo esta lógica será licito aplaudir também a destruição do patrimonio dos Romanos?  E o dos Persas?

 

Em terceiro lugar, e talvez mais importante do que os insultos étnicos ou que a falta de lógica implícitos nos seus argumentos, gostava de lhe lembrar que o papel dos historiadores e das pessoas dedicadas ao estudo e preservação do patrimonio cultural da Humanidade não é coleccionar ofensas antigas para os políticos usarem em proveito próprio, lançando os povos uns contra os outros.

 

Sem outro assunto,

 

Respeitosamente,

 

Filipe Castro

Assistant Professor

Nautical Archaeology Program

Texas A&M University

College Station, Texas, USA

 

C.C.:   ICOMOS Secretariat in Paris

 


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