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A Conquista de Lakhish por Senaquerib em 701 a.C.: as fontes
escritas, arqueológicas e
paleo-biológicas
por
Álvaro Figueiredo (Doutorando no
Institute of Archaeology, University College London, University of
London)
Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
26 de Maio
de 2004
17h
Sala
T10
A Conquista de Lakhish por Senaquerib em 701 a.C.:
as fontes escritas, arqueológicas e
paleo-biológicas Álvaro
Figueiredo, Os reinos de Israel e de Judá há muito se defrontavam com a política de
expansão assíria, quando, em 722-1 a.C., Samaria, a capital de Israel, é
conquistada por Salmanasar V (726-722), ou pelo seu sucessor Sargão II
(721-705), após um prolongado cerco de dois ou três anos. Desta acção militar
resulta a perda de autonomia pelo reino de Israel, que vê ainda uma parte da sua
população deportada e Samaria transformada em capital provincial do Império
Assírio. Judá, o reino vizinho a sul, é forçado também a submeter-se ao poder
assírio, tornando-se o seu soberano vassalo da Assíria. Porém, passadas duas
décadas de vassalagem e de pagamento de tributo, Ezequias (715-687/6), rei de
Judá, revolta-se contra a Assíria, em aliança com algumas das cidades do litoral
e com o apoio de Shebiktu (702-690), soberano cushita da XXV dinastia egípcia.
Esta revolta de estados do Levante, em aliança com o Egipto, força Senaquerib
(704-681), o novo soberano no trono da Assíria, a agir. Em 701 a.C., Senaquerib,
à frente do exército assírio, marcha contra os estados rebeldes do ocidente.
Primeiro percorre o litoral, de norte a sul, tomando e saqueando as cidades da
costa que ousaram levantar-se contra a soberania assíria imposta pelo seu
antecessor. Após esta acção punitiva, segue-se Judá e o seu soberano, Ezequias.
Senaquerib entra em Judá pelo sul da Shephelah e cerca Lakhish, importante base
militar e uma das principais cidades fortificadas de Judah.
A acção militar assíria de 701 a.C., incluindo o cerco e a tomada de
Lakhish, são lembrados por alguns dos textos bíblicos (2 Rs 18-19; Is. 36-7; 2
Cr. 32) e encontra-se bem documentada nos anais assírios relativos ao reinado de
Senaquerib. Os trabalhos arqueológicos realizados em Nínive e em Lakhish também
nos deram a conhecer alguns dos eventos de 701 a.C. O cerco e a tomada de
Lakhish encontram-se ilustrados numa série de relevos magníficos provenientes do
Palácio de Senaquerib em Nínive. Descobertos por Austin Henry Layard entre
1847-51, foram removidos em 1853 para o Museu Britânico onde integram a
exposição permanente da colecção de relevos assírios daquele museu. Na sua
posição original, formavam o revestimento de um dos salões públicos do palácio.
As cenas representadas na composição transmitem-nos uma das melhores narrativas
militares para o reinado de Senaquerib. Cenas deste tipo eram organizadas de
modo a integrar o esquema decorativo do edifício, transmitindo assim uma
poderosa mensagem política aos visitantes assírios e estrangeiros. Os trabalhos arqueológicos realizados em Tell Ed-Duweir (Lakhish),
inicialmente pela Wellcome-Marston Research Expedition entre 1932-38, e mais
tarde (1973-87) por David Ussishkin, director do Instituto de Arqueologia da
Universidade de Tel Aviv, completaram em muito a informação até então obtida
apenas por fontes literárias e iconográficas. Segundo Ussishkin, durante os
níveis de ocupação IV e III, enormes fortificações protegiam a cidade que também
funcionava como uma das principais bases militares de Judah. Estas teriam sido
inicialmente construídas por Asa (c. 908-867) e Josafat (c. 867-846). O nível de
ocupação IV terá sido destruído por um sismo, após o qual a cidade é
reconstruída (nível III), incluindo as fortificações e o centro administrativo
(Palácio C). Pequenas casas ocupavam agora todo o espaço livre do tell,
revelando uma elevada densidade demográfica. Esta fase de ocupação é a da cidade
destruída por Senaquerib em 701 a.C. As escavações revelaram a rampa de cerco
assíria (a única rampa assíria até hoje descoberta), construída contra a muralha
sudoeste (como é ilustrado nos relevos de Nínive), onde foram encontrados os
restos de armamento pessoal (cota de malha, espadas) e pontas de projécteis, em
ferro e osso, assim bem como pedras de funda. Entre 1933-6, a Wellcome-Marston Research Expedition encontrou ainda uma
série de túmulos rupestres da Idade do Ferro (construídos e utilizados
anteriormente durante o Bronze Médio e Tardio), onde foram encontrados os restos
humanos do que se supõe terem sido muitos dos habitantes mortos durante o cerco
de Lahkish. Um dos túmulos (120) continha os restos de mais de 1500 indivíduos.
Parte dos restos humanos encontrados nesta série de túmulos foi seleccionada
(sobretudo crânios), e transportada para Londres, onde integra a colecção de
reserva do Natural History Museum.
O estudo do autor baseia-se na análise de 711 crânios, 356 adultos do
sexo masculino, 294 adultos do sexo feminino e de 61 indivíduos juvenis, com
idades compreendidas entre os 3-17 anos. O estudo revelou aspectos da vida dos
antigos habitantes de Lakhish, incluindo a sua dieta, patologias (patologia
oral; anemias; neoplasmas; etc.), anomalias congénitas, fracturas causadas por
violência interpessoal e intervenções cirúrgicas. Em alguns casos, foi ainda
possível atribuir a causa de morte a violência interpessoal, sem dúvida
relacionada com as actividades associadas ao cerco de Lakhish. O elevado nível
de densidade populacional, condições de saneamento rudimentares e o contacto
diário com animais domésticos, como o gado, terá ainda contribuído para a
propagação de doenças. Como nos outros grandes centros urbanos do Levante, em
Lakhish, o papel dos roedores, insectos e parasitas na dispersão de muitas
doenças infecciosas, também não deve ser subestimado. A quase total dependência
do cultivo de cereais seria ainda responsável por muitos períodos de crise,
durante maus anos de colheita, trazendo fome e doença. A
palestra será ilustrada com imagens das escavações de Lakhish (tell e túmulos),
relevos assírios de Nínive, textos bíblicos e assírios, e exemplos provenientes
do estudo paleo-biológico dos restos humanos provenientes de Lakhish.
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