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[Archport] Património cultural subaquático Moçambique


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•   Subject: [Archport] Património cultural subaquático Moçambique
•   From: "Paulo Monteiro" <paulo_monteiro@hotmail.com>
•   Date: Thu, 27 May 2004 17:22:15 +0000

"A ilha dos tesouros
Revista VEGA, Maio de 2004, texto de João Villalobos

Após uma tentativa falhada nos Açores causada pela alteração legislativa, a Arqueonautas Worldwide partiu para Cabo Verde e, depois, para Moçambique. Nas riquíssimas águas da Ilha de Moçambique, prosseguem agora um trabalho de recuperação de tesouros.

UM DIA COMO OS OUTROS, AQUELA TERÇA-FEIRA DE 19 DE DEZEMBRO DE 2000. Pelo menos para os pregoeiros da vetusta leiloeira Sotheby's em Londres, habituados a ver passarem-lhes pelas mãos antiguidades e obras de arte no valor de muitos milhões de libras. Para a equipa da empresa Arqueonautas, no entanto, esse será um dia excepcional. O dia em que cinco anos de pesquisa, milhares de horas de mergulho e de trabalho de recuperação serão finalmente recompensados. No final, os tesouros e artefactos recuperados entre os recifes ao largo das ilhas de Cabo Verde renderão mais de um milhão e meio de libras.

Entre as peças leiloadas existe uma, escolhida para capa do catálogo, especialmente cobiçada pelos interessados presentes na sala ou licitando ao abrigo do anonimato telefónico: O único astrolábio até agora conhecido recoberto em prata, datado de 1645 e assinado pelo mestre Nicolau Ruffo. Encontrado em Novembro de 1999 pelo mergulhador cabo-verdiano Gigi Fernandes Correia durante os trabalhos em Passa Pau, no local de naufrágio do navio São Francisco - provavelmente espanhol - ao largo da ilha de Santiago, esta peça única terminará o seu périplo nos Estados Unidos. Mais precisamente no Museu Marítimo de Newport em Virginia, adquirida por 124.500 libras. Para os responsáveis do museu, esta foi uma aquisição que, pela sua raridade e qualidade excepcional, coloca a instituição entre as melhores colecções do mundo de instrumentos de navegação. O Estado português, esse, não se mostrou interessado na aquisição.

Hoje, quatro anos passados e dez desde a sua fundação, a Arqueonautas trocou o feroz mar Atlântico de Cabo Verde pelas águas algo mais tranquilas do Índico depois de ter assinado em Novembro de 1999, com o Governo de Moçambique, um contrato exclusivo de concessão para a recuperação de navios afundados na Ilha de Moçambique, o qual seria em 2003 estendido a toda a província de Nampula, até 2006.

A Ilha de Moçambique, classificada como Património Mundial da Humanidade, é um manancial de inúmeras riquezas, afundadas ao largo dos assassinos recifes da zona. No total, a concessão representa 700 Km de linha de costa e os mergulhadores da Arqueonautas já registaram 82 naufrágios, 90,2 % dos quais de navios portugueses, entre os séculos XV e XVII. Quase todos com nomes de santos, como o Santa Teresa, o São Jorge ou o São Luiz.

Os homens e mulheres que compõem a Arqueonautas, no entanto, são vistos como tudo menos santos. Caçadores de tesouros, garimpeiros do mar, gananciosos saqueadores do património marítimo, de tudo os acusam os seus detractores, em especial uma equipa de arqueólogos portugueses que persegue ferozmente a empresa desde há dez anos, altura em que a Arqueonautas tentou operar em Portugal, concorrendo à concessão arqueológica das águas açorianas. Sem sucesso, e dando origem a uma "guerra" que ainda hoje se mantém sem tréguas à vista.

A história remonta a 1994, data em que a Arqueonautas S.A. é constituída, com uma lista de accionistas que reúne a aristocracia europeia e a nata da finança portuguesa. Nomes como José de Mello, Ricardo Espírito Santo Salgado e Pinto Balsemão são alguns dos mais sonantes empresários nacionais cativados a participar com uma modesta participação de capital na criação da empresa. Ao lado deles, figura o Barão austríaco Stefan Von Breisky, e ainda hoje mais dois barões e um conde nos «boards» da Arqueonautas. Reinout Sloet tot Everlo, bem conhecido do verdadeiro jet-set nacional e Howard Steven Strouth, escolhido para preparar a entrada da empresa em bolsa prevista para 2002, mas entretanto adiada pelas dificuldades do mercado.

Entre os portugueses, os nomes são igualmente sonantes: Presidente e Vice-presidente do Conselho Consultivo, D. Duarte de Bragança e o Almirante Isaías Gomes Teixeira. No Conselho Científico, Maria João Espírito Santo Bustorff na categoria de presidente da Fundação Ricardo Espírito, Santo, como consultora de conservação e restauro. Estes e outros apelidos não foram, no entanto, suficientes para alcançar o objectivo primordial da empresa. a saber, a concessão das ricas e inexploradas águas açorianas, recheadas de naufragadas riquezas.

Uma equipa composta por um triângulo de arqueólogos marítimos que se apelidam mesmo de «zelotas» e a um deles de «Ayathola», composta por Alexandre Monteiro, Filipe Castro e Francisco Alves, moveu mundos e fundos e conseguiu impedir o início de actividade da empresa, ajudada por um erro de casting fundamental e hoje reconhecido pelo CEO da Arqueonautas e proprietário de um castelo na Baviera, o Conde Nikolaus (Niki) von und zu Sandizell: a escolha para responsável de operações de .John Grattan, ex-oficial da marinha britânica mas também um aventureiro caçador de tesouros, o qual se revelaria mais tarde possuir um agitado cadastro incluindo uma experiência açoriana anterior em 1972, que incluiu um tiroteio com ex-sócios entretanto tornados rivais.

Aproveitando esta circunstância, que Niki Sandizell afirma ser desconhecida da empresa e ter sido prontamente respondida com o rápido despedimento de Grattan, os arqueólogos açorianos agitam as águas e conseguem criar pressão e bad press suficientes para influenciar as entidades oficiais. Niki considera que «para haver uma guerra são necessárias duas partes. E nós nunca tivemos contacto directo com os arqueólogos dos Açores, para além de tentar convidar o Dr. Francisco Alves para um diálogo, o que ele nunca aceitou».

De seguida, o golpe de misericórdia é dado pela mudança de Governo e a consequente alteração legislativa. Passa-se da permissiva lei criada pela Secretaria de Estado de Santana Lopes e aprovada pelo Governo de Cavaco Silva, para uma lei altamente restritiva criada em 1997 por Manuel Maria Carrilho e aprovada pelo Governo de António Guterres, ainda em vigor. É o adeus às concessões a empresas privadas e a comissões arbitrais, e o olá ao Instituto Português de Arqueologia, novo dono e senhor dos mares, ou pelos menos do que se encontra debaixo deles. Agora, nem a utilização de magnetómetros à superfície - para detecção de anomalias que correspondem a objectos ferrosos associados aos naufrágios - é permitida sem autorização do IPA.

À Arqueonautas, após o investimento de 60.000 EUR que dizem não ter tido qualquer retorno, resta abandonar Portugal e os Açores e partir para melhores águas. Contando com alguma ajuda institucional por parte de D. Duarte, a empresa consegue a concessão exclusiva para a pesquisa nas águas de Cabo Verde. De acordo com o contrato, a repartição dos achados é feita pela metade. Mas do lado do Governo cabo-verdiano ficam todos os artefactos considerados únicos e/ou de manifesto valor histórico, bem como uma peça de cada conjunto idêntico encontrado, muitas delas visíveis no Museu Municipal da Cidade da Praia e no Centro de Conservação e Museologia. O que não sucede com o mencionado astrolábio, embora Cabo Verde tenha ficado com uma réplica. É intenção da Arqueonautas doar duas outras réplicas, no futuro, a um museu português e ao Museu Marítimo Nacional em Madrid.

Apesar do rentável leilão realizado na Sotheby's, Niki Sandizell afirma que as operações em Cabo Verde não permitiram sequer atingir o break even, embora «tenha corrido bastante bem para o país». Faltou um achado particularmente rico e as agitadas águas do Atlântico encareceram bastante os custos envolvidos em cada resgate, com um custo médio, de acordo com o responsável, de aproximadamente meio milhão de euros. Mas esta foi também, no seu entender, «uma experiência positiva pela aprendizagem».

Essa aprendizagem iria em breve ser aplicada noutra antiga colónia portuguesa, com todas as condições para se revelar bastante mais lucrativa. E em particular numa zona onde, mesmo antes dos nossos navios percorrerem a sua perigosa mas necessária rota, o ouro fluía a bordo dos barcos trazendo as riquezas do muito antigo reino de Monomotapa. Tal como é apresentado pela Arqueonautas aos seus potenciais investidores, mesmo antes da chegada dos portugueses estima-se em mais de cinco toneladas de ouro por ano a exportação do metal precioso vindo para o porto de Sofala, e depois carregado por zambouks e dohws para as cidades de Kilwa, Melinde, Mombassa, Lamu e através do Mar Vermelho ou directamente para a Índia, em veleiros maiores. «Não há dúvida», afirma a empresa, «que vários desses navios naufragaram ao velejar ao longo das perigosas costas de Moçambique. Mais possivelmente ao largo de Sofala, nos recifes das Ilhas Primeiras, de Angoche, Mogincual e Cabo Delgado». «O valor deste naufrágios», asseguram, «não pode ser calculado mas é de certeza considerável, não apenas numa base comercial como também incalculável do ponto de vista científico».

Finalizada a primeira fase de trabalho em Moçambique, ao abrigo de um contrato que vigora até 2006, com uma média de dez horas de mergulho por dia e um naufrágio descoberto em cada seis dias e meio, Alejandro Mirabal mostra o seu contentamento e exibe imagens do material recuperado num dos locais, uma colecção de preciosíssima porcelana Ming, a maior parte em óptimo estado de preservação. De origem cubana e com 19 anos de experiência profissional, 14 dos quais na organização de arqueologia marítima fundada por Fidel Castro, a Carisub, Alejandro é o arqueólogo-chefe da equipa mas também, em simultâneo, o responsável pelas operações de resgate.

Apesar do valor destas e outras peças descobertas, tanto ele como Niki Sandizell asseguram a qualidade científica do seu trabalho e negam ser movidos pelo único interesse do lucro. Eles não são «nem fundamentalistas nem caçadores de tesouros», mas sim uma «terceira via», aliando a vertente comercial de uma empresa privada à paixão pela arqueologia marítima. Niki diz mesmo que os reputados consultores Margaret Rule e Mensun Bound nunca receberam um cêntimo por fazerem parte do seu Conselho Científico «ou por todo o trabalho conduzido durante as operações para documentar os achados para publicações científicas».

Os «fundamentalistas», no entanto, continuam a persegui-los. Filipe Castro, entre outras críticas severas, afirma que «Uma das coisas mais graves relativamente à actividade destas empresas no Terceiro Mundo é a falta de responsabilidades atribuídas. As pessoas ligadas a estas empresas mentem frequentemente, fazem promessas e afirmações, e nunca são responsabiliza das pelos eventuais danos sociais, ambientais e económicos que provocam. Anos depois, vemo-las a fazer as mesmas afirmações e promessas em outros países».

A Directora Nacional do Património Cultural de Moçambique, por seu lado, não hesita em defender o recurso à Arqueonautas. Para esta responsável do Ministério do Cultura moçambicano, «o fim último do projecto é o enriquecimento do estudo da História de Moçambique e da região, como contributo para a História da humanidade» e a colaboração entre a empresa maioritariamente estatal Património Internacional e a Arqueonautas tem mesmo «impedido a continuação das pilhagens que ocorriam em diversos locais». O responsável da empresa ressalva ainda que «as nossas actividades entre 2000 e 2002 na Ilha de Moçambique resultaram na eliminação de dois grupos de caçadores de tesouros ilegais, um português e outro de origem húngara».

Hoje com sede oficial na Madeira por razões fiscais, 3.000.000 de capital social e mantendo um dos escritórios numa tranquila vivenda do Estoril, a entretanto denominada Arqueonautas Worlwide prepara-se para recomeçar a actividade em Moçambique mas não esquece Portugal. Niki Sandizell, transformado no maior accionista individual da empresa tem os horizontes em aberto. Operar como empresa de serviços contratada, arranjar um patrocinador principal e transformar a Arqueonautas em fundação ou partir a médio prazo para a Bolsa Internacional, são opções em estudo. Os críticos, esses, não vão desarmar, mas a Arqueonautas está habituada aos canhões. Os de bronze e os outros."

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