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Nas escavações arqueológicas que decorrem em Tavira, no terreno do antigo palácio Corte-Real, os arqueólogos do Campo Arqueológico de Tavira, dirigidos por Maria Maia, têm posto a descoberto uma complexa sequência de ocupações entre os sécs. VII a.C. e XVIII d.C.
Os resultados desta escavação que ainda decorre, de grande riqueza arqueológica, serão oportunamente publicados.
O recinto do templo
Referimo-nos aqui apenas à existência de um nível de ocupação, datável de finais do séc. IV a.C., correspondente ao final de ocupação de Tavira Turdetana, sobre o qual assentam directamente os alicerces do primeiro nível de ocupação islâmica, 1400 anos posteriores.
Neste nível descobriu-se um altar em forma de pele de boi, tendo no seu interior um tanque escavado, de secção circular. Este altar eleva-se sobre um pavimento regular de consideráveis dimensões e forma rectangular. O tanque é impermeável, com sinais de resíduos líquidos e ausência de marcas ígneas.
O altar e o pavimento são construídos em marga, trazida para o local. É o mesmo material que cobria artificialmente os poços fenícios do Palácio da Galeria, alguns séculos mais antigos.
Uma "larnak" com a forma de pele de boi, datada de inícios do séc. V a.C., tinha já sido encontrado pela mesma arqueóloga, em 1985, em Neves-Corvo (Castro Verde, Beja). Altares com esta forma têm sido descritos em diferentes pontos da Bacia do Guadalquivir, revelando a sua generalização na área cultural turdetana.
O conjunto de Tavira interpreta-se como o recinto de um templo.
O deus-serpente
Num recesso junto a um dos cantos do altar, encontrou-se uma figura em terracota, representando uma divindade.
Com cerca de 15 cm de altura, excluindo a cabeça desaparecida, apresenta um estilo muito semelhante aos ex-votos sírio-palestinianos e baleares, presentes em diversas colecções (Ashmolean, Illa Plana-Ibiza, etc.). É formado por um corpo campanular oco, feito em roda de oleiro, que incluiria a cabeça ou parte dela, e por acrescentos maciços, correspondentes aos braços, de que restam apenas os ombros.
Trata-se de uma figura masculina, segundo se deduz da musculatura dos ombros e da ausência de formas femininas características. O pescoço é rodeado por uma estola que cobre a parte superior dos ombros e a túnica, até aos pés, era originalmente pintada.
O aspecto mais original da figura é, porém, a presença de uma cobra, moldada tridimensionalmente, que se encosta, ondulante, à parte anterior do corpo, entre o pescoço e a base da estatueta. A cobra apresenta uma cabeça com olhos e marcas de pele, em cuidadoso picotado inciso, que se dispõem ao longo do seu corpo.
A identificação preliminar da figura corresponde a uma interpretação local de Eshmun ou divindade semelhante: deus-serpente, ctónico, médico e aquático, com eventuais poderes oraculares. Assimilado ao Apolo pré-helénico de Delfos e de outros santuários, uma das suas facetas foi posteriormente sincretizada como Asclépio.
No caso da estatueta de Tavira, é notável a manutenção de formas estilísticas Levantinas e a ausência de influências gregas, numa época tão tardia e num povoado onde abundam as cerâmicas áticas.
Apesar das suas dimensões e forma sugerirem tratar-se de um ex-voto, não se encontraram até à data, fragmentos de outras estatuetas nas imediações.
Desconhecemos paralelos formais desta figura, com ou sem cronologia compatível. Estão descritas estatuetas semelhantes, com cabeça ou pés de serpente, ou com serpentes na mão, mas não que saibamos, com serpentes apostas na parte anterior do corpo.
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