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[Archport] Simplesmente Tróia


•   To: archport@list-serv.ci.uc.pt
•   Subject: [Archport] Simplesmente Tróia
•   From: Jacinta Bugalhão <jacinta@ipa.min-cultura.pt>
•   Date: Tue, 20 Sep 2005 18:46:37 +0100

Caros colegas

 

Tenho sempre muita relutância em participar nestes debates públicos. Mesmo quando o assunto me toca de perto, tento coibir-me, muitas vezes a custo, de participar profusamente, como por vezes desejaria. Talvez seja pelo facto de ser funcionária do IPA tenho um certo pudor, por lado, por considerar que me encontro numa posição de executar e não de comentar e, por outro lado, por ter sempre a sensação que me pronuncio numa posição de privilégio, por ter acesso a informações indisponíveis para os colegas que não trabalham no IPA.

Tenho contudo acompanhado com interesse, mas principalmente com muita tristeza o debate sobre Tróia, caracterizado, na minha humilde opinião, por alguma falta de enfoque.

MAS ALGUÉM DUVIDA QUE TRÓIA É A MAIOR VERGONHA DA ARQUEOLOGIA PORTUGUESA?

 

Dizem-me alguns colegas que Tróia é como outros sítios. Eu acho que não: Tróia é pior que os outros sítios! Vejamos algumas estatísticas que, a existirem, o poderiam comprovar:

 

- N.º de trabalhos arqueológicos realizados / N.º de Relatórios entregues;

- N.º de Arqueólogos / Investigadores / Equipas de Investigação / Instituições envolvidas nas intervenções arqueológicas no sítio, ao longo do tempo;

- Nº de Instituições / Particulares depositários de espólio do sítio;

- Nº de Instituições / Particulares que possuem documentação de campo (desenhos, fotografias, cadernos de campo, etc) decorrentes de intervenções no sítio;

- N.º de pedidos de esclarecimentos por parte de órgãos de soberania, nomeadamente de deputados e grupos parlamentares, dirigidos aos órgãos públicos de gestão da Arqueologia;

- N.º de referências/artigos na comunicação social;

- N.º de anos (perdão, séculos) em que a estação arqueológica é conhecida;

-Nº de peças arqueológicas ilegitimamente subtraídas ao sítio e (algumas) vendidas a preço de mercado negro;

- N.º de referências bibliográficas de natureza científica sobre o sítio.

 

Etc, etc…

 

Tróia não é um sítio não é um sítio qualquer. Distingue-se pela extensão, estado de conservação e diversidade dos contextos arqueológicos que encerra. E apesar de tudo isto e de se tratar de um sítio entregue (essencialmente) à responsabilidade do Estado, ainda hoje, penso, que não se sabe exactamente que tipo de sítio arqueológico Tróia é.

 

Alguns participantes deste debate demonstram-se esperançosos no futuro: pois se até há um novo Protocolo entre o IPPAR, o IPA e a IMOAREIA…

 

Pois a mim, e lamento dizê-lo, tal facto não sossega: para quem não sabe, não é primeiro protocolo, acordo, colaboração entre o Estado e um particular proprietário do sítio.

 

Pior: ao ler a informação disponível do site do IPPAR, apercebi-me que ESTE PROTOCOLO ASSUME UM CARÁCTER DE CONTINUIDADE EM RELAÇÃO AO PASSADO RECENTE!

 

Para mim seria um sinal de esperança se os responsáveis assumissem claramente uma ruptura em relação ao passado, porque o passado está mal!

Não quero com isto dizer que não tenha havido muita gente bem intencionada, séria e competente a trabalhar em Tróia. Quero dizer que a forma de abordagem ao sítio de Tróia, por parte de quem assumiu a direcção do processo, foi sempre DIVAGANTE, DISPERSANTE, DESCOORDENADA, DESORIENTADA, DESARTICULADA, CASUÍSTICA, ETC. O sítio nunca teve sequer qualquer condição básica de defesa contra as diversas e fortes agressões que sofre (naturais e humanas).

 

Lamento, mas é o que penso!

 

Pergunta-se quem é o responsável científico pelo sítio nesta nova conjuntura. Respondem que Tróia não é um feudo. Deve concluir-se que Tróia não tem responsável científico neste momento? Deve concluir-se que os sítios que têm a decorrer projectos com estrutura, equipa e, pois claro, responsável, são feudos? Mas não é obrigatório que todos os sítios objecto de intervenção seja ela de pequena ou grande monta tenham um responsável científico?

 

Não haver responsável quer dizer que ninguém, em última instância, se responsabiliza!

Espero que não seja o caso, até porque Tróia precisa de um responsável e não qualquer um. Na minha perspectiva, tem que ser um Arqueólogo, especialista no período clássico, COM CURRICULUM CONSOLIDADO, PROVAS DADAS, CAPACIDADE E COMPETÊNCIA, tanto do ponto de vista de direcção científica, como do ponto de vista da gestão dos diversos e muito complexos problemas desta estação arqueológica. E terá que ter uma equipa, bem dimensionada e competente, não invalidando, como é óbvio a realização de colaborações com investigadores e equipas de investigação externas ao projecto. A existência de uma comissão científica de acompanhamento é benéfica, mas não substitui a existência de responsáveis!

 

O que não pode acontecer é que a investigação sobre este sítio (como nos outros) vá acontecendo à mercê do acaso, ou das circunstâncias que surjam, como na minha opinião tem acontecido vezes demais, em Tróia.

 

De qualquer forma, também me parece que a questão da investigação em Tróia, neste momento não deveria ser prioritária. Penso aliás, que as únicas intervenções que deveriam merecer autorização seriam as intervenções de emergência sobre contextos e estruturas que todos os dias estão a ser consumidas pelas marés.

 

E se nada disto for possível o melhor seria tapar na íntegra o sítio com uma forte camada de areia (esta ideia tem direitos de autor) e colocar à entrada um aviso: ARQUEÓLOGO NÃO ENTRA.

 

Depois é esperar por outras gerações, porque esta nossa, aparentemente não tem capacidade para reverter a situação.

 

Lamento se as minhas palavras foram duras para alguns colegas e espero, muito sinceramente estar enganada. Se assim for, terei o maior prazer em voltar a participar nesta lista, daqui a algum tempo, admitindo o erro e congratulando-me com o fim da maldição de Tróia.

 

Jacinta Bugalhão

 

p.s. Eu tinha mais coisas para dizer, mas já escrevi de mais…

 


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