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Re: [Archport] re: casa de Garrett


•   To: Archport@lserv.ci.uc.pt
•   Subject: Re: [Archport] re: casa de Garrett
•   From: Alexandre Monteiro <alexandre.monteiro@gmail.com>
•   Date: Mon, 30 Jan 2006 19:46:07 +0000

Ossadas leva-as o vento. Sinceramente, basta ir por esse país fora e
constatar a devoção popular que nutre este nosso povo pela miriade de
santinhas e outras reliquias veneráveis para ver a sede que todos
temos àquilo que é do domínio do macabro e do grotesco.

Quantas ossadas das nossas figuras históricas cairam na ignominia? As
do Marquês de Pombal, espalhadas pela igreja que serviu da cavalariça
às tropas napoleónicas, entre a palha e a bosta cavalar; as de Inês de
Castro, a quem levaram o cabelo louro e um dedo real na mochila de um
soldado inglês de Dorset, as de tantas outras, cujas pedras tumulares
foram quebradas e saqueadas nas incontáveis guerras e guerrilhas de
outrora?

Quantas outras, mais ilustres - como as da familia do Provedor das
Armadas da ilha Terceira, espalhadas e partidas em 1999 pelos
trabalhadores das obras de beneficiação da Igreja, em Angra do
Heroísmo - ou não tanto ilustres - como as centenas de ossadas da
Igreja da N. Sra. do Carmo, empilhadas dentro de sacos de lixo pretos
pela matulagem dos caboucos ou as que estavam à chuva e ao vento no
exterior do castelo de Óbidos, na "escavação arqueológica" que lá ia
decorrendo em 2004, não cairam na lama e na perda de conhecimento
cientifico?

O nosso mal, enquanto país, não é tanto a descura do património
construído - é mais a alienação e o desconhecimento do nosso
património no seu todo enquanto povo lapuz e boçal que somos e ainda
seremos, infelizmente, por muitas outras gerações do porvir.


On 1/30/06, Dulce Rodrigues <dulce@dulcerodrigues.info> wrote:
> Sem querer deitar « mais achas na fogueira » nem « água na fervura »,
> gostaria de lembrar que qualquer povo que tem orgulho na sua pátria, tenta
> preservar ao máximo o seu património histórico-cultural, seja esse
> património uma casa onde nasceu, viveu ou morreu um (grande) escritor ; os
> seus escritos, o que resta dos seus ossos, etc. Na Alemanha até a casas  dos
> pais de Beethoven foi conservada e transformada em museu. !
>
> Mas, em Portugal, todos sabemos que a nossa preocupação é sobretudo
> festejarmos os grandes « vultos » estrangeiros, temos um deslumbramento e um
> fascínio por tudo o que não seja património nosso mas do vizinho. Este tema
> dava « pano para mangas » como se costuma dizer.
>
> E contrariamente ao que muito boa gente julga, esta nossa vassalagem ao
> estrangeiro, em detrimento do que é português, não é de hoje. Permito-me
> fazer referência a dois episódios da nossa História que ilustram bem o que
> digo. Esses foram porventura os primeiros de uma longa, mesmo exaustiva
> lista.
> Passou-se o primeiro em 1147, quando da conquista de Lisboa aos Mouros.
> Entre os cavaleiros teutónicos que vieram ajudar Afonso Henriques, havia um
> de nome Heinrich (Henrique) que morreu durante o cerco, tendo os seus ossos
> sido levados e sepultados na igreja de São Vicente (onde ainda se
> encontram), e uma lápide assinala o lugar e lembra o facto, para que não
> seja esquecido. Curiosamente, nesse mesmo cerco, tomou igualmente parte um
> nobre cavaleiro português, de seu nome Martim Moniz, que deve a sua fama a
> ter ficado entalado na porta do castelo para permitir a entrada dos
> cristãos. Claro que o seu nome ainda é recordado hoje nos vestígios que
> restam dessa muralha, mas os seus ossos, esses, não mereceram por parte dos
> Portugueses nenhuma sepultura, não se encontram em nenhum lugar de culto,
> nunca houve rasto deles, e há até quem ponha em dúvida que Martim Moniz
> tenha existido !
>
> Relativamente ao segundo episódio, também ele se refere a uma figura
> portuguesa, bem conhecida no mundo inteiro por Santo António de Pádua, mas
> que nós temos muito orgulho em que nasceu eu Lisboa e era português !? Só
> que praticamente ninguém fora das fronteiras deste rectângulo de terra a que
> chamamos Portugal sabe que ele era de Lisboa, pois é conhecido por ser de
> Pádua. Aqueles que já tiveram a oportunidade de ter ido ao Canadá, onde
> existe uma grande comunidade italiana (e igualmente a nossa portuguesa,
> claro) certamente que sabem por que podem passar se ousarem dizer aos
> Italianos ou seus descendentes que o Santo António era português ! E quem já
> foi a Pádua e visitou a igreja dedicada ao santo, quando a compara com a que
> existe em Lisboa no sítio onde se supõe tenha existido a casa onde ele
> nasceu... sem comentários ! Ou melhor, o comentário que desejo fazer é que
> para compreendermos como isto se pôde passar, basta ler a Crónica da Ordem
> dos Frades Menores, escrita após a morte do santo, que começa com as
> seguintes palavras, cito « O muy glorioso padre Samto Antonio de Padua, hum
> dos escolhidos companheiros (...) », fim de citação, sem mais comentários.
>
> Devemos espantar-nos por Portugal - e nós Portugueses - sermos esquecidos,
> quando não somos até ignorados (o que não é exactamente a mesma coisa) pelos
> outros povos ? Claro que não, quem não tem amor próprio, certamente não
> inspira admiração aos outros. Por isso vemos emissões sobre História,
> Arqueologia, para só falar destes temas, feitas sempre por estrangeiros e
> falando sobre temas relativamente aos quais Portugal devia ser um país
> referenciado, e nem sequer somos citados uma única vez.
>
> Peço desculpa se o que acabo de relatar não agrada a quem gosta de fechar os
> olhos à realidade, mas a minha longa experiência do assunto, permite-me
> falar com conhecimento de causa e devidamente documentada.
>
> Gostaria que reflectissem sobre o assunto, especialmente os jovens, que são
> o futuro do nosso país.
>
> Um abraço a todos.
> Dulce Rodrigues
> www.dulcerodrigues.info
>
>
> _______________________________________________
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> Archport@lserv.ci.uc.pt
> http://lserv.ci.uc.pt/mailman/listinfo/archport
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