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Ossadas leva-as o vento. Sinceramente, basta ir por esse país fora e constatar a devoção popular que nutre este nosso povo pela miriade de santinhas e outras reliquias veneráveis para ver a sede que todos temos àquilo que é do domínio do macabro e do grotesco. Quantas ossadas das nossas figuras históricas cairam na ignominia? As do Marquês de Pombal, espalhadas pela igreja que serviu da cavalariça às tropas napoleónicas, entre a palha e a bosta cavalar; as de Inês de Castro, a quem levaram o cabelo louro e um dedo real na mochila de um soldado inglês de Dorset, as de tantas outras, cujas pedras tumulares foram quebradas e saqueadas nas incontáveis guerras e guerrilhas de outrora? Quantas outras, mais ilustres - como as da familia do Provedor das Armadas da ilha Terceira, espalhadas e partidas em 1999 pelos trabalhadores das obras de beneficiação da Igreja, em Angra do Heroísmo - ou não tanto ilustres - como as centenas de ossadas da Igreja da N. Sra. do Carmo, empilhadas dentro de sacos de lixo pretos pela matulagem dos caboucos ou as que estavam à chuva e ao vento no exterior do castelo de Óbidos, na "escavação arqueológica" que lá ia decorrendo em 2004, não cairam na lama e na perda de conhecimento cientifico? O nosso mal, enquanto país, não é tanto a descura do património construído - é mais a alienação e o desconhecimento do nosso património no seu todo enquanto povo lapuz e boçal que somos e ainda seremos, infelizmente, por muitas outras gerações do porvir. On 1/30/06, Dulce Rodrigues <dulce@dulcerodrigues.info> wrote: > Sem querer deitar « mais achas na fogueira » nem « água na fervura », > gostaria de lembrar que qualquer povo que tem orgulho na sua pátria, tenta > preservar ao máximo o seu património histórico-cultural, seja esse > património uma casa onde nasceu, viveu ou morreu um (grande) escritor ; os > seus escritos, o que resta dos seus ossos, etc. Na Alemanha até a casas dos > pais de Beethoven foi conservada e transformada em museu. ! > > Mas, em Portugal, todos sabemos que a nossa preocupação é sobretudo > festejarmos os grandes « vultos » estrangeiros, temos um deslumbramento e um > fascínio por tudo o que não seja património nosso mas do vizinho. Este tema > dava « pano para mangas » como se costuma dizer. > > E contrariamente ao que muito boa gente julga, esta nossa vassalagem ao > estrangeiro, em detrimento do que é português, não é de hoje. Permito-me > fazer referência a dois episódios da nossa História que ilustram bem o que > digo. Esses foram porventura os primeiros de uma longa, mesmo exaustiva > lista. > Passou-se o primeiro em 1147, quando da conquista de Lisboa aos Mouros. > Entre os cavaleiros teutónicos que vieram ajudar Afonso Henriques, havia um > de nome Heinrich (Henrique) que morreu durante o cerco, tendo os seus ossos > sido levados e sepultados na igreja de São Vicente (onde ainda se > encontram), e uma lápide assinala o lugar e lembra o facto, para que não > seja esquecido. Curiosamente, nesse mesmo cerco, tomou igualmente parte um > nobre cavaleiro português, de seu nome Martim Moniz, que deve a sua fama a > ter ficado entalado na porta do castelo para permitir a entrada dos > cristãos. Claro que o seu nome ainda é recordado hoje nos vestígios que > restam dessa muralha, mas os seus ossos, esses, não mereceram por parte dos > Portugueses nenhuma sepultura, não se encontram em nenhum lugar de culto, > nunca houve rasto deles, e há até quem ponha em dúvida que Martim Moniz > tenha existido ! > > Relativamente ao segundo episódio, também ele se refere a uma figura > portuguesa, bem conhecida no mundo inteiro por Santo António de Pádua, mas > que nós temos muito orgulho em que nasceu eu Lisboa e era português !? Só > que praticamente ninguém fora das fronteiras deste rectângulo de terra a que > chamamos Portugal sabe que ele era de Lisboa, pois é conhecido por ser de > Pádua. Aqueles que já tiveram a oportunidade de ter ido ao Canadá, onde > existe uma grande comunidade italiana (e igualmente a nossa portuguesa, > claro) certamente que sabem por que podem passar se ousarem dizer aos > Italianos ou seus descendentes que o Santo António era português ! E quem já > foi a Pádua e visitou a igreja dedicada ao santo, quando a compara com a que > existe em Lisboa no sítio onde se supõe tenha existido a casa onde ele > nasceu... sem comentários ! Ou melhor, o comentário que desejo fazer é que > para compreendermos como isto se pôde passar, basta ler a Crónica da Ordem > dos Frades Menores, escrita após a morte do santo, que começa com as > seguintes palavras, cito « O muy glorioso padre Samto Antonio de Padua, hum > dos escolhidos companheiros (...) », fim de citação, sem mais comentários. > > Devemos espantar-nos por Portugal - e nós Portugueses - sermos esquecidos, > quando não somos até ignorados (o que não é exactamente a mesma coisa) pelos > outros povos ? Claro que não, quem não tem amor próprio, certamente não > inspira admiração aos outros. Por isso vemos emissões sobre História, > Arqueologia, para só falar destes temas, feitas sempre por estrangeiros e > falando sobre temas relativamente aos quais Portugal devia ser um país > referenciado, e nem sequer somos citados uma única vez. > > Peço desculpa se o que acabo de relatar não agrada a quem gosta de fechar os > olhos à realidade, mas a minha longa experiência do assunto, permite-me > falar com conhecimento de causa e devidamente documentada. > > Gostaria que reflectissem sobre o assunto, especialmente os jovens, que são > o futuro do nosso país. > > Um abraço a todos. > Dulce Rodrigues > www.dulcerodrigues.info > > > _______________________________________________ > Archport mailing list > Archport@lserv.ci.uc.pt > http://lserv.ci.uc.pt/mailman/listinfo/archport >
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