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[Archport] José María Blázquez

To :   archport <archport@ci.uc.pt>, José d'Encarnação <jde@fl.uc.pt>, remesal@ceipac.ub.edu
Subject :   [Archport] José María Blázquez
From :   CARLOS FABIÃO <cfabiao@campus.ul.pt>
Date :   Tue, 29 Mar 2016 12:30:50 +0100

Partiu José María Blázquez.


Dizer de Blázquez que é referência maior nos estudos da Antiguidade da Península Ibérica, autor de uma vastíssima e multifacetada obra, Mestre de muitos dos actuais Mestres da Academia espanhola é o que muitos (todos) dirão e enumerarão muito melhor do que eu. Queria somente deixar uma pequena nota pessoal de admiração e estima para alguém que acaba de partir.


Foi no final do ano de 1980, quando em Lisboa se realizou o III Colóquio de Línguas e Culturas Paleohispânicas, que pela primeira vez vi e ouvi um distinto Professor, que usava “papillon” (pajarita, como dizem os espanhóis), coisa absolutamente insólita naqueles tempos, e que falou sobre os seus trabalhos no Santuário de Cástulo. Para o jovem estudante que lera os dois volumes de bolso La Romanización, da colecção Ciclos y temas de la Historia de España, da Editora Istmo, era uma excitação e uma enorme curiosidade ver e ouvir José María Blázquez. Não era todos os dias que se via e ouvia alguém que tomávamos como referência, sobretudo se pensarmos como era o mundo para um jovem português daquela época (era Portugal um país pobre e periférico, de moeda fraca, que inibia viagens, havia fronteiras com guardas armados e necessidade de mostrar passaportes e outras inibidoras formalidades, não havia programas Erasmus, nem estímulos à mobilidade, a Europa era uma realidade distante e desejada que, para alguns, começava além dos Pirenéus, para outros, como eu, já dava uns ares, para além do Caia). Lembro-me de seguir com curiosidade as movimentações daquele senhor, pelos corredores da Fundação Gulbenkian, mas nem por sombras me ocorreria dirigir-lhe a palavra. Pertencia a outro mundo.


Já pelo final da minha formação, veio a compra e leitura da Historia Económica de la Hispania Romana, quando de um modo mais consistente se definiam os meus interesses (pois é, amigos, não havia Internet, as Bibliotecas eram fracas e as livrarias escassas em variedade, por isso a compra de um livro estrangeiro era sempre uma aventura e uma indescritível excitação quando chegava às nossas mãos, para além das dificuldades do preço). De novo Blázquez.


Mais tarde, já docente, vieram os volumes da Historia de la España Antigua, e Blázquez, sempre Blázquez, leituras que se faziam, bibliografias que se recomendavam aos alunos. Já leccionando num Mestrado, veio o volume colectivo, de 1996, La Romanización en Occidente, editado com Jaime Alvar, leitura recomendada aos alunos do mestrado, mas sempre Blázquez. Em suma, o nome Blázquez sempre me acompanhou nas minhas leituras e sempre pousou nas bibliografias que recomendava aos meus alunos.


Em 1995, tive o privilégio de participar em uma visita à Real Academia de la Historia e aos seus tesouros documentais, no âmbito do II Colóquio de Historiografía de la Arqueología. O inesquecível guia foi o Professor / Académico de “la pajarita”, que nos recebeu e iluminou com a sua vastíssima erudição, sempre com total disponibilidade para responder a quantas questões se lhe colocavam. Sorrindo, sempre sorrindo. Foi a partir de então que para mim Blázquez passou a ser o Homem do constante sorriso, de uma imensa afabilidade e com um toque quase infantil no brilho do olhar.


Mas foi somente em 1996 que verdadeiramente conheci Blázquez. Nesse ano, a Casa de Velázquez, a Universidad de Alcalá de Henares e o Ministerio da Agricultura, Pesca y Alimentación promoveram umas jornadas intituladas Los impactos exteriores sobre la agricultura y el mundo rural Mediterráneo. Lo largo de la historia. Por amabilidade de Jean-Gérard Gorges, fui incluído nos conferencistas convidados da Secção II (Las experiencias del pasado - las adpataciones del agro mediterráneo en la Antiguedad Clásica y en la expansión arábigo-berber). Pela primeira (e única) vez, falei num solene salão do Ministério da Agricultura, em Madrid. Esse evento foi um importante marco na minha vida académica, por diversas razões que não vem ao caso esmiuçar. Foi ali, no comedor da Casa de Velázquez, em frente a uma chávena de café (eu) e outra de chá (ele), na companhia de vários outros colegas e amigos, que pela primeira vez conversámos.


Desde logo me tocaram vários aspectos, que quero recordar: a imensa afabilidade, a distinta arte de contar histórias de todos os temas e assuntos e a vivacidade com que o fazia, o refinado sentido de humor e o eterno sorriso. Ali nasceu para mim José María Blázquez, saindo das páginas dos livros e ganhando consistência corpórea. À época interessava-me vivamente o projecto do Monte Testaccio que começava a ser divulgado e, em boa parte, por aí foram estas primeiras conversas. Estavam também o Pepe Remesal, com o Antonio Aguillera, e fiquei sabendo também que existia um outro projecto chamado CEIPAC.


Desde esse ano, os nossos encontros, normalmente, no âmbito de Congressos e Colóquios, um pouco por toda a parte, passaram a incluir sempre agradáveis convívios onde fui conhecendo o extraordinário Homem que, mesmo reformado, continuava a ter uma actividade incessante e a realizar as suas célebres viagens anuais, às sete partidas do mundo, que empreendia com olhos cheios de espanto e admiração e aquele eterno sorriso afável que faziam de Blázquez um verdadeiro cidadão do mundo, provavelmente, aquele a quem melhor cai este epíteto de entre as pessoas que até hoje conheci.


No ano de 2003, aquando de uma vinda a Lisboa, no âmbito das actividades da Union Académique Internationale, para além do habitual e sempre enriquecedor convívio, tivemos o privilégio de levar o autor de Religiones Primitivas de España ao Santuário de Endovélico e alegre e curioso, subiu Blázquez ao Serro de S. Miguel da Mota. Creio que haverá fotos dessa visita em que participou também Remesal, mas, como sempre acontece, se as há, não as tenho comigo.


Em 2009, durante o XI Colóquio Internacional de Arte Romano Provincial, em Mérida, passámos uns belos dias. Estávamos ambos no Parador e frequentemente descíamos e subíamos, desde (ou para) o dito, a caminho (ou de regresso) do Auditorio, além rio, onde decorriam os trabalhos e fiquei deveras impressionado com o vigor de Blázquez, sobretudo quando subíamos de regresso ao Parador, debaixo da tradicional canícula emeritense, que pouco abranda ao final da tarde (estávamos então num quente final de Maio). Percebi então como era natural que continuasse a viajar quem tinha ainda tão admirável força e energia, quem tão bem conservava a mente e o físico.


Nos últimos anos os encontros foram muito mais esparsos. Mas, quando estava com Remesal, saía naturalmente a pergunta: “E Blázquez, como está?” a que se seguia sempre o relato de alguma das últimas aventuras do Mestre. No final de Janeiro deste ano, a última vez que perguntei, a resposta não foi a habitual. Estava fatigado, abatido, passagem pelo hospital… Ambos sabíamos (e sabemos) que 90 anos são 90 anos…


Agora Blázquez partiu.


Gosto de pensar assim.


Todos dirão (e bem) que um autor de tão extensa e variada obra não desaparece nunca. Permanecerá vivo nos discursos científicos de todos, nas bibliotecas, nas páginas físicas e virtuais; será constantemente convocado, para louvar uma qualquer das suas pioneiras observações ou para refutar, com maior ou menor veemência, as suas teses e ideias e assim permanecerá vivo. Faltará, por certo, aos Familiares e aos mais próximos Amigos.

Mas para mim, Blázquez partiu, uma vez mais, como sempre, para mais uma dessas viagens a territórios ignotos, com o inimitável brilho do seu sorriso e os olhos cheios de espanto e curiosidade para tudo aquilo que ainda não conhece. Boa viagem, Mestre!

 

Para a vida e obra de José Maria Blázquez:

http://www.ua.es/personal/juan.abascal/blazquez_martinez.html

https://es.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Mar%C3%ADa_Bl%C3%A1zquez_Mart%C3%ADnez

De entre as notícias necrológicas, escolha esta por ter a melhor fotografia a que melhor mostra o JMB que conheci.

http://www.larazon.es/cultura/muere-jose-maria-blazquez-referente-de-la-historia-antigua-FG12279297#.Ttt12ltbxIaf7LY


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