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[Archport] Finalmente, a extinção do IPA

To :   <archport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] Finalmente, a extinção do IPA
From :   Jacinta Bugalhão <jacinta@ipa.min-cultura.pt>
Date :   Sun, 1 Apr 2007 18:39:41 +0100

Quase cinco anos após o seu anúncio, foi extinto hoje o Instituto Português de Arqueologia. Logo em 2002, eu (e uma parte considerável dos arqueólogos do IPA) considerei esta medida como um erro, de consequências necessariamente nefastas para a Arqueologia portuguesa. Por isso, hoje, considero um imperativo de consciência divulgar junto dos meus colegas a minha opinião sobre a reestruturação em curso. Ao longo destes anos, muitos argumentos contra a extinção foram sustentados, quer relativamente aos benefícios de uma gestão autónoma só por si, quer relativamente ao avanço que o modelo institucional e funcional proposto e desenvolvido pelo IPA tinha trazido para a realidade arqueológica nacional. De uma maneira ou de outra, os argumentos não colherem efeito positivo e, com a implementação do PRACE (Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado), lá foi decretada a fusão entre o IPA, o IPPAR e a DGEMN.

No que à Arqueologia diz respeito, o processo de reorganização orgânica começou muito, muito mal, com a publicação da Lei Orgânica do Ministério da Cultura (Outubro de 2006). Num ápice, a gestão arqueológica  desapareceu das atribuições e competências da Tutela, do próprio organismo resultante da fusão - o IGESPAR – e também das Direcções Regionais da Cultura. Apenas o património classificado merecia referência. Terá sido um lapso, mas, bolas, os lapsos caem sempre para o mesmo lado! E também não deixa de ser estranho que após tantos protestos, críticas, moções, cartas abertas, etc, sobre os problemas da Arqueologia num contexto de fusão orgânica, não tenha havido o cuidado de colocar uma única alínea sobre a gestão arqueológica, que é uma função do Estado, consagrada na Lei de Bases do Património Cultural!

Por fim, saem as leis orgânicas do IGESPAR e das DRC’s seguidas das portarias regulamentares. Do meu ponto de vista, e analisando apenas a letra da lei (porque relativamente à sua aplicação, logo se verá), podem tirar-se algumas conclusões. Em primeiro lugar regista-se como ponto positivo que este Governo optou por um modelo de gestão do Património muito claro: acabou-se (finalmente) a bicefalia do património classificado (património cultural/obras públicas), fixou-se na Cultura a tutela do Património Cultural, escolheu-se um modelo de gestão com dois níveis distintos (o central - normativo e regulador - e o regional, executivo e interventor). Outro aspecto positivo é revelado pela orgânica do IGESPAR que manifesta tendencialmente a opção por uma gestão orgânica integrada, sem separação “disciplinar” (património arquitectónico, arqueologia, história de arte, etc). Verifica-se também algum cuidado em garantir equidade e paridade orgânica entre as diferentes áreas funcionais. Pela primeira vez, a Arqueologia alcança, ao nível da estrutura orgânica, um presença equilibrada em relação ao organismo na sua globalidade.

Também registo alguns pontos claramente negativos. Apesar do esforço que se denota, ainda, na letra da lei, se verifica com alguma frequência um enfoque excessivo relativamente ao património classificado (esquecendo-se o património arqueológico não classificado). Infelizmente, e de forma até um pouco incompreensível num processo tão demorado e de alguma forma tão escrutinado, verificam-se frequentes sobreposições de competências (eliminar estas sobreposições era um dos objectivos do PRACE). Por exemplo no que respeita à importante actividade de salvaguarda de monumentos classificados e respectivas áreas de protecção, verifica-se que é competência do IGESPAR e das DRC’s em articulação. A emissão de pareceres em processos de AIA é competências de diversas unidades orgânicas do IGESPAR e também das DRC’s, em articulação. O inventário do património é função (se não estou em erro) de todas as unidade orgânicas do IGESPAR e também das DRC’S, em articulação, apesar de existir um departamento e um divisão com essa função específica que também terá que se articular com inventários aparentemente externos a estes organismos (!?). Parece-me articulação a mais, principalmente quando não é perceptível a presença de instrumentos de gestão orgânica transversal! Eventualmente, funcionarão a nível do gabinete ministerial, já que estes organismos despacham directamente com a tutela, e não entre si.

No que se refere à área orgânica da Arqueologia, em grande parte herdeira das competências e funções do IPA, verifica-se uma formulação bastante alargada de tarefas específicas da gestão arqueológica, colmatando a lacuna gritante da Lei Orgânica do MC. Outra característica claramente positiva deste modelo é a manutenção das Extensões Regionais de Arqueologia (cuja presença se intui) funcionando em articulação com o acompanhamento dos processos de Avaliação de Impacte Ambiental (vertente arqueológica), numa única Divisão (DAPA). Uma melhor coordenação entre estes importantes níveis de intervenção (ET’s e AIA’s) era uma necessidade já sentida no IPA e que poderá desta forma ter desenvolvimentos positivos.

Outra grande preocupação da comunidade arqueológica foi aplacada com estas leis: está garantida a continuidade e autonomia da Biblioteca de Arqueologia do IPA (o mais importante fundo bibliográfico da arqueologia nacional) em parte legada pelo Instituto Arqueológico Alemão.

Em contraponto, não é nada claro o futuro da Arquivo Histórico da Arqueologia Portuguesa (em permanente construção) e menos ainda se poderá dizer da minha antiga aspiração de o ver transformado num arquivo público, verdadeiro centro de documentação e informação aberto a todos arqueólogos.

Outro aspecto que me parece de relevar é, em continuidade aliás com o que se passava no IPA, um destaque muito forte à Arqueologia Preventiva, que neste momento constitui seguramente mais de 90% da arqueologia praticada em Portugal (para o bem e para o mal...). O que é estranho é que este destaque não é acompanhado de uma referência clara e inequívoca à existência, especificidade e autonomia técnica da Carta Arqueológica de Portugal, materializada no sistema Endovélico. Aliás, é notável a ausência de qualquer referência ao Endovélico, nas atribuições do Departamento de Inventário, Estudos e Divulgação do IGESPAR, apesar de serem referidos explicitamente o “inventário geral do património cultural”, o “sistema de informação para o património” e o “sistema de informação relativo às bases de dados georeferenciadas do património cultural arquitectónico e arqueológico”, figuras que certamente merecerão alguma clarificação futura. Este aspecto é muitíssimo preocupante, pois não creio ser aceitável desperdiçar o investimento de décadas de arqueólogos que tem colaborado na construção deste Endovélico que começa agora a aproximar-se da forma desejada. Também não será aceitável que Portugal seja o único país civilizado a não possuir um sistema de informação arqueológica georeferenciado, autónomo e específico, independentemente da inter-operacionalidade que se possa estabelecer com outros sistemas de informação de património.

Também da área específica da Arqueologia, como na salvaguarda, se verificam sérias sobreposições de competências entre o IGESPAR e as DRC’s. Depois de tanta crítica aos conflitos entre o IPPAR e o IPA, temos aqui campo fértil para longos e picantes processos problemáticos. Portanto, ou as pessoas mudam todas muito, ou a Lei é corrigida, ou a situação vai piorar...

Eventualmente, o ponto mais negativo neste enquadramento legal, no que à arqueologia diz respeito, seja o enquadramento destinado ao CIPA. Sinceramente, não me parece que juntar numa Divisão “culturas” de trabalho tão distintas como as de um centro de investigação de ponta e  de craveira mundial e as de um centro mais vocacionado para a divulgação e sensibilização patrimonial, seja uma boa ideia. Temo muito sinceramente pelo futuro do CIPA tal como todos o sonhámos. Tenho esperança que no contexto do IGESPAR e fora dele possam continuar a ser exploradas novas e melhores soluções. E sobre as colecções de referência, nem uma palavra... Sobre a colaboração em projectos de investigação arqueológica nacionais  (PNTA) ou internacionais, também nada se diz...

Tratamento idêntico teve a linha editorial do IPA. Todos esperamos que a Revista Portuguesa de Arqueologia e ao série monográfica Trabalhos de Arqueologia, não sejam já vestígios do passado. Todos os arqueólogos em Portugal sabem como estas edições são imprescindíveis e como, nestes últimos anos, elas mudaram o panorama editorial da arqueologia nacional. Assim, espera-se que a omissão, não signifique extinção.

Como esta contribuição já vai longa vou ficar por aqui, embora não se tenham esgotado todas as minhas interrogações e preocupações. Quando a história da arqueologia se debruçar sobre 10 anos passados, os anos do IPA, terá seguramente que distinguir 5 anos de construção e 5 anos de degradação (só não foi pior porque o projecto era forte!). Como em todas as generalizações poderá haver aqui uma pitada de injustiça, mas não muita. Perdoem o desabafo, mas nestes últimos tempos tenho-me sentido um pouco como a “Teresa Baptista”, cansada de guerra. É por isso tempo de passar construção e eu como arqueóloga-funcionária pública que sou por vocação e que me orgulho de ser, cá estarei com todos vós para participar neste processo. Olho o futuro com esperança, em primeiro lugar, por feitio e em segundo lugar, por depositar confiança no futuro responsável da arqueologia nacional. Não lhe atribuo qualquer responsabilidade nos pontos negativos que encontrei nesta minha análise. A ele e à sua tenacidade se devem seguramente todos os pontos positivos. A quem teve a paciência para chegar ao fim deste longo texto, muito obrigada.

 

Jacinta Bugalhão

1 de Abril de 2007


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