O meu estimável colega Vítor Oliveira Jorge colocou um interessante texto
sobre seteiras na ArchPort. Levaríamos dias a discuti-lo, densas como são quase
sempre as suas propostas, abertas a análises profundas e justificando por vezes
resposta rápida. Tenho evitado fazê-lo, esperando por outros contextos, no caso
de eles alguma vez se verificarem, mas não resisto a recordar um pequeno
detalhe: o mal de quem muito lê é esquecer sempre qualquer coisa, o que,
aliás, é por vezes um mal menor...
Recordo-lhe ainda assim, apenas a propósito das seteiras do Zambujal (e,
por extensão, de Los Millares), uma passagem de uma modesta monografia,
datada de 1989 e chamada «Megalitismo e Metalurgia no Alto Algarve Oriental», de
um certo Victor S. Gonçalves:
«A propósito do Zambujal, as posições nascem evidentemente de outras
anteriores e é significativo da preocupação dominante em Sangmeister e Schubart
que os primeiros volumes da excelente monografia sobre o sítio comecem
exactamente pelas fortificações, admiravelmente registadas, mas interpretadas de
forma que não deixa de ser polémica (o que está longe de ser
incompreensível).
Particularmente ilustrativo do que digo é a leitura fornecida para as
«seteiras» da barbacã, essa impressionante estrutura cuja finalidade não me
parece ainda esclarecida. Como compreender, com efeito, os ângulos mortos
patenteados (Sangmeister e Schubart, 1981: 34 e 35)? Atribuir a uma não
funcionalidade das «seteiras» o abandono de tão dispendiosa construção
(dispendiosa em pedra e mão de obra) parece, a uma segunda análise, um
verdadeiro non sense: mais «fácil»
seria abrir novas aberturas, mais adequadas ao tiro dos arqueiros e corrigir os
erros de construção. Por outro lado, a literatura da especialidade é omissa sobre «seteiras» praticamente ao nível do solo. A abundante bibliografia sobre as fortificações militares de todas as épocas regista e descreve seteiras a meia altura ou em topo de muro recortado. Qualquer arqueiro moderno conhece as necessidades de ângulo livre para um tiro eficaz e o próprio acesso dos atiradores a um espaço relativamente amplo, mas fechado, contradiz as normas de construção militar para períodos anteriores ao uso da pólvora. Até mesmo um besteiro, que devido à orientação horizontal do eixo da besta dispararia razoavelmente do interior da barbacã (uma vez contabilizada a eficácia da protecção contra o tiro do inimigo e a disposição horizontal da sua arma), sentiria dificuldades em cobrir a área. Quanto a um arqueiro convencional, só usando um arco curto teria algumas possibilidades.». (página 429
)
VICTOR
S. GONÇALVES
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