[Archport] muralha de Cacela ( notícia do Expresso on-line )
Title: muralha de Cacela (notícia do Expresso
on-line)
Representante da
proprietária confirmou
Muralha islâmica será afectada para viabilizar moradia em
Cacela
António Henriques
Director do Instituto de Arqueologia teve papel central no
licenciamento da única moradia com três pisos na zona classificada
de Cacela, depois de descobertos importantes vestígios da época
islâmica.
Jornal do Algarve
A pacata aldeia de Cacela Velha poderá perder uma importante parte
do seu património histórico, que remonta à ocupação
árabe
13:29 | sábado, 16 JUN 07
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Uma declaração para que a proprietária de um terreno no núcleo
histórico de Cacela Velha, no Algarve, mantivesse o licenciamento de
uma moradia, foi enviada, em Março, pelo director do Instituto
Português de Arqueologia (IPA), Fernando Real, para o escritório
de advogados que representa a proprietária neste processo. Por sua
vez, o escritório remeteu-o directamente para a secção de obras
da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António.
«Para efeitos de licenciamento da obra particular, se declara que os
trabalhos arqueológicos se encontram suspensos (?) até à
reformulação do projecto de forma compatível com a salvaguarda
do património arqueológico ali encontrado», pode ler-se neste
documento.
Na prática, o documento contribuiu decisivamente para viabilizar a
pretensão de construir uma moradia que afecta parte da monumental
muralha islâmica de Cacela, com três metros de espessura, 1,80
metros de altura e cerca de nove de comprimento, descoberta naquele
terreno. Isto depois de o IPA ter escrito que «a muralha não deve
ser destruída quer total quer parcialmente».
Muralha afectada
Fernando Real emitiu o documento quando os trabalhos
arqueológicos não estavam concluídos e 15 dias antes da
publicação da extinção do IPA, substituído nas suas
funções pelo actual Instituto de Gestão do Património
Arquitectónico e Arqueológico (Igespar). Em resposta a questões do
Expresso, Fernando Real argumentou que «terão de ser
obrigatoriamente resolvidas pelo Igespar. Já não estou em
funções na direcção do IPA». Afirmando ter tido pouco tempo para
pensar, prometeu esclarecimentos para mais tarde.
O Igespar ainda se encontra a analisar este processo, depois de ter
sido alertado para o início das obras. Mas a muralha islâmica será
afectada para permitir a construção daquela que será a única
moradia com três pisos no núcleo histórico de Cacela Velha,
classificado como Imóvel de Interesse Público desde 1996 e
integrado na área de paisagem protegida do Parque Natural da Ria
Formosa - a confirmar-se a informação do representante legal da
proprietária.
O advogado Afonso Ribeiro Café disse ao Expresso que o projecto de
arquitectura «sofreu uma adaptação que preserva in situ, com a
estrutura e dimensão actuais, uma extensão de 7,40 metros do
troço de muralha (?); apenas 1,60 metros serão ligeiramente
rebaixados, após preservação por registo».
Volumetria posta em causa
Afonso Ribeiro Café sustenta que «esta solução garante a
preservação integral da muralha» mas acrescenta que «a sua
correcta integração no projecto de arquitectura implicará sempre
uma afectação da muralha dada a exiguidade do terreno». O
advogado diz que a sua cliente foi, «em toda a face norte da aldeia
de Cacela Velha, a única proprietária que revelou preocupações
com a preservação do património existente» e que «realizou
todas as alterações ao projecto para garantir que tal
preservação se fizesse da melhor forma».
A volumetria da moradia e a sua afectação sobre a muralha
islâmica foi colocada em causa ao longo do processo, iniciado em 2003.
IPA e Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar) -
cujas funções foram também absorvidas pelo Igespar -
consideraram, várias vezes, que a muralha devia ser salvaguardada na
íntegra.
O Ippar escreveu que «a muralha é o elemento arquitectónico de
carácter monumental agregador do núcleo histórico de Cacela
Velha e a sua destruição coloca em risco a sobrevivência do
conjunto classificado», acrescentando que a amputação da muralha
«cria antecedentes graves na análise futura de projectos de
construção ou alteração». Segundo aquele instituto, existem
no interior do recinto fortificado projectos «expectantes para
construção/alteração».
Contradições?
O Ippar considerou que qualquer construção deveria ser feita
apenas no interior da cerca, o que não deve acontecer com a moradia
projectada. A proprietária fundamenta-se em «todos os despachos
das entidades da tutela», diz o advogado Afonso Ribeiro Café.
Houve a aprovação vinculativa da presidência do Ippar - que
ignorou a informação dos seus técnicos de apenas viabilizar dois
pisos - e previa a possibilidade de alterações em função dos
«trabalhos arqueológicos». Também o IPA fez uma
aprovação condicionada a sondagens no terreno.
O projecto de arquitectura foi licenciado pela Câmara Municipal de
Vila Real Santo António quando apenas uma das duas campanhas de
escavações arqueológicas, previstas desde o início, tinha sido
realizada. E permite «volumetrias mais elevadas do que as existentes
na aldeia», segundo uma informação da própria câmara. O
Expresso quis obter um esclarecimento junto da autarquia, mas não
obteve resposta.
? e mais contradições
Na sequência daquela primeira campanha, em finais de 2004, que
pôs a descoberto a muralha islâmica, a proprietária apresentou
um aditamento ao projecto de arquitectura. O Ippar viria a constatar
que, «confrontando o levantamento arqueológico com o projecto de
arquitectura apresentado, verifica-se que a implantação da muralha
não coincide nestes dois documentos». Assim, concluía, «as
estruturas arqueológicas serão integralmente arrasadas».
Foi então que o director do IPA, Fernando Real, veio dizer que «a
localização das estruturas arqueológicas está bem posicionada
face ao projecto de arquitectura», uma versão agora desmentida
pelo próprio representante da proprietária.
Afonso Ribeiro Café explica que «por lapso, a figura da muralha
foi colocada no projecto ao contrário, formando um 'efeito
espelho', o que realmente originou que o seu alinhamento não fosse
o correcto. Esta situação foi corrigida logo no momento». Até
meados de Maio, contudo, o Ippar considerava que «ainda não foi
apresentado o projecto de alteração que inclua a preservação
da muralha».
A deputada do PS eleita pelo círculo de Faro, Jovita Ladeira, fez um
pedido de esclarecimentos, com carácter de urgência, à
Assembleia da República, na sequência de uma anterior notícia do
Expresso sobre este assunto.