[Archport] Ainda os "arrepios"...e um pouco mais

[Carlos Filipe dos Santos Delgado <cdelgado.templo@netc.pt>]

Caros archportianos:

No mail de Alexandre Monteiro, o seu autor escreve que «(...) no caso aqui em apreço na Arqueologia, na carência das mais elementares noções relativas às ciências exactas, surgindo amiúde em comunicações e publicações as maiores barbaridades no domínio da estatística ou da geografia.» Palavras sábias, e que muito vão ao encontro ao que sempre defendi.

Perdoem-me os mais "ortodoxos", mas a Arqueologia como genericamente é concebida na actualidade (e sublinho o «genericamente», pois algumas excepções confirmam sempre a regra) não passa de um extenso rol de fichas de ceramologia (passo o vulgarismo: "cacologia"), que é fruto, precisamente, de algo a que aludi num mail que recentemente escrevi, ou seja: o pouco conhecimento produzido e pouca divulgação, face à imensa informação recolhida.

A título de exemplo: com tanta intervenção arqueológica realizada na cidade do Porto, sobretudo desde os anos 90 (e volto a frisar: maioritariamente paga por cidadãos e empresas de todo o género, que ainda vão arriscando, por enquanto, fazer algo numa cidade cada vez menos atractiva para investimentos e, claro está, para repovoamento), qual ou quais são as monografias produzidas pelos serviços competentes que fazem uma súmula dos resultados obtidos, a uma escala mais ampla? Do género: "O Porto na época moderna: novas interpretações à luz das intervenções arqueológicas das décadas de 1990 e 2000", por exemplo? Uma obra de divulgação, com qualidade reconhecida, mas com uma linguagem acessível ao grande público (sim, o mesmo que nos paga as escavações...), ao jeito das obras editadas pelos Correios de Portugal!
(Nota de rodapé: caro André Nascimento: quantas pessoas conheces, incluindo arqueólogos, mas, sobretudo, pessoas "normais", que tenham ido consultar os tais relatórios "abertos a consulta pública", para conhecer a história da sua cidade?)

Ou será que, no caso da História do Porto, ainda vamos ter de andar "às cavalitas" de autores como Helder Pacheco ou Germano Silva, por muito respeito que eles e as suas obras mereçam? Será que os Arqueólogos que se debruçam (literalmente) sobre o Porto não têm uma palavra a dizer sobre a história da sua terra (para além do simples panfleto denominado Portus)?

Isto foi um mero parêntesis, em jeito de desabafo... Voltemos, pois, à "ceramologia". Ela é útil à actividade arqueológica, não o nego. Mas é isso a Arqueologia? Não estaremos a ser, então, parecidos com os "Indiana Jones" de antigamente, só que numa versão mais modesta? É que, como diria Abel Salazar, "O médico que só sabe de medicina, nem de medicina sabe"! É por essas e por outras que, em tantas regiões deste nosso Portugal, a generalidade das pessoas (e mesmo das instituições públicas) ainda continua a dar mais crédito aos "curiosos da História ou Arqueologia" do que aos profissionais é especialistas da área, com os seus discursos secos, demasiado técnicos e enfadonhos. Essas populações preferem, pois, ir ao "endireita" em vez de ir ao "ortopedista"...

Não se perdendo o desejado rigor científico da História e da Arqueologia (antes pelo contrário, reforçando-as com o auxílio das demais ciências), acho que se devia dar um certo "colorido" às nossas produções e realizações, de modo a cativar a atenção e compreensão dos cidadãos. Acreditem que eles ainda não sabem o que fazemos, passado este tempo todo! Isso é grave, e é culpa nossa!

Perdoem-me, pois, os estimados leitores deste texto algo melodramático, mas que julgo ser oportuno motivador de reflexão.

 

Saudações arqueológicas e geográficas

Carlos Delgado

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