É com agrado que vejo as reacções à declaração de intenções
da Câmara Municipal de Tavira (CMT), de proceder a prospecção geofísica na zona
da antiga cidade romana de Balsa. A CMT afirma que o fará com o intuito de contribuir para o
aumento do conhecimento sobre a cidade, o que é um objectivo muito louvável ,
que conta sem dúvida com o total apoio da comunidade científica e do público
civilizado. Quero querer que o título "desmistificar a cidade de
Balsa" se trata de um lapso. Penso que o relator deve ter querido dizer
"desmitificar" e que o infeliz erro alterou significativamente o
sentido. De facto, desmistificar através de prospecções poderá ser entendido
como a intenção prévia de pôr fim aos erros e enganos sobre a alegada (como
agora de diz...) existência de ruínas no local! Vem isto a propósito de se comemorar no próximo ano (2008) o
30º aniversário do início das destruição
radical das ruínas enterradas pelos
proprietários da Quinta da Torre d'Aires, iniciada em 1978. Teve episódios mais
selvagens em 1980 e 1996 e continua esporadicamente ainda hoje, embora o
essencial já tenha sido eliminado. Dos cerca de 42 ha da quinta foram subsolados talvez mais de
30, deixando apenas escarpas e bosque, zonas marginais, logradouros, caminhos e
a área urbana. Embora subsista aparentemente intacta a zona do casario (da
maior importância arqueológica) e de haver esperança que o fundo do porto
interior possa estar intacto sob nível de destruição, de resto já não
sobreviverá muito. Existe um erro anormalmente arreigado sobre a identificação
exclusiva entre Balsa e a Quinta da Torre d'Aires, que tem sido perpetuado por
publicações sobre materiais da cidade. Não se trata de um mero detalhe mas de um erro grave, pois
fundamentou a exclusão das zonas do Rato, Arroio e da maior parte das Antas do
perímetro classificado de Balsa, apesar da sua conhecida ocupação arqueológica
(já para não falar das Pedras d'El-Rei, onde ainda recentemente foi descoberta
mais uma fábrica de salgas, a 3ª registada no local). É sobretudo nestas zonas, quintas parceladas há 30 anos ou
mais, que se verifica um escandaloso crescimento urbanístico em plena zona
arqueológica, associado a fascinantes histórias "off-the-record"
sobre achados e destruições. De facto, as moradias, piscinas e a jardinagem paisagística
têm sido os principais factores da destruição recente e continuada dos
vestígios de Balsa. Essa destruição permanece com grande vigor na actualidade
(2007) devido às pressões imobiliárias. Uma análise elementar sobre os prédios urbanos definidos no
cadastro elaborado na década de 1980, contrapostos às casas efectivamente construídas,
assim como a evolução do crescimento das áreas implantadas, constitui um
exercício revelador da metástase imobiliária em acção. Tratam-se, naturalmente,
de obras e construções legais e devidamente licenciadas e haverá certamente
substanciadas razões para a CMT assim proceder! Na maioria desta área não há indícios, porém, de destruições
tão profundas como na Torre d'Aires, permanecendo uma zona de eleição para
prospecções não invasivas. Devo sublinhar também a importância da zona da ria limítrofe
à antiga cidade, já referida neste fórum por Alexandre Monteiro. Como se sabe, as dragagens no canal norte, junto à margem,
revelaram por duas vezes materiais de construção de muros, não muito longe do
local onde, também no canal, foram descobertos vestígios de estruturas e as
célebres lápides referentes ao circo de Balsa. Conhece-se em termos gerais o
processo de evolução do sistema dunar e das ilhas-barreira, mas aqui a
prospecção geofísica é uma técnica insubstituível para tentar reconstituir a barra,
o canal e a ilha-barreira antigas e tentar localizar as estruturas que, sem
dúvida, existiram nesta última e sob as dunas da margem. Isso para além do
bónus de eventuais descobertas do âmbito da arqueologia naval. Sou da opinião, portanto, como estudioso dedicado de Balsa
desde 1999, que a CMT, para cumprir o seu objectivo declarado de contribuir
para o conhecimento de desaparecida cidade, deve desenvolver um criterioso
plano científico de prospecções, baseado no conhecimento fino do terreno
arqueológico e que articule as perspectivas de retorno de conhecimento com as
disponibilidades financeiras existentes. Limitar a intervenção a uma prospecção cega e sistemática do
terreno da Quinta da Torre d'Aires não tem fundamentação científica e pode,
pelo contrário, ser interpretado de duas maneiras perversas: ·
Como um bodo aos proprietários da Quinta da
Torre d'Aires, que após estarem 30 anos a destruir uma parte enorme da cidade
romana, vêm recompensados os seus esforços com um relatório oficial que vai
revelar não existirem ruínas (ou quase), podendo assim accionar o pedido de
desclassificação de um terreno de c. 42 ha numa situação única no Algarve, com
um valor imobiliário incalculável e para o qual há muito que correm rumores
sobre interesses milionários. Neste cenário, um canteirinho de ruínas romanas
providencialmente descobertas daria imenso sainete ao “Balsa
resort”! Neste contexto é significativo
referir que os proprietários, aquando do processo de classificação arqueológica
realizada pelo IPPAR, salvo erro em 2005/6, protestaram contra a classificação
por não haver provas da localização de Balsa ou existiram ruínas significativas
no terreno! ·
A exclusão das Antas, Arroio e demais zonas
limítrofes pode também ser interpretada como uma manobra de
ocultação/desvalorização da sua importância arqueológica, tendo com objectivo o
livre prosseguimento da actual política de urbanizações e consequente
destruições. Perante estes dilemas estou seguro que Tavira, através da
Câmara Municipal, saberá tomar a melhor decisão para honrar o seu compromisso
histórico perpétuo com a memória de Balsa e dos malogrados balsenses. Luís Fraga da Silva Campo Arqueológico de Tavira http://imprompto.blogspot.com Sobre a cartografia das destruições agrícolas e urbanísticas
até 2004, ver: www.arkeotavira.com/balsa/destr-balsa.pdf |
Mensagem anterior por data: [Archport] I Jornadas de Arqueologia e História | Próxima mensagem por data: [Archport] Ciclo de conferências AS LUZES DA GRÉCIA |
Mensagem anterior por assunto: Re: [Archport] Finalmente, a extinção do IPA | Próxima mensagem por assunto: [Archport] Finalmente o MNA sem Luís Raposo |