Re: [Archport] Arqueologia de emergência
Boa noite
Acho que esta a ser muito optimista.
Vamos a imaginar que um arqueólogo aceita mesmo ser explorado a receber 1000
euros ao mês por dirigir um acompanhamento arqueológico. O arqueólogo recebe
esse valor e tem de por o seu trabalho, carro, combustível e pagar o
alojamento. Naturalmente, para ser bem explorado, a lavagem e marcação dos
materiais arqueológicos, os contentores, sacos plásticos, tinteiros, capas etc.
correm também pela sua conta. No melhor dos casos no acompanhamento faz apenas
fotografia digital, mas tem de pagar as cópias em papel para entregar ao
IGESPAR. Evidentemente, trabalha 11 horas ou mais e só recebe 8. E, para alem,
de acordo com a legislação em vigor, o pedido de autorização dos trabalhos
arqueológicos esta ao seu nome, pelo que é também responsável final dos
trabalhos perante o Ministério de Cultura.
Agora as contas: 1000 euros
150 euros mínimo de Segurança Social
200 euros (20%) de retenção na fonte.
150 euros se tem a sorte de encontrar um quarto jeitoso, caso contrario e se
estiver ele sozinho a fazer o trabalho, mínimo uns 300 para pagar uma casa.
Alimentação. Se estiver num quarto provavelmente não poderá ter muita liberdade
para cozinhar pelo que gastará mais em restaurantes. Se estiver numa casa
gastará menos em comida mas pagara mais de alojamento.
No melhor dos casos imaginemos que só faz o almoço no restaurante. 22 dias
úteis de trabalho e uns 5 ou 6 euros por refeição (no melhor dos casos) darão
entre 110 e 132 euros. O arqueólogo, claro está, tem a má costume de fazer o
pequeno-almoço e jantar. Até, as vezes, é mesmo sibarita é mata a sede com uma
cerveja ou com uma água mineral. E, pecado mortal, também come ao fim-de-
semana. Assim que vamos a considerar uns 350 euros, mínimo, para alimentação.
Mais não, não vai ser que o nosso amigo engorde.
Como trabalha numa obra com fiscalização o arqueólogo tem um seguro de
acidentes de trabalho e se é prudente até tem um seguro de responsabilidade
civil.
Gasóleo 50 euros? Talvez noutro pais. O nosso arqueólogo tem o acompanhamento
de uma estrada com vários km ou de uma barragem e tem de se deslocar
continuamente de um lado para outro. Assim que vamos a considerar uns 300 euros
incluindo desgaste do carro e isso se tiver a sorte de não ter um furo, romper
o cárter ou quaisquer desgraça semelhante.
É tudo? Talvez, ou talvez não. Porque o nosso arqueólogo talvez não viva em
casa dos pais e tenha que pagar uma renda, luz, agua, telefone, telemóvel. O
talvez viva com eles, mas tenha que ajudar porque o ordenado familiar não dá
para muito mais. E isso contando com que não tenha filhos ou, atrevido entre os
atrevidos, os queira ter. E sem contar com despesas imprevistas de médicos, etc.
Assim que resumindo, o nosso amigo no melhor dos casos aceita o trabalho e paga
por trabalhar. Porque? Não sei, não me perguntem. Para mim é um mistério.
Evidente que o que esta a acontecer é fruto de muitas coisas. As universidades
são uma maquina de produzir arqueólogos, com ou sem grande formação, que
trabalham um ou dois anos em condições miseráveis. Quando passa um ano e os
arqueólogos têm de começar a pagar segurança social e a fazer retenção, ou
quando decidem ter uma casa ou até formar uma família, deixam a arqueologia e
deixam, assim, o seu lugar a futuros explorados. Ou, até, em alguns casos,
abrem empresas de arqueologia e se dedicam eles próprios também a explorar a
outros caloiros.
É certo é que nem todos os arqueólogos aceitam ser explorados, nem todas as
empresas são exploradoras. Há arqueólogos e assistentes que preferem ter menos
trabalhos e ganhar o dinheiro que merecem pelo seu trabalho e há empresas de
arqueologia que pagam ordenados que, se não são os ideais, são quando menos
dignos, e pagam o alojamento e o combustível e as despesas e os relatórios e,
claro está é por isso que perdem a maior parte dos concursos e dos trabalhos.
É, teimosos que são, uns e outros continuam com dificuldades e problemas a
fazer as coisas tal e como acham que devem ser feitas até que a realidade se
imponha e tenham que fechar as portas.
Não são as empresas as que podem alterar este mercado. São os arqueólogos e os
assistentes os que têm que decidir que mercado querem. O mercado não se regula
sozinho e assim for não será, lamentavelmente, para melhor. O dia em que todos
os arqueólogos e assistentes decidam não trabalhar por misérias será um grande
dia para a profissão. E acreditem, será um dia celebrado por muitas empresas
como uma vitória pessoal.
Será isto possível? Serão a sociedade portuguesa e os arqueólogos
suficientemente combativos e unidos para exigir os seus direitos? Gostaria que
fosse assim, más, lamentavelmente, duvido.
O caminho a seguir está nas mãos dos arqueólogos e dos assistentes de campo,
nas mãos daqueles que estão no terreno e ganham a vida dedicando horas e horas
a frente das máquinas ou dentro das sondagens. De nada servem as queixas quando
nada se faz. Os arqueólogos e assistentes de Portugal terão o mercado que
mereçam de acordo com as decisões que queiram tomar cada dia na sua experiência
profissional.
Espero estar enganado na minha apreciação sobre a capacidade de reagir dos
profissionais da arqueologia deste pais, mas esta é, sinceramente, a minha
pessimista opinião.
Sem mais, não sem antes pedir desculpas pelos erros do meu português,
cumprimentos de José Jorge Argüello Menéndez.
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