[Archport] os carapinhas do Sado
Title: os carapinhas do Sado
Alguém
poderá elucidar-me sobre os fundamentos científicos desta teoria?
Apenas tenho lido relatos jornalísticos e visto reportagens
televisivas.
Antecipadamente grata,
Graça
Cravinho
Sobrevivência das populações cónias na actual população
portuguesa
17 06 2006
Não é possível que a etnia que durante séculos habitou todo o
sul do território português tenha desaparecido sem deixar na
genética da actual população portuguesa qualquer vestígio. A
inferior densidade demográfica que sempre caracterizou os
territórios a sul do Tejo é um testemunho bastante elucidativo da
inexistência de grandes invasões, com massas demográficas
esmagadoras que tenham massacrado ou absorvido completamente as
populações locais. Fenícios e gregos, embora tenham estado nesta
região, nunca a colonizaram e a sua presença limitou-se a umas
dezenas de indivíduos isolados nas feitorias costeiras, sem
penetrações significativas ou permanentes no interior. Mais tarde,
os romanos haveriam de apreciar esta região, construindo aqui
várias villas e cidades na confluência de rotas comerciais
terrestres, quase sempre sobre ou nos arredores de povoados
indígenas, mas também com Roma, não houve uma verdadeira
colonização, nem tão pouco haveria com os invasores muçulmanos.
Sabe-se que os iemenitas, árabes e sírios ocupavam nas hostes
muçulmanas posições de destaque, posições que também
desempenhariam nas cidades islâmicas até à época da
Reconquista Cristã. Mas estas etnias eram largamente minoritárias
junto dos invasores muçulmanos, sendo que a sua esmagadora maioria
era formada por populações berberes do Marrocos e da Argélia
actuais. Estas populações norte-africanas, que se viriam a
misturar facilmente com as populações indígenas eram oriundas da
mesma matriz étnica dos indígenas, razão pela qual a sua
integração seria tão fácil e natural. Mas todos estes
invasores não destruíram significativamente a matriz étnica
local e é essa que é possível ainda hoje observar em Alcácer
do Sal. Data de 1956 a publicação de um curioso estudo: "Mulatos
no Concelho de Alcácer do Sal - subsídios para definição
étnica das gentes do vale do Sado" da autoria de Manuel Gaio Tavares
de Almeida. Neste texto, o autor escrevia assim: "Segundo me parece
e pude depreender dos documentos consultados, os 'carapinhas do
Sado' são o resíduo de uma raça oriunda de África que, não
tendo representado, em épocas passadas, qualquer influência de
ordem sociológica ou considerável peso demográfico mas apenas
algum valor de ordem económica, vem em tempos modernos, por ironia
do destino, a revestir-se de particular interesse". E ainda: "Na
verdade, por muito estranho que possa parecer, este núcleo de gente
teve já certa relevância internacional, prendendo não só as
atenções mas chegando a ser usado como argumento nas teses de
certos doutrinados racistas que não perderam a oportunidade de
apontar a chamada 'zona negra do Sado' como índice e
justificação plausível da tese da origem negróide dos
portugueses" Nesta raça - e que tem exemplos na minha própria
família - sobreviveria ainda hoje um traço desta população
pré-indoeuropeia. Algo que, aliás, já o conhecido historiador
Oliveira Martins havia defendido na sua "História da
Civilização Ibérica" ao encontrar nos Cabilas da Argélia a
matriz étnica original dos portugueses. Admitindo a tese deste
historiador, os chamados "carapinhas do Sado" seriam os últimos
sobreviventes destas populações indígenas, sobrevivendo
através de milénios de invasões sucessivas vindas do norte, leste
e sul, que, não sem haverem sofrido cruzamentos étnicos, haviam
ainda mantido alguns traços distintivos originais e tipicamente
africanos, tais como a tez escura da sua pele e o cabelo encarapinhado
que caracteriza as populações africanas. É claro que a tese
africana da origem dos portugueses colide que as teses que pretenderam
fazer de nós povos celtas ou "arianos" (Leite de Vasconcelos) ou
ainda povos semitas (Moisés Espírito Santo). A tese "africana"
colhe contudo fortes argumentos da arqueologia pré-histórica do
nosso território e até na genética (Cavalli-Sforza) e confere em
absoluto com este estranho fenómeno étnico que são os
"carapinhas do Sado".
Com efeito, C. Sforza afirma no seu basilar livro "The History and
Geography of Human Genes" que se uma língua pode desaparecer em
apenas três gerações, geralmente em consequência de uma
invasão em que um grupo numericamente reduzido de guerreiros impõe a
sua cultura e língua às massas dominadas; esse grupo minoritário
não pode fazer desaparecer os genes do grupo majoritário e estes
podem ser observador durante dezenas de milhares de anos, muito para
além da data máxima de sobrevivência de qualquer língua
humana.
A tabela que Cavalli-Sforza apresenta sob o número 2.3.1.A
"Genetic Distances between the 42 Populations" uma reveladora tabela
que apresenta numerosos dados sobre as distâncias genéticas entre
povos tão diversos como os Bantu e os Esquimós. Aqui,
interessam-nos sobretudo os berberes, os bascos, os sardos, os gregos
e os italianos. Todos estes povos são provavelmente testemunhos
modernos da existência do Substrato Mediterrâneo resultante das
migrações paleolíticas dos Capsenses. Não nos interessando
todos os dados desta tabela, apresentemos somente aqueles que
respeitam ao nosso tema:População:
* População: Populações que lhe são
próximas:
* Berberes Ingleses (44); Dinamarqueses (61);
Italianos (51); Gregos (69)
* Bascos Ingleses (21); Dinamarqueses (34); Gregos
(50); Sardos (55)
* Sardos Gregos (30); Italianos (35); Ingleses
(59); Dinamarqueses (61)
* Gregos Italianos (34); Iranianos (70)
* Italianos Ingleses (51); Dinamarqueses (72);
Gregos (77)
Na tabela 2.3.1.B, Cavalli-Sforza apresenta ainda dados genéticos
complementares da tabela 2.3.1.A:
* População: Populações que lhe são
próximas:
* Berberes Ingleses (8); Italianos (9); Bascos
(10); Dinamarqueses (10); Gregos (12); Iranianos (14)
* Bascos Italianos (4); Ingleses (4); Dinamarqueses
(6); Gregos (8); Sardos (11)
* Sardos Gregos (5); Italianos (10); Ingleses (14);
Dinamarqueses (14)
* Italianos Ingleses (11), Dinamarqueses (13);
Gregos (13)
Destes dados genéticos se pode concluir da efectiva proximidade
entre estas populações mediterrâneas, nomeadamente entre
Berberes, Italianos, Gregos e Sardos. Aqui também se observa um
fenómeno que pode parecer estranho a quem conheça a posição de
distanciamento tipológico entre os bascos e as demais populações
europeias e que é a apresentação de proximidades entre estes e
dinamarqueses e ingleses, algo que contudo pode ser explicado por
serem todas elas populações periféricas, habitando ou em ilhas
(locais onde a pureza genética resiste com mais intensidade às
vagas de invasores). A proximidade constatada entre Berberes e
Ingleses oferece alguma força às teses de Lewis Spence e à tese
da origem mediterrânea comum quando se observa a sua proximidade em
relação a gregos e italianos.
(http://movv.org/2006/06/17/sobrevivencia-das-populacoes-conias-na-actual-populacao-portuguesa/)