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Re: [Archport] Fwd: desabafo

To :   "André Sousa" <andrebsousa.g@gmail.com>
Subject :   Re: [Archport] Fwd: desabafo
From :   "Alexandre Monteiro" <no.arame@gmail.com>
Date :   Fri, 6 Jun 2008 21:22:58 +0100

Interessante, este desabafo. O meu ex-professor de Economia, Tomaz Dentinho, chamar-lhe-ia um figo e usá-lo-ia como exemplo para as suas aulas. Um pouco excêntrico, começava sempre as hostilidades da cadeira com uma pergunta do género: porque é que há restaurantes que, apesar de cobrarem 120 euros per capita e por refeição, estão sempre cheios e com lista de espera de dias enquanto que ao lado há restaurantes que levam 5 euros por refeição e têm sempre lugares vazios?
 
As respostas dos alunos eram as mais variadas: era pelo luxo, pela comida que serviam, porque havia prestigio em se ir almoçar ao restaurante caro, porque o restaurante barato era uma espelunca, etc...
 
Depois de um compasso de espera, o homem olhava, abria o sorriso e dizia: o restaurante caro está à pinha sempre porque há sempre gente disposta a pagar 120 euros por uma refeição. A partir do momento em que não haja alguém que esteja disposto a pagar tanto por esse serviço, o restaurante ou baixa os preços, ou fecha.
 
Ou seja, aqui, e invertendo a lógica, os preços que se praticam - que, imagino eu devem estar quase que na classificação de "dumping" - só se praticam porque há quem esteja disposto a receber assim tão pouco para prestar esse serviço. O que me leva a pensar, em sequência, várias coisas:
 
1) num mercado em que há muita oferta e pouca procura, os preços são baixos;
 
2) num mercado em que o que conta é o serviço ser executado, não interessa se bem feito ou se mal feito, ou seja, em que a qualidade do serviço prestado é irrelevante, a única coisa que distingue os ofertantes dos serviços (presume-se que sejam todos qualificados legalmente para prestar esse serviço) é o mínimo denominador comum - a oferta que prometer a execução mais célere (com o mínimo de incómodos para o promotor) e pelo preço mais barato é a ganhadora;
 
3) num mercado em que vigora o ponto 2), todo e qualquer ofertante que proponha um tempo de execução mais consentâneo com a boa prática arqueológica, que até dispõe de recursos humanos com qualidade (arqueólogos experientes que detectam vestigios que os mais inexperientes não detectariam) e que até tem potencial para vir a perturbar o mercado (reclamando para a tutela, exigindo coisas idiotas como preservação in situ, ou análises de radiocarbono ou, pasme-se, publicação e musealização) está simplesmente condenado a ser ultrapassado pelo arqueólogo low cost.....
 


 
2008/6/6 André Sousa <andrebsousa.g@gmail.com>:


---------- Forwarded message ----------
From: André Sousa <andrebsousa.g@gmail.com>
Date: 2008/6/6
Subject: desabafo
To: archport@ci.uc.pt


 
A propósito da temática que tem vindo a assolar o panorama arqueológico português, nomeadamente, as ditas tabelas salariais mínimas, condições laborais, conivência ou não por parte dos trabalhadores de arqueologia, muito se poderá especular.
Existe, no entanto, um variado número de pontos que terão obrigatoriamente de ser debatidos por esta comunidade, sob o risco de esta situação pouco digna continuar a assolar o nosso horizonte.
São situações muito graves e que levarão, certamente, a um futuro de incertezas. Atente-se às mais recentes manifestações por melhores condições de trabalho face ao aumento do gasóleo e também contra a precariedade do emprego nas mais variadas profissões... as pessoas vão para a rua a exigirem melhores condições laborais.
Face a este cenário e tendo em consideração aquilo que vivemos actualmente como profissão, não se vislumbram tomadas de posição sérias e saídas para a rua em protesto... não, aquilo que se vê não é mais que uma letargia inexplicável, tendo em conta esta situação alvitrante que hoje vivemos.
Ora vejamos:
 -Arqueólogos que se prestam a trabalhar 11 e 12 horas seguidas sem receberem horas extras; 
-Empresas que apresentam propostas de trabalho para 12 horas/dia a um valor inferior a 1500 euros/mês (1200 ) para estradas ou 3000 para promotor particular. 
-Empresas que não contabilizam o custo do relatório Final nem o tratamento e estudo de materiais (será que o arqueólogo redige o relatório e faz o tratamento e estudo dos materiais gratuitamente?) 
-As empresas que trabalham em Lisboa tem que entregar, no mínimo, 3 exemplares de um relatório (IGESPAR; DRCLVT e Dono de Obra). A edição destes relatórios tem custos de impressão (papel tinteiros, electricidade, etc.) e custos de mão-de-obra (tem que estar uma pessoa a imprimir, montar) como é que não se contabiliza este custo? 
Uma empresa tem custos que se designam como
custos de sede
.
Aqui estão englobados, entre outros, os alugueres ou amortizações da sede, electricidade,água, telefone, comunicações, desgaste de material, vencimentos dos empregados que estão na sede e que asseguram a retaguarda (secretária, administrativos, informático, desenhadores, entre outros). Tem custos com a empresa e contabilidade, seguros de trabalho, seguros de responsabilidade civil, custos com as viaturas (seguros, imposto de circulação, manutenção, desgaste das viaturas, combustível). Tem os custos dos consumíveis (papel, tinteiros, sacos de plástico, contentores) e de matérias primas incorporadas (canetas de marcar materiais, verniz, etc.).
Todos estes custos tem que ser imputados aos trabalhos, para além do custo da mão-de-obra (no caso, técnicos superiores). 
Com os valores praticados, mesmo que o gestor seja excepcional, onde é que estes custos estão imputados ao serem apresentados valores mensais de 1200 euros?
Tendo em conta os custos de sede onde é que se vai buscar o valor para os mesmos? E caso se retire aos 1200 euros quanto é que sobra para pagar ao arqueólogo? Ou já estão a pensar em pagar ao arqueólogo daqui a um ano...
Temos, assim, que uma empresas de construção paga pelos serviços de um arqueólogo 1200 euros, quando essa mesma empresa vende ao dono de obra o trabalho de um indiferenciado (entre 75 e 90 euros/dia) ou seja entre 1650 e 1980 euros/mês!?
Com estes valores, as empresas de arqueologia (?) estão a desvalorizar uma actividade que é cientifica e estão a matar o mercado....(aquela entidade de que todos falam como regulador até, por exemplo, terem aumentado os combustíveis) e os arqueólogos, (ao aceitarem!) estão a participar nessa morte anunciada... são coniventes e não se podem ilibar de responsabilidades!
Quem não se valoriza não pode ser valorizado pelos outros...
Os arqueólogos ao aceitarem esta exploração estão: 
A desvalorizarem-se enquanto profissionais; 
A contribuirem para que empresas sérias percam mercado; 
A colocarem em perigo o posto de trabalho dos arqueólogos que estão em empresas que não praticam estes valores; 
As empresas (não sei se posso chamar empresas a essas coisas) só vão até onde os arqueólogos deixarem....
Ou então, as outras empresas tem que passar a alinhar no mesmo esquema, senão não sobrevivem.... Acontece que eu pessoalmente duvido que a estes valores se possa chamar arqueologia aquilo que esses actores realizam. 
As preocupações são muitas e a nossa condição é muito séria. Espero que este fórum sirva, mais uma vez, para a saudável discussão e que daqui se criem bases futuras para protestos sustentados.
 A imagem que hoje temos da arqueologia não se coaduna com a condição laboral séria. Esta situação ao acontecer irá enfraquecer as suas bases... (contudo, podemos afirmar que a profissão de arqueólogo não possui bases fortes capazes de aguentar as constantes tempestades hoje vividas, logo cairá... mais tarde ou mais cedo).
 Essa situação depende de nós...
 
André de Sousa


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