[Archport] "Loulé descobre banhos islâmicos e divulga cultura mediterrânica"
Loulé descobre banhos islâmicos e divulga cultura mediterrânica
Público, 24.06.2008, Idálio Revez
Quase por acaso descobriu-se, intacto, o sítio onde árabes se davam ao
prazer de terapias relaxantes, com perfumes e banhos de vapor
Durante cinco dias, Loulé recua 900 anos na história e dá a conhecer o
passado islâmico da cidade. As estreitas ruas de calçada, polidas pelo
tempo, no perímetro que vai do Castelo à Igreja Matriz,
transformam-se, à noite, num palco de culturas, que sopram do
Mediterrâneo. O Festival Med, evento essencialmente musical, que
decorre de amanhã a domingo, recupera outros tempos, que se revivem em
ambiente de festa. Os primeiros banhos islâmicos, visitáveis em
Portugal, intactos, foram descobertos quase por acaso em Loulé.
Quando começaram a aparecer ganchos e mais ganchos de cabelo, Isabel
Luzia disse: "Alto aí, eles [banhos islâmicos] estão cá." A arqueóloga
dirigia uma oficina de Verão que fazia prospecções num casa velha, que
o município adquiriu há dois anos, para alargar o espaço do festival.
A partir dessa altura foi um nunca mais parar, enquanto não desceu ao
hipocausto, um sistema de aquecimento de água para os banhos, onde
homens e mulheres, em grupos desencontrados, se davam ao prazer das
terapias de relax, pelo vapor e essências. O espaço pode ser visitado
durante o evento, mas "ainda há muito caminho a percorrer", diz a
arqueóloga, a ultimar os preparativos da exposição.
As mulheres muçulmanas, sob os lenços, afirma Isabel Luzia, faziam
penteados extraordinários: "Não sei como se davam a tanta trabalho,
para mostrar durante cinco minutos ao marido", comenta. Por isso,
quando começaram a aparecer os ganchos de cabelos - mais de mil -
tocaram-lhe as campainhas. A seguir, surgiram os fragmentos de vidro
dos frascos de essência, dentes de javali e cerâmica. Quando viu
sinais do buraco da chaminé, de onde saíram os vapores para os banhos,
a 1,80 metros de profundidade, abriu-se uma nova página da história
local. "Estes banhos [islâmicos], com esta dimensão, são únicos em
Portugal", diz a arqueóloga. "Em Lisboa, atrás da Sé, há vestígios,
mas a ocupação destruiu a estrutura", lamenta. Ao fazer o paralelismo
da descoberta, recorda Granada, Córdova e Sevilha. "É aí que vou
buscar informação, para prosseguir com as investigações."
Os banhos islâmicos, diz, sempre foram muito populares. A tal ponto
que no foral o Rei D. Afonso III fez questão de mencionar que a
exploração dos balneários ficava para a coroa. "Tudo o que dava
dinheiro, era para o rei." Neste caso, acrescenta, o preço era
"simbólico", e sítio muito frequentado. Para sublinhar a afirmação,
acrescenta que vai ficar em exposição um documento, na casa das Bicas,
a relatar essa passagem. Agarrando nos fragmentos, como se estivesse a
abrir um livro, evoca o passado da cidade, situada na encruzilhada do
Algarve.
Junto à muralha, observa, "algures está a porta de Silves - a
principal cidade algarvia do domínio árabe -, mas na ponta leste
encontra-se a porta de Faro. "Estamos no centro da região", justifica.
"Eu sabia que havia de encontrar [os banhos islâmicos], porque havia
sinais." E ironiza: "Quando velhinha, reformada, talvez ouvisse falar
desta descoberta. Mas aconteceu mais cedo que esperava, e afinal ainda
só agora começou..."
"Somos cinco mulheres, e a mais nova sou eu, que tenho 40 anos, diz
Isabel Luzia, a arqueóloga municipal. Por isso, graceja, "dava jeito
mais uns braços com músculo" para carregar os baldes de terra, puxados
a dois metros de profundidade. Mas não tem razões de queixa. Nos
segundos sábados de cada mês, a equipa é reforçada com voluntários,
homens e mulheres. "Temos gente de todo o Algarve, que vem pelo gosto
pela arqueologia e curiosidade." António Almeida, professor de
Educação Visual, leva os alunos, um dia por semana, a meter as mãos na
terra. O imaginário inunda-se de mouras encantadas e das aventuras de
Indiana Jones.