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Re: [Archport] A propósito dos banhos islâmicos de Loulé...

Subject :   Re: [Archport] A propósito dos banhos islâmicos de Loulé...
From :   "Joao Araújo Gomes" <jpagomes@gmail.com>
Date :   Tue, 24 Jun 2008 14:31:33 +0100

Concordo com o colega Alexandre Monteiro.

A divulgação para o grande público é uma componente da prática moderna da arqueologia global.

Mais tarde ou mais cedo será uma obrigatoriedade - afinal de contas os contribuintes têm o direito de saber a sua própria História, ainda que, em termos muito gerais, não se constate tal consciencialização nacional. Cabe-nos a nós informar.

Nesta conformidade, a utilização da Internet - nomeadamente de blogues informativos e sítios referentes a entidades arqueológicas - é uma ferramenta cada vez mais importante. Refira-se o bom desempenho nesta área da revista Al-madan e do centro NIA da ERA arqueologia, por exemplo.

J. Araújo Gomes

2008/6/24 Alexandre Monteiro <no.arame@gmail.com>:
Acho que tal acontecerá quando os arqueólogos passarem a valorizar a
componente do retorno social daquilo que fazem ao invés de (e mesmo
assim, nem sempre) só se preocuparem em divulgar as suas descobertas
junto dos seus pares.

A ninguém do público em geral interessa saber que as tábuas de
resbordo do Angra D são 3 centímetros mais espessas do que as
encontradas no seu paralelo de Cattewater ou que há potes islâmicos do
século XI, com pé baixo e decoração em tons de castanho a apresentar
duas carenas, com uma a antecer o bordo, o que indica uma manufactura
síria... o que lhe interessa é uma boa história, bem contada, com
protagonistas e eventos, assente em factos científicos. Uma coisa é o
discurso científico, outra coisa é o discurso de divulgação - ao
público em geral (onde se incluem os jornalistas e até os políticos
que nos tutelam), interessa o segundo e não o primeiro.

Quando se fazem escavações entaipadas por tapumes, quando não se
publicam artigos de grande divulgação, quando não se promove junto das
escolas e das comunidades locais colóquios ou visitas de estudo, é
dificil mostrar ao público não especializado que a arqueologia é uma
actividade científica que goza de outras componentes que não a
cinematográfica - afinal, é no cinema e nos romances pseudo-históricos
que essas mesmas populações e comunidades vão beber o seu
conhecimento. É por isso que dizer "arqueologia" em Portugal convoca
quase sempre em quem ouve essa palavra imagens de pirâmides no Egipto,
amaldiçoadas, quiçá com múmias zômbicas, navios afundados com lingotes
de prata e moedas de ouro e cidades perdidas na selva amazónica.

Mais do que reclamarmos contra o "espírito Indiana Jones" deviamos era
aproveitá-lo como engodo, utilizar esta carga sentimental de sinal
positivo que esta ciência transporta às costas para ganhar novos
públicos, novas audiências. Conquistadas pelo brilho das luzes, não
duvido que fosse fácil esclarecê-las quanto aos aspectos menos sexy e
menos bombásticos que permeiam a vida de um arqueólogo no rame rame do
seu dia a dia (dar cabo das costas a escavar  sob um sol ardente
sedimento concrecionado para topar com dois ou três cacos de origem e
tipologia indistinta, acompanhar a abertura de uma fétida vala de
esgoto, por terrenos há já muito remexidos, escavar debaixo de água
exactamente debaixo da saída do esgoto de uma cidade de tamanho
mediano, afastando com as mãos os pensos higiénicos e o confetti
ensopado de papel higiénico e outras coisas do género) coisas afinal
bem menos glamorosas do que andar pelo Cairo a combater nazis e a
descobrir tesouros perdidos mas que deveriam gerar (e quantas vezes
não geram) a mais valia do património cultural português - "uma
realidade da maior relevância para a compreensão, permanência e
construção da identidade nacional e para a democratização da cultura".





2008/6/24 vasco mantas <vgmantas@yahoo.com>:
> Caros Amigos
>
>
>
> A propósito da notícia sobre a identificação dos banhos do período islâmico
> de Loulé não posso deixar de me interrogar sobre a presença constante do
> famigerado Indiana Jones nestas histórias... Quando será que os jornalistas
> que fazem as notícias compreendem que a Arqueologia é uma actividade
> científica?
>
> Talvez quando os arqueólogos deixarem  de colaborar com a visão
> "cinematográfica" da Arqueologia. Garanto-vos que estas coisas têm um preço.
> Não estaremos a pagá-lo, e bem alto?
>
> Cordialmente
>
>                                        Vasco Mantas
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João Araújo Gomes
(Arqueólogo e mestrando
em Geografia Física - FLUL)
e-mail: jpagomes@gmail.com

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