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[Archport] plano nacional de barragens (a talhe de foice)

To :   "Archport" <archport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] plano nacional de barragens (a talhe de foice)
From :   "Joao Paulo Pereira" <Joaop@inag.pt>
Date :   Fri, 11 Jul 2008 09:25:34 +0100

Sei que houve uma avaliação de impacte ambiental estratégica para o novo plano nacional de barragens e pergunto:

 

- algum arqueólogo esteve no estudo de avaliação estratégica deste plano?

 

Obrigado,

 

João Paulo Pereira

 

PS.: O conteúdo desta mensagem não implica qualquer responsabilidade da instituição.

 

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To :   "Tiago Fontes" <liberdadesempre@gmail.com>
Subject :   Re: [Archport]Opinião Expresso Miguel Sousa Tavares
From :   "Carlos Filipe dos Santos Delgado" <cdelgado.templo@netc.pt>
Date :   Thu, 10 Jul 2008 19:14:59 +0100

Caros Archportianos:

Estive a ponderar bastante a minha participação nesta última temática acerca das reflexões de Miguel Sousa Tavares sobre a barragem e gravuras do Côa… Confesso que tenho receio que as minhas ideias sobre tal assunto levem aos mesmos comentários inquisitoriais e censórios de alguns elementos, que parecem defender um pensamento único em torno da Arqueologia. Podem achar os comentários de Filipe Santos descabidos ou pouco fundamentados, mas não têm o direito de questionar o seu direito à opinião enquanto CIDADÂO. Até ver, a Sociedade é composta por cidadãos, e não somente por Arqueólogos esclarecidos pela luz da Razão!

Para que tenhamos uma discussão racional sobre esta temática, convém que tenhamos presentes factos reais, ou seja, aquilo que se pode designar, em termos jurídicos, como “matéria de prova”.

Para que fique em acta, devo adiantar desde já que não me oponho (nem o fiz na altura) à preservação “in situ” das gravuras de Foz Côa. Todavia, creio que é inegável, passados estes quase 15 anos sobre o sucedido, que o processo foi muito mal conduzido, sabe-se lá por culpa de quem!

O que é certo é que, se por um lado, o “caso Foz Côa” trouxe à ribalta a Arqueologia enquanto ciência e prática profissional (até aí reservada a meia-dúzia de ilustres), tendo constituído um ponto de partida para a sua consolidação em termos institucionais, por outro, instalou em toda a sociedade um profundo trauma, que ainda hoje subsiste.

Passados estes anos, quem nunca se deparou com o medo crónico que qualquer promotor (de qualquer tipo, de qualquer escala ou condição socioeconómica) tem de que a sua pequeníssima, média ou grande obra sofra o mesmo destino que a dita barragem? Creio que esta percepção é genérica, a menos que alguns sejam apenas arqueólogos autistas, desfasados da realidade que os rodeia.

Entre outras matérias (igualmente sérias, porque relacionadas com a justa necessidade de sobrevivência), esta foi uma das grandes razões por que me afastei profissionalmente da Arqueologia. Terei sido, quiçá, fraco, pouco ambicioso ou precipitado; mas o facto é que me cansei de, constantemente, quase diariamente, estar a justificar a minha presença nestes pequenos “Foz Côas”, enquanto profissional de Arqueologia, em qualquer contexto de trabalho!

O comum dos cidadãos tem medo dos Arqueólogos e desdenha a Arqueologia, por muito que lhe queiramos impingir fantasias, histórias (estórias) ou sensibilidade em torno das virtudes da Memória e do Património. E não tenhamos ilusões: só à custa de legislação a “martelo”, numa clara abordagem de cima para baixo, é que as pessoas acatam essa dita “sensibilização” (vejam o que aconteceu, recentemente, com um poço de idade moderna, na Lourinhã). Não sou contra essa abordagem “top-down”, quando ela tem mesmo de haver, mas também é verdade que existem por aí muitos “ditadorzinhos” de colherim na mão, e muitas empresas vorazes, que deitam por terra qualquer avanço que se tenha feito naquele sentido, com práticas muito pouco recomendáveis e credíveis (por exemplo: mandando suspender obras sem fundamentação e sem o mínimo sentido de rsponsabilidade, brincando com o dinheiro que não é deles...).

Que têm estas minhas palavras que ver com Foz Côa?

Ao optar-se por aquela solução de preservação (e já não falando da promessa de um “maná cultural” às populações locais, que se sentem, agora, defraudadas), originaram-se duas correntes antagónicas:

- uma, em que qualquer barragem pode sofrer o mesmo destino que Foz Côa, por razões igualmente válidas (um determinado contexto natural e paisagístico – um habitat, um ecossistema, a biodiversidade –, ainda por cima já raro em Portugal, uma vez desaparecido, não é passível de ser sofrer as mesmas operações do que os sítios arqueológicos, que podem ser devidamente registados, acondicionados, trasladados, musealizados);

- outra que, “queimada” com o caso das gravuras, já não quer caír de novo nessa esparrela, e tudo faz para que tal não se repita, haja lá o que houver (esta é, infelizmente, a posição da generalidade dos Portugueses – onde se inclui, gostemos ou não, o Miguel Sousa Tavares e outros tantos como ele – e, sobretudo, do actual Governo).

Se juntarmos a este caldo cultural duas questões bastante actuais e prementes (se bem que revestidas de alguns “mitos” e “inverdades”, que beneficiam os mesmos do costume), como as alterações climáticas e a necessidade de se galopar para as energias renováveis, vemos bem para que lado pende a balança…

Em suma, temo bem que, graças ao (mau) exemplo de Foz Côa (mau, porque muito mal aproveitado – ou aproveitado com determinados fins que não os culturais –, seja do ponto de vista político, seja do ponto de vista estritamente técnico e cultural), sejam sacrificadas muitas áreas de grande valia ecológica e mesmo patrimonial, em prol do tão apregoado Progresso e da malfadada Competitividade. Isso é que, todos nós, neste momento, temos de lamentar!

Cordiais saudações,

Carlos Delgado



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