Para além das incertezas: Caos no Ministério da Cultura?
A saída Isabel de Pires de Lima da pasta da Cultura não acabou com a crise do sector nem com as persistentes críticas que então lhe eram endereçadas.
Para além da falta crónica de verbas, que tem levado à imobilização da acção institucional do MC, a reestruturação levada a cabo pelo PRACE trouxe de novo aos serviços do Estado uma letargia que se está a transformar num sono de morte.
Reflexo disto foi a sua aplicação nos ex IPPAR, IPA e DGEMN, que levou à criação duma inoperacional e indefinidamente desarticulada estrutura multicéfala, composta por várias direcções gerais: IGESPAR e Direcções Regionais de Cultura.
Paulo Pereira, num artigo premonitório de 19 de Abril de 2007, "Diz que é uma espécie de reforma", constatava que em seu resultado «…verifica-se uma desafectação de recursos humanos válidos e uma desmotivação geral na área do património, perdendo-se a massa crítica que se foi construindo nos últimos vinte anos. Nenhum partido da oposição (irresponsável) faria melhor, caso pretendesse acabar com o sector do património». Concluindo que se deveria: «Reformar compulsivamente esta espécie de "reforma"».
Outras vozes avisadas têm recomendado aos nossos governantes um recuo para uma melhor definição do objecto e atribuições dos organismos destas áreas tão sensíveis, como já foi manifestado no mais recente artigo de opinião "Reformar a Reforma da Gestão do Património Imóvel. Lacuna, sobreposições, conflitos, confusão, desperdícios e abandono!" publicado no jornal Público de 24 de Abril.
Aqui os autores elencam as várias deficiências da reestruturação e os seus efeitos práticos, concluindo que «…esta reforma não descentralizou, nem operacionalizou. A Gestão do Património foi inadmissivelmente politizada: os circuitos de decisão emperram, são incompreensíveis e não assentam em fundamentos científicos, técnicos ou culturais. Vislumbra-se uma alienação de património público como não há memória desde a privatização dos bens da igreja, no século XIX e na 1ª República».
Mas os problemas do nosso património cultural / herança patrimonial, que não têm passado despercebidos nos média, não se reflectirão também na economia do país?
Já em meados de 2006, o Público, numa notícia intitulada "É a cultura, estúpido!", assinada por Joana Gorjão Henriques, apresentava os dados de um estudo encomendado pela Comissão Europeia à KEA, European Affairs, "A Economia Cultural na Europa". Este constatou que o sector cultural e criativo contribuiu em 2003 para 2,6 por cento do Produto Interno Bruto da União Europeia, mais do que os sectores do imobiliário e dos produtos alimentares e bebidas. Salientava o estudo que o turismo cultural representa 15 por cento do valor total do turismo. Em 2003, o sector cultural e criativo tinha um volume total de negócios superior a 654 mil milhões de euros, mais do que o automóvel, e estava a crescer mais ainda do que o resto da economia (12,3 por cento).
Em Portugal o este sector era em 2003 já o terceiro principal contribuinte para o PIB!
Concluía a notícia: «O estudo lembra que o sector cultural e criativo continua a ser largamente ignorado e que só recentemente começou a haver interesse em medir os seus desempenhos sócio-económicos. Um dos motivos, aponta, deve-se à resistência em analisar a cultura da perspectiva económica e de os governos acharem que é sempre um custo, em vez de um investimento».
Mas esta noção do papel económico da cultura presta-se a algumas confusões de conceitos. Miguel Portas, na crónica "Obras de Arte", publicada no semanário Sol do passado dia 5 de Julho, questiona: «Qual o lugar da cultura num país em crise? A resposta de PS e PSD é conhecida. 'Obras de arte' por 'obras de arte', vamos pela engenharia. É por isso natural que José António Pinto Ribeiro acompanhe José Sócrates ao Sabor».
Estranha ainda a questão da gestão dos dinheiros pela Economia: «Dizem-me que é um projecto pago pelo dinheiro das verbas do jogo do Casino de Lisboa e por isso é dinheiro do Ministério da Economia (ME), mas confesso que me parece uma desculpa esfarrapada. Em Espinho e noutras cidades com Casino há verbas que são geridas pelas próprias autarquias e o ME não vai lá dizer como gastar o dinheiro, nem quem deve ser escolhido para projectar as obras.»
Questiona: «Para que serve então o MC e o IMC? Não será este último o organismo indicado para liderar o processo de construção de um novo Museu dos Coches?»
E por fim: «Mas então o Museu dos Coches vai mudar de tutela?»
No final aproveita ainda para manifestar que vai olhar com atenção para a solução referida no artigo do Expresso para a reinstalação da Biblioteca do ex-IPA e do ex-CNANS.
A crise anunciada é real e resultante da falta de uma política cultural definida, da falta de definição do papel do Estado e dos seus objectivos, que em muitos casos devem ser o do promotor voluntarista.
Esta catástrofe, de consequências ainda totalmente imprevisíveis até para a economia, está a tempo de ter o seu rumo corrigido.
Só com uma rectificação, pensada e executada de forma séria, se poderá inverter o deprimente e caótico panorama que actualmente se vive. Esta, no seu todo, é o grande desafio do actual Ministro – ter a coragem de reconhecer os erros, mesmo que de outros, e propôr emendar o que está mal.
15 de Julho de 2008
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