No contexto dos comentários surgidos no Archport às recentes notícias sobre relações menos transparentes entre algumas Empresas de Arqueologia e as Estradas de Portugal, Gonçalo Bettencourt, referindo-se à concorrência desleal das Associações, afirmou a certa altura:
"Esta situação levou ainda no tempo do Alqueva a que a que toda a intervenção arqueológica fosse efectuada com recurso a essas mesmas associações que depois canalizavam os recursos financeiros para os investigadores, não permitindo concursos públicos e criando lobbies de interesses e os habituais feudos."
Sem querer polemizar e muito menos entrar em concursos de honestidade e transparência, julgo que importa corrigir algumas destas afirmações do Gonçalo, recordando alguns factos que aliás constam de diversos artigos que oportunamente fui divulgando a propósito do Projecto Alqueva (da fase "Barragem" 1996-2002, bem entendido, uma vez que a fase do Sistema de Rega, ainda em curso, responde a circunstâncias e modelos já completamente distintos e a que, como é público, já não estou ligado).
De facto, para além de algumas poucas excepções de adjudicações directas justificadas por prioridades científicas, a generalidade das intervenções na zona do Regolfo, organizadas em 16 Blocos, foram adjudicadas a arqueólogos a título individual, seleccionados no âmbito de um "concurso público" que procurou seguir os modelos da então JNICT com o apoio de uma Comissão Científica. É verdade que desse concurso foram excluídas as Empresas (mas isso fazia parte das regras) e se aceitava que os arqueólogos pudessem enquadrar os projectos através de Associações de fins não lucrativos (ou Fundações, como aconteceu nalguns casos). A exclusão das Empresas, aliás em número diminuto e muito embrionárias na época (tudo se acelerou desde então...) teve sobretudo a ver com o "modelo" de minimização que então se concebeu, tendo em conta a vastidão do território em causa (20 000 ha). Entendiamos então que a minimização não poderia ser uma simples soma de escavações cujo número e dimensão jamais poderíamos predeterminar de forma a concursar e muito menos a contratualizar (do tipo"obra pública"), mas sim uma "oportunidade" para o desenvolvimento financeiramente suportado, de "projectos de investigação" plurianuais (4 anos) com princípio (trabalho de campo), meio (tratamento e estudo dos dados) e fim (publicação). É certo que já depois de seleccionadas as equipas (um processo que julgo foi transparente graças ao papel da Comissão Científica) e assinados os contratos com os arqueólogos individuais ou com as Associações de enquadramento dos projectos (havia as duas situações) se verificou que os arqueólogos que haviam assumido individualmente os projectos seriam brutalmente prejudicados do ponto de vista financeiro com reflexos negativos na produtividade dos projectos, uma vez que o IRS devido, acabaria por levar grande parte do financiamento. A solução entretanto encontrada e fundamentada jurídica e administrativamente, passou por duas vias: ou a constituição de "empresas" pelos próprios arqueólogos ou a transferência das componentes financeiras dos contratos para Empresas já existentes e que passaram a enquadrar os projectos dirigidos individualmente. Julgamos, no entanto, que tal facto não alterou no fundamental as regras do jogo.
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António Carlos Silva