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Re: [Archport] "Afinidades suspeitas"

To :   "António Carlos Silva" <acs.mtpedras@gmail.com>
Subject :   Re: [Archport] "Afinidades suspeitas"
From :   "G M" <grunhosearqueologos@gmail.com>
Date :   Thu, 11 Sep 2008 17:09:54 +0100

Caríssimo António Carlos Silva

Os tempos eram outros de facto e estou completamente de acordo quando diz que o Alqueva tem duas fases: a da Barragem e a do Sistema de Rega, que aliás esta ultima cumpre as normas legais da contratação pública em vigor (se é que isto é alguma garantia como se tem visto nestes últimos tempos em outras instituições).
Sei que nessa altura a mentalidade vigente era, e se calhar ainda é, mais agarrada aos meios universitários, que ao cobro de uma capacidade cientifica exclusiva da cátedra, não via, nem quer ainda ver que a arqueologia democratizou-se, saiu para fora das Universidades, fazendo parte do nosso quotidiano e dando trabalho a centenas de pessoas, sustentando famílias e gerando riqueza.
Contudo existiram algumas expressões que me intrigaram como por exemplo "concurso público" e "projectos de investigação" com aspas. Outra foi quando referiu que a "exclusão das empresas fazia parte das regras". 
Mesmo sabendo que existiam alguns projectos de investigação já no terreno, a quem foram efectuadas adjudicações directas, não acha que um "concurso com estas regras" violava o principio da livre concorrência de todos os que detinham capacidade técnica e cientifica?

Depois existe ainda uma incongruência, que passo a explicar: Se as empresas eram proibidas (e fazia parte das regras como afirmou) neste concurso público então como é que se acha normal encontrar uma solução que, e passo a citar: "passou por duas vias: ou a constituição de "empresas" pelos próprios arqueólogos ou a transferência das componentes financeiras dos contratos para Empresas já existentes e que passaram a enquadrar os projectos dirigidos individualmente. Julgamos, no entanto, que tal facto não alterou no fundamental as regras do jogo".. 
Se as empresas eram proibidas, então como é que podemos torná-las parte do jogo? De facto não os alterou... uma vez que ele "já estava viciado" à partida!

O motivo de que os arqueólogos "seriam brutalmente prejudicados do ponto de vista financeiro com reflexos negativos na produtividade dos projectos, uma vez que o IRS devido, acabaria por levar grande parte do financiamento" é algo estranho. 
Como sabe o IRS não é mais do que um Imposto sobre o Rendimento das pessoas Singulares. É um imposto directo, pessoal e progressivo, ou seja, quanto mais elevados forem os rendimentos do sujeito passivo, maior é a taxa de imposto incidente. Este factor era conhecido desde o principio e acontece em qualquer trabalho, não sendo um factor externo, pelo que esta situação poderá estar relacionada com a falta de preparação organizacional e financeira de quem aceitou efectuar estas tarefas. Por outro lado esta ocorrência poderá parecer ao senso comum como uma simples fuga ao pagamento de impostos.

Na época já existiam pelo menos 10 empresas que trabalhavam frequentemente no acompanhamento de obras públicas de norte a Sul do País, muitas delas possuindo projectos científicos e credibilidade técnica para exercerem esses trabalhos. 
Muitos destes empresários procuraram trabalho nesta região durante o acompanhamento da obra da barragem e foram afastados, porque não tinham um o tal "projectos de investigação". Sabe tão bem como eu que algumas empresas possuem um trabalho sério, bem estruturado no qual para além de escavarem efectuam um correcto tratamento, estudo de dados e publicam.  Mais.. existem outras empresas que ainda se preocupam em divulgar esses trabalhos e a conquistar a sociedade civil, coisa rara nos tais "projectos de investigação".

Curiosamente é tão fácil usar associações, fundações e outras instituições para servirem de cobertura fiscal. Já aconteceu no passado e ocorre todos os dias, basta lermos o Archport. Quando as instituições são sem fins lucrativos podem facilmente pagar 500 euros ao dia ao Arqueologo, ou mais, como segundo dizem os ventos... aconteceu! Para além disso evita-se uma enorme a carga fiscal a que as empresas estão sujeitas. Chama-se a isto concorrência desleal prática punida pela Autoridade da Concorrência. 

Queria ressalvar que para o meio arqueológico português o Alqueva, tal como o Côa será sempre um fenómeno exemplar para uns, critico para outros, mas se tiver de escolher entre a fase dos "feudos/projectos" científicos e a transparência dos concursos públicos, prefiro a segunda. 
Apesar de como cidadão não concordar com o método de selecção dos candidatos através de um "concurso" que não privilegiou a livre concorrência excluindo logo quem não tinha os tais projectos científicos, como arqueólogo não contesto, de modo geral, os resultados científicos produzidos (aqueles que já foram publicados), pelas diversas equipas que estiveram no terreno.
Conheço o seu trabalho e considero-o profundamente.
Sei que o tempo acaba por nos dar novos horizontes e por isso não me leve a mal este desabafo sobre estes anos que foram simbólicos para uma nova geração de arqueólogos e de trabalhos. Melhores ou piores...só o tempo dirá.
Saudações
Gonçalo Bettencourt



2008/9/9 António Carlos Silva <acs.mtpedras@gmail.com>
No contexto dos comentários surgidos no Archport às recentes notícias sobre relações menos transparentes entre algumas Empresas de Arqueologia e as Estradas de Portugal, Gonçalo Bettencourt, referindo-se à concorrência desleal das Associações, afirmou a certa altura:
 
"Esta situação levou ainda no tempo do Alqueva a que a que toda a intervenção arqueológica fosse efectuada com recurso a essas mesmas associações que depois canalizavam os recursos financeiros para os investigadores, não permitindo concursos públicos e criando lobbies de interesses e os habituais feudos."
 
Sem querer polemizar e muito menos entrar em concursos de honestidade e transparência, julgo que importa corrigir algumas destas afirmações do Gonçalo, recordando alguns factos que aliás constam de diversos artigos que oportunamente fui divulgando a propósito do Projecto Alqueva (da fase "Barragem" 1996-2002, bem entendido, uma vez que a fase do Sistema de Rega, ainda em curso, responde a circunstâncias e modelos já completamente distintos e a que, como é público, já não estou ligado).
 
De facto, para além de algumas poucas excepções de adjudicações directas justificadas por prioridades científicas, a generalidade das intervenções na zona do Regolfo, organizadas em 16 Blocos, foram adjudicadas a arqueólogos a título individual, seleccionados no âmbito de um "concurso público" que  procurou seguir os modelos da então JNICT com o apoio de uma Comissão Científica. É verdade que desse concurso foram excluídas as Empresas (mas isso fazia parte das regras) e se aceitava que os arqueólogos pudessem enquadrar os projectos através de Associações de fins não lucrativos (ou Fundações, como aconteceu nalguns casos). A exclusão das Empresas, aliás em número diminuto e muito embrionárias na época (tudo se acelerou desde então...) teve sobretudo a ver com o "modelo" de minimização que então se concebeu, tendo em conta a vastidão do território em causa (20 000 ha). Entendiamos então que a minimização não poderia ser uma simples soma de escavações cujo número e dimensão jamais poderíamos predeterminar de forma a concursar e muito menos a contratualizar (do tipo"obra pública"), mas sim uma "oportunidade" para o desenvolvimento financeiramente suportado, de "projectos de investigação" plurianuais (4 anos) com princípio (trabalho de campo), meio (tratamento e estudo dos dados) e fim (publicação). É certo que já depois de seleccionadas as equipas (um processo que julgo foi transparente graças ao papel da Comissão Científica) e assinados os contratos com os arqueólogos individuais ou com as Associações de enquadramento dos projectos (havia as duas situações) se verificou que os arqueólogos que haviam assumido individualmente os projectos seriam brutalmente prejudicados do ponto de vista financeiro com reflexos negativos na produtividade dos projectos, uma vez que o IRS devido, acabaria por levar grande parte do financiamento. A solução entretanto encontrada e fundamentada jurídica e administrativamente, passou por duas vias: ou a constituição de "empresas" pelos próprios arqueólogos ou a transferência das componentes financeiras dos contratos para Empresas já existentes e que passaram a enquadrar os projectos dirigidos individualmente. Julgamos, no entanto, que tal facto não alterou no fundamental as regras do jogo.
 
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António Carlos Silva


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