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[Archport] "Nau" de 3,5 metros de comprimento é base para projecto científico único em Portugal

To :   archport <archport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] "Nau" de 3,5 metros de comprimento é base para projecto científico único em Portugal
From :   "Alexandre Monteiro" <no.arame@gmail.com>
Date :   Tue, 7 Oct 2008 00:53:49 +0100

'Nau' de 3,5 metros de comprimento é base para projecto científico
único em Portugal
04 de Outubro de 2008, 10:02



* * * Por Isabel Matos Alves, da Agência Lusa * * *

Lisboa, 04 Out (Lusa) - De um pedaço de madeira retirado das águas do
Tejo, vestígio de uma nau naufragada há mais de 400 anos e agora
replicada num modelo de 3,5 metros pintado de amarelo, nasceu um
projecto científico único em Portugal.

A 14 ou 15 de Setembro de 1606 - os historiadores não são unânimes - o
naufrágio da nau Nossa Senhora dos Mártires junto ao Forte de São
Julião da Barra, em Oeiras, provocou centenas de mortes e prejuízos
materiais avultados com a perda da pimenta que a nau trazia a bordo,
cujos grãos a flutuarem criaram uma enorme mancha no Tejo, visível ao
longo de várias milhas.

Para os mais racionais, é apenas uma mera coincidência mas para os
mais supersticiosos poderia tratar-se de uma premonição. A verdade é
que a Nossa Senhora dos Mártires naufragou juntamente com a Nossa
Senhora da Salvação quando as duas naus estavam prestes a terminar
mais uma viagem da Carreira das Índias, mas apenas quem viajava na
segunda sobreviveu à tragédia.

Quase 400 anos depois, quando vestígios submersos foram escavados
pelos arqueólogos Francisco Alves e Filipe Castro, foi recuperada do
fundo do estuário do Tejo uma parte da quilha da N. Srª dos Mártires,
com 12 metros de comprimento, e que agora serve de ponto de partida
para um projecto científico único em Portugal que pretende descobrir
os segredos da navegação das grandes naus da carreira das índias.

"O objectivo deste projecto de investigação é a reconstrução da nau e
perceber como é que navegava, quais eram as suas qualidades náuticas e
como é que a grande quantidade de pessoas que estas naus transportavam
viviam a bordo, como navegavam durante seis meses entre Lisboa e a
Índia e mais seis meses da Índia a Lisboa", explicou o engenheiro
naval e coordenador do projecto do Instituto Superior Técnico (IST),
Nuno Fonseca, que alimenta o desejo de ver a Nossa Senhora dos
Mártires reconstruída à escala real.

Em colaboração com a Universidade do Texas, Estados Unidos da América,
onde Filipe Castro é actualmente professor de Engenharia Náutica, uma
equipa de quatro engenheiros do IST partiu do trabalho iniciado pelo
professor universitário com a sua tese de doutoramento para
reconstruir à escala de 1:15, a Nossa Senhora dos Mártires, que ficou
também conhecida por 'Nau da Pimenta'.

Com 3,5 metros de comprimento, casco pintado de amarelo e apoiada numa
estrutura de madeira, a pequena nau, que o construtor naval Mário
Figueiredo e uma equipa de formandos de carpintaria naval construíram
no Arsenal do Alfeite, em Almada, lembra pouco a imponência das naus
quinhentistas e seiscentistas que navegavam a rota da Carreira das
Índias.

No entanto, é através desta réplica que os investigadores procuram
obter respostas e preencher as lacunas que a ausência de documentação
específica sobre a construção das embarcações da época dos
Descobrimentos criou.

"Sabe-se muito pouco em relação a estes navios da expansão marítima
portuguesa, porque nesta altura, século XVI e XVII, não havia ainda
procedimentos de documentação e arquivo técnico ou procedimentos de
desenho técnico e precisão geométrica exacta", explicou Nuno Fonseca.

A réplica já teve a sua primeira prova de fogo, quando, em Setembro,
foi feito o "bota-abaixo", o primeiro teste em água, no Alfeite, e que
serviu para comprovar não só a navegabilidade e estabilidade da
embarcação como a exactidão dos cálculos feitos pela equipa do IST em
relação ao que seriam as proporções das naus quinhentistas.

O passo seguinte deverá acontecer em Novembro com um ensaio num
laboratório de hidrodinâmica em Madrid, uma instalação de grandes
dimensões que contém um tanque de água com cerca de 300 metros de
comprimento e com um dispositivo que permite rebocar a réplica de 3,5
metros.

"Nestes ensaios vamos tentar quantificar a interacção entre o casco e
a água. Queremos saber a que forças é que o casco está sujeito quando
é arrastado pela água, que depois nos vai permitir avaliar as
qualidades náuticas da nau, saber que velocidades atingia, que ângulos
fazia com o vento", explicou o engenheiro naval, que acrescentou que
espera que as medições conseguidas sejam muito precisas do ponto de
vista científico".

Numa fase posterior, a equipa de engenheiros do IST pretende testar o
modelo em condições mais realistas, a navegar no mar, com mastro e
velas, e devidamente equipado com sensores que permitam medir "todas
as respostas da nau à acção do vento e das ondas".

"Queremos cruzar esta informação com a climatologia a que a nau estava
sujeita na viagem entre Lisboa e a Índia e na viagem de regresso",
adiantou Nuno Fonseca, que acrescentou também que será necessário
fazer um levantamento da ondulação, vento e correntes no Atlântico sul
e no Oceano Índico que permitam fazer simulações das travessias.

Até chegar à fase de testes, foram necessários quatro meses de
carpintaria de precisão sob o comando Mário Figueiredo que, com a sua
equipa de 12 'aprendizes de carpinteiro naval' passou longas horas no
Alfeite a seguir à risca os desenhos entregues pelo IST.

"Em Março, deram-nos os desenhos e desde aí tem sido a menina dos
olhos deste curso", disse Mário Figueiredo, que partilha com Nuno
Fonseca o sonho de ver uma réplica em tamanho real da nau.

"Toda a gente participou na montagem. Inicialmente tinham-nos pedido
apenas a querena, a parte mais baixa do navio, mas quisemos fazer
tudo, inclusive os mastros. Foi uma guerra para conseguir manter os
prazos, a trabalhar todas as manhãs ao longo de quatro meses, mas foi
feito", declarou, sem disfarçar o orgulho.

Cumprir prazos tornou-se ainda mais complicado quando a prática da
construção demonstrou que a teoria dos desenhos vinha acompanhada de
pequenos erros de cálculo.

"Fizemos fielmente o que vinha nos planos mas nas ligações tivemos que
fazer algumas alterações, porque a madeira não queria ceder, o que é
uma indicação que, à partida, o original não teria bem aquela forma.
Foram milímetros mas tivemos que retirar material para tornar o casco
mais fluido, o que seria mais natural naquela época", revelou o
construtor naval.

Antes do contacto com as madeiras para a construção da réplica, Mário
Figueiredo e os seus formandos tiveram um primeiro contacto com a
madeira original, a quilha recuperada em S. Julião da Barra, que se
encontra no Centro Nacional de Arqueologia Subaquática.

"Tocar na nau [original] foi um momento muito importante para mim e
para os formandos, como motivação. Estamos a reconstruir algo que
tocámos", sublinhou o construtor naval, que também fez questão de
visitar o espólio da Nossa Senhora dos Mártires no Museu da Marinha em
Lisboa.

O trabalho de construção da réplica foi acompanhado na Universidade do
Texas com a criação de um modelo de realidade virtual, que permite
'embarcar' na Nau da Pimenta, um navio com cerca de 50 metros de
comprimento, um peso de 1.300 toneladas quando carregado e que chegava
a ter a bordo mais de 500 pessoas, que se amontoavam nos poucos
espaços deixados livres por mercadorias e provisões.

"Aquilo que queremos fazer é uma recuperação deste património
histórico de Portugal, relativo a uma fase que foi importantíssima na
história mundial e que iniciou a globalização", afirmou Nuno Fonseca,
que lamenta que o País não dê o devido valor ao seu património
arqueológico, assim como a destruição provocada pelos caçadores de
tesouros.

"Era de facto bastante importante que se desse ao património como os
navios naufragados o mesmo valor que se dá ao património que temos em
terra. Os vestígios têm sido destruídos pelos caçadores, que se
preocupam apenas com as componentes com valor", disse.

Mário Figueiredo e Nuno Fonseca alimentam o desejo comumde ver a Nossa
Senhora dos Mártires reconstruída à escala real. O primeiro vê nesse
sonho uma oportunidade de aplicar novas tecnologias da construção
naval a barcos quinhentistas, o segundo perspectiva a hipótese de
divulgar a História de Portugal ao resto do mundo.

Por enquanto, Mário Figueiredo e Nuno Fonseca têm de contentar-se com
um bem sucedido primeiro ensaio, com 3,5 metros de comprimento, cerca
de 300 quilos de peso e casco pintado de amarelo.

Lusa/fim


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