Arqueólogos temem que trabalhos na A16 destruam vestígios romanos e islâmicos
Público 04.10.2008, Luís Filipe Sebastião
Sepulturas islâmicas já terão sido parcialmente afectadas por máquinas das obras de construção da futura auto-estrada de Sintra na zona da casa de saúde do Telhal
As obras de construção da A16/IC16, entre a CREL e o Lourel,
levaram à descoberta de importantes vestígios tardo-romanos e islâmicos na zona
do Telhal. A comunidade arqueológica mostra-se preocupada com a metodologia
seguida nas escavações e há quem aponte o dedo à destruição parcial de
sepulturas. A Câmara de Sintra avalia a situação na próxima semana com o
Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar).
Os trabalhos da futura auto-estrada de Sintra - que ligará um novo nó na CREL,
entre Belas e Queluz, e o IC30, no Lourel - arrancaram em Maio e destinam-se a
criar uma radial alternativa ao congestionado IC19. Ao longo de uma dezena de
quilómetros, as obras avançam a diferentes ritmos: se aqui decorrem
terraplenagens, acolá já se observam os pilares para um viaduto.
Ambos os cenários se podem ver no Telhal. De um lado da estrada que dá acesso à
casa de saúde, erguem-se colunas em betão que vão suportar um tabuleiro
rodoviário. Do lado contrário, ao longe, máquinas retroescavadoras movimentam
terras. No meio, junto a um muro, operários e arqueólogos escavam uma área que
se destina à instalação das sapatas do viaduto. Próximo, uma formação rochosa
exibe várias covas, de variados formatos. Foi aqui que se detectaram meia dúzia
de sepulturas islâmicas, escavadas na rocha. Ao lado, buracos arredondados fazem
parte de uma dezena de silos com materiais. A pouca distância, restos de muros
tardo--romanos servem de testemunho da existência de antigos edifícios.
Politicamente correcto?
José d'Encarnação, da Universidade de Coimbra, divulgou um texto numa mailing
list da comunidade arqueológica (Archport), dando conta da descoberta, "de
que parte já foi destruída quando se procedeu à remoção mecânica de uma
primeira camada em toda a superfície do terreno: houve sepulturas parcialmente
destruídas e crânios cortados". O arqueólogo alerta que "haverá uma
indicação ofi-
cial para que tudo se aterre com a maior brevidade possível". E sustenta
que "não pode um património histórico-cultural dessa relevância ficar
submetido a mais uma pressa e... a mais uma rodovia", devendo ser
reestudado o seu traçado.
O director do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas, José Cardim
Ribeiro, confirma ter entregue à Câmara de Sintra um relatório acerca do caso,
mas remete a sua divulgação para a tutela política. O arqueólogo considera, no
entanto, que a situação "pode vir a ser calamitosa se não se tomarem as
medidas devidas", que passam "por dar mais tempo à intervenção
arqueológica e não avançar já com o aterro que pode cumprir formalismos
administrativos, mas que não salvaguarda o património".
O professor de Arqueologia não põe em causa o traçado da auto-estrada, mas
defende que os vestígios, datáveis de entre os séculos VI e X, sejam
devidamente estudados, sob pena "de ocorrer a maior destruição consciente,
e superiormente escudada, de património arqueológico desde sempre no concelho
de Sintra". Cardim Ribeiro classifica de "vital para a história da
região" uma escavação aprofundada e que a "selagem equivale a uma
destruição politicamente correcta, mas que não deixa de ser uma destruição".
O vereador da Cultura na Câmara de Sintra, Luís Patrício, confirma que a obra
está suspensa na zona dos vestígios arqueológicos e remete uma posição para
depois de uma reunião, no início da semana, com o Igespar. O vice-presidente do
instituto, João Pedro Ribeiro, reconhece que os vestígios detectados no decurso
da obra possuem "uma dimensão mais importante" do que o previsto, mas
não tem informações sobre eventuais destruições e que as escavações "têm
sido acompanhadas de acordo com as normas legais".
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