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[Archport] Espólio nacional arqueológico aguarda despejo sem ter nova casa

To :   archport <archport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] Espólio nacional arqueológico aguarda despejo sem ter nova casa
From :   "Alexandre Monteiro" <no.arame@gmail.com>
Date :   Mon, 27 Oct 2008 08:04:30 +0000


Espólio nacional arqueológico aguarda despejo sem ter nova casa

 

Público, 27.10.2008, Ana Machado

 

Obras do novo Museu dos Coches, nas instalações do ex-Instituto Português de Arqueologia, deviam ter arrancado em Setembro

 

A construção do novo Museu dos Coches deveria ter arrancado em Setembro. Foi isso que foi avançado na apresentação, a 9 de Julho, do projecto que vai crescer nas antigas Oficinas Gerais de Material do Exército, em Belém (Lisboa), onde actualmente estão guardados os tesouros da arqueologia nacional, o espólio do ex-Instituto Português de Arqueologia (IPA). Mas o Ministério da Economia, responsável pela obra, não diz quando arrancarão os trabalhos. E o Ministério da Cultura ainda não sabe onde vai colocar a arqueologia. A hipótese da Cordoaria Nacional (também em Lisboa) está a ser estudada.
A morada desta autêntica gruta de Ali Babá da arqueologia portuguesa fica no n.º 136 da Avenida da Índia. É para lá de um enorme portão verde, mesmo em frente à estação da CP de Belém, que se concentram, por 12 mil metros quadrados de área, os mais importantes achados realizados em território nacional. Tudo começa e tudo acaba ali na arqueologia. Mas poucos sabem o que lá está guardado.
Visitados quase em exclusivo por investigadores, os armazéns de depósitos arqueológicos, a biblioteca de arqueologia (a mais importante em Portugal), o Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências e o espólio do Centro Nacional de Arqueologia Náutica (CNAS) estendem-se por vários edifícios dispersos por corredores de terra batida.


Cinquenta e cinco mil obras


Jacinta Bugalhão, arqueóloga, já não está ao serviço do IPA, onde coordenava a divisão de arqueologia preventiva. Mas foi nessa condição que, à altura desta visita, acompanhou o PÚBLICO. Tinha estado a embalar algumas das peças do depósito onde se contam mais de 600 contentores de peças arqueológicas. "Ainda não temos ordem para empacotar, mas já estou a empacotar porque me preocupa".


Um dos casos que mais têm preocupado a comunidade de investigadores de arqueologia, quando se fala na mudança de casa, é o da biblioteca.  Foi aliás a biblioteca que motivou o lançamento de uma petição on-line, dirigida ao ministro da Cultura, onde os subscritores mostravam preocupação com o futuro do espólio de cerca de 55 mil obras. Este espólio foi aumentado quando, em 1999, encerrou em Lisboa a delegação da biblioteca do Instituto Arqueológico Alemão.  Esta cedência foi feita em regime de comodato, o que significa que continua a ser património do Estado alemão, que a pode reclamar se, por exemplo, não estiver acessível ao público.


Arqueologia náutica


Mergulhando mais nas ruas de terra batida das antigas instalações das oficinas do Exército, Jacinta Bugalhão aponta uma porta metálica que dá acesso a um outro grande armazém. A porta range para dar acesso a um ambiente de filme ao estilo Indiana Jones, acentuado pela arquitectura industrial, com varandins de ferro, que caracterizam o espaço. É a sala da divisão de arqueologia náutica.


Pirogas monóxilas (feitas de um único tronco de árvore) encontradas no rio Lima e datadas com 2300 anos, mergulhadas em enormes tanques para preservar o estado de conservação, são as protagonistas de um cenário onde se espalham caixotes com inúmeras peças e peças de artilharia em bronze encontradas ao longo dos anos na costa portuguesa ou apreendidas em feiras quando alguém se preparava para vendê-las sem conhecer o valor do que tinha em mãos.


"Nós temos toda esta linha de costa, o que nos faz um dos países do mundo com maior património náutico e subaquático. As peças aqui preservadas são muito importantes em termos patrimoniais", frisa Bugalhão. "Temos das maiores reservas de arqueologia náutica do mundo. Este sector é um quebra-cabeças. Não se pode parar o tratamento das peças".


Do imensamente grande - as pirogas monóxilas - para o imensamente pequeno, a visita guiada segue para uma outra sala do complexo, onde Cristina Araújo investiga, à maneira do CSI, através da paleobotânica, o que, por exemplo, os pólens das plantas podem dizer sobre a vida e hábitos das espécies animais. "Aqui trabalhamos em contextos antigos, com mais de 70 mil anos". Estamos no CIPA, o Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências.


Simon Davis, zoólogo, veio em 1999 do English Heritage, onde trabalhava, para Lisboa. É hoje um dos investigadores do CIPA, onde se ocupou a recolher, desde 2000, milhares de ossinhos que compõem a maior osteoteca do país.  Representam 50 espécies de mamíferos e 300 de aves. São dezenas de pequenas gavetas de madeira onde estão meticulosamente alinhados todos os ossos dessas espécies ali catalogadas. "Deve ser a melhor colecção da Península Ibérica."
"Não podemos mudar isto de um momento para o outro. Talvez sejam necessários dois meses, não sei se estarei a errar", diz Cristina Araújo. "É o nosso trabalho que está em causa."  Muitos artefactos armazenados no edifício de Belém do antigo IPA exigem cuidados de tratamento complexos.

 

Estudos de impacto em risco de parar

 

Desligar base de dados do ex-Instituto de Arqueologia pode causar atrasos em obras públicas

 

É pelos responsáveis da sala de inventário do ex-Instituto Português de Arqueologia, onde se actualiza a megabase de dados da investigação arqueológica em Portugal, que são recebidos os estudos de impacto das grandes obras públicas. Estão ali referenciados, ao todo, 26 mil sítios arqueológicos de reconhecido interesse registados em todo o território de Portugal continental. Sofia Gomes, uma das responsáveis por esta base de dados, aponta para o ecrã e pousa o dedo precisamente em cima do traçado do futuro TGV, que aparece no ecrã do computador: "Há um sítio de interesse arqueológico a 32 metros do traçado, no Poceirão." Desligar a base de dados implica atraso nas obras ou risco de perda de património arqueológico. A arqueóloga Jacinta Bugalhão explica o que significa desligar, por um dia que seja, toda a base de dados da investigação arqueológica nacional: "Todos os dias surgem sítios novos. Se isto pára, a arqueologia pára. Sem sabermos para onde vamos, estou a ver isto muito mal parado". Mais extenso que esta base de dados, só o arquivo. "Temos um quilómetro e meio de dossiers. O que está no sistema informático em síntese aqui aparece com toda a informação", explica Bugalhão. A informação começou a ser ali arquivada desde os anos 40. "Mas nos últimos 10 anos explodiu", diz João Mendes, especialista em arqueologia preventiva.

 

 


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