Caros/as archportianos/as,
Amanhã terá lugar junto à embaixada de Israel em Lisboa, uma concentração pela paz e de apoio ao povo palestino (pelas 18h, na rua António Enes, metro de Picoas ou Saldanha).
Desde o mês passado que todos temos recebido diariamente, através da comunicação social ou da internet, as informações mais diversas sobre a mais recente agressão israelita à faixa de Gaza. Trata-se, evidentemente, de um conflito que é apenas a expressão mais recente de uma longa sucessão de eventos naquele contexto, e que têm infelizmente sido inscritos a ferro e fogo na nossa história mais recente. No entanto, é bom dizer que se trata de uma situação que toma contornos particularmente graves. Desde logo porque é o desfecho de um processo iniciado pela retirada das tropas do exército do estado israelita e dos colonatos daquele território (2005), sucedido por um longo bloqueio económico que dura até hoje, mesmo nas actuais circunstâncias humanitárias. Isto é ainda mais grave se tivermos em conta que é um território relativamente pequeno (com uma área inferior à do Algarve), e dos mais densamente povoados do mundo. Algo que se tem dramaticamente revelado pelos bombardeamentos sucessivos por parte do exército do estado de Israel, que têm feito numerosas baixas entre a população civil.
Só estes factos serviriam para justificar a nossa presença em acções de protesto.
O apelo que lanço à comunidade arqueológica é, para lá disso, renovado por outras razões, muito embora tomem parte do mesmo contexto. Com efeito, o estado de Israel tem tomado uma outra ofensiva contra o povo palestino através de atentados sucessivos aos elementos constituintes da sua identidade histórica. Falamos em concreto de uma série de destruições de mesquitas, mausoléus, cemitérios e pequenos núcleos urbanos históricos, que têm ocorrido desde 1948, alguns dos quais para darem lugar à construção de colonatos ou até, imagine-se, equipamentos desportivos. Uma das situações mais recentes, largamente denunciada através do comité palestino no ICOMOS, foi a destruição em Hebron e Nablus (2002) de construções mamelucas e do período otomano (como seja um hammam do séc. XVIII), além de uma série de edifícios tradicionais. Apesar das normas que estabelecem a protecção dos imóveis nos centros históricos, nomeadamente através do impedimento da circulação veículos, as destruições ocorreram totalmente ao seu arrepio, da forma mais brutal: com meios militares. A própria igreja da Natividade, em Belém, já terá sido alvo de snipers.
Será bom lembrar que apesar de a Convenção de Haia (1954) sobre a protecção dos bens culturais em caso de conflito armado ter sido subscrita pelo estado de Israel, os seus preceitos continuam a ser grosseiramente ignorados. A própria situação da Palestina, e daqueles que são considerados os beligerantes (enquanto organizações terroristas, e não estados ou combatentes formais), deixa a sua aplicação num pântano de ambiguidades. Mesmo com os apelos sucessivos da comunidade internacional, das instituições internacionais que se debruçam sobre o património cultural, ou até de iniciativas sugestivas (e naturalmente discutíveis) de diversas entidades, como foi ainda no ano passado da proposta conjunta da Universidade da Califórnia – Los Angeles, e da Universidade da Baixa Califórnia, sobre um acordo entre ambas as partes sobre a gestão do património arqueológico.
Sabemos, pela dura experiência do séc. XX, como a destruição do património cultural de povos e comunidades inteiras, ou a sua transformação por meios violentos, foi tida como instrumento entre grupos em confronto. Não raras vezes com a participação e colaboração de arqueólogos, antropólogos e outros cientistas sociais. Em muitas ocasiões, mais do que a destruição aberta, é a negligência sistemática que está em causa. Os casos também eles recentes, da intervenção do exército dos EUA no Iraque (2003), com o saque do Museu de Bagdade e a destruição de diversos sítios arqueológicos e a sua exposição ao saque, assim como o da segunda guerra do Líbano (2006), estão aí para nos lembrar de tudo isto. No caso da faixa de Gaza não sabemos ainda inteiramente o que se passa, não só porque as comunicações são escassas como as preocupações essenciais das suas populações neste momento são a sobrevivência, pura e dura. Por tudo isso urge o cessar-fogo imediato.
No fim de contas, trata-se da prossecução de um conflito armado por outros meios, e cabe a nós arqueólogos, pelo que nos toca enquanto cidadãos e pessoas de ciência, denunciar estas situações e apelar à sua resolução. Apelar à paz, no fim de contas, porque a vida de um ser humano e o seu bem estar estão acima de tudo.
A todos/as colegas que puderem: apareçam amanhã.
Saudações
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