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[Archport] MNA versus incompetência e má fé

To :   archport <Archport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] MNA versus incompetência e má fé
From :   Rui Boaventura <boaventura.rui@gmail.com>
Date :   Wed, 18 Feb 2009 11:30:44 +0000

A todos os archportianos pede-se a divulgação ampla deste assunto

 

 

DECLARAÇÃO

DO GRUPO DE AMIGOS DO MUSEU NACIONAL DE ARQUEOLOGIA

SOBRE A TRANSFERÊNCIA DO MNA

PARA A CORDOARIA NACIONAL (CN)

16 de Fevereiro de 2009

No passado dia 3 de Fevereiro, o Ministro da Cultura confirmou, na Assembleia da República, que o Museu Nacional de Arqueologia (MNA) será transferido para a Cordoaria Nacional (CN), no âmbito de um acordo celebrado com o Ministério da Defesa (MD), a tutela do Museu de Marinha (MM), e cuja razão de ser radica na urgência de iniciar a construção do Museu Nacional dos Coches num terreno onde ainda estão instalados um conjunto de serviços e armazéns do Ministério da Cultura (MC). Cedendo algumas áreas da CN para instalar aqueles serviços e dispondo-se a receber, no próprio MM, o núcleo de Arqueologia Subaquática do IGESPAR, o MD obteve uma extraordinária contrapartida: o MNA será também transferido para a CN e os Jerónimos oitocentistas deixarão de ser partilhados por dois museus, ficando exclusivamente ocupados pelo MM.

Como decorre do mero enunciado dos termos do acordo, o MNA é aqui equiparado a serviços residuais do antigo Instituto Português de Arqueologia, entretanto extinto, ou a armazéns de alguns dos serviços do próprio MC, susceptíveis de serem transferidos com rapidez para possibilitar a edificação do novo Museu Nacional dos Coches. Ora o MNA é um dos mais importantes museus portugueses, com vastas, pesadas e delicadas colecções que albergam um número significativo de tesouros nacionais. E, ao contrário de outros museus (entre eles o Museu dos Coches) as suas colecções continuam a crescer e nunca puderam ser senão muito parcialmente expostas. Acresce que, sendo cada vez mais visitado por todas as tipologias de públicos, ele continua a cumprir funções didácticas incontornáveis, ao serviço da formação de alunos de todos os graus de ensino. Simultaneamente, continua a ser também um dos mais importantes centros de estudos arqueológicos em Portugal, aberto a professores e investigadores portugueses e estrangeiros que ali dispõem de gabinetes de trabalho, de biblioteca especializada e de laboratórios de conservação e restauro.

Apesar da sua substantiva importância histórica e museológica, quando se reflecte sobre a história recente do MNA, parece que sobre ele paira um manto de abandono pelos poderes públicos, senão mesmo um desejo de aniquilação, prosseguido neste caso, tenazmente, por instigação dos departamentos do Estado que tutelam o MM. Basta recordar alguns factos: em 1960, o Museu de Arqueologia (instalado nos Jerónimos desde 1904) foi obrigado a reduzir a sua área e a perder a sua entrada nobre para ali se instalar o Museu de Marinha, na sequência de uma decisão eminentemente ditatorial, assumida pelo antigo Ministro da Marinha e então Presidente da República, o Almirante Américo Tomás. Já nessa altura se pretendia despejar por completo o MNA dos Jerónimos, o que não foi conseguido devido à vastidão e natureza das colecções e ainda à repercussão negativa de tal medida junto dos meios universitários e até junto de alguma imprensa, não obstante a censura da época. E em Janeiro 1976, logo depois do 25 de Novembro, de novo ressurgiu o espírito corporativo da Armada, desta vez sob a forma de um decreto do Conselho da Revolução, que determinava a entrega ao MM de toda a área dos Jerónimos "não afecta ao culto".

Perante a repetida decisão de fazer sair dos Jerónimos o MNA, sob pressão do MD e seus antecessores, as sucessivas tutelas dos museus nacionais foram somando tíbias decisões, sistematicamente não concretizadas. Recorde-se, apenas, a intenção de construir um edifício de raiz (que, na segunda metade dos anos 1950 teve projecto e localização atribuída no Campo Grande, dentro do perímetro da Cidade Universitária; e mais tarde, nos anos 1980, teve espaço reservado em diversos locais da cidade de Lisboa), a avaliação das possibilidades de o instalar na CN (processo que se arrasta desde o início dos anos 1960), finalmente a elaboração do projecto de requalificação do actual museu, no prestigiado sítio que ocupa há mais de um século. Neste último caso, sucessivos governos do PS e do PSD assumiram publicamente, pelo menos até 2002, que esse projecto seria para concretizar com financiamento do 3º Quadro Comunitário de Apoio, o que, como se sabe, não chegou a acontecer.

A situação presente actualiza, portanto, uma intenção muito antiga do MD, especialmente da Marinha, que é sucessivamente reposta sempre que se entende haver falta de visão estratégica, debilidade decisória ou até carência absoluta por parte do MC, como manifestamente é o caso dada a urgência em libertar o local do futuro Museu dos Coches, aproveitando o espaço da CN.

É perante esta situação que o Grupo de Amigos do MNA (GAMNA) declara o seguinte:

1º Repudiamos a ousadia de se pretender decidir o futuro de um dos mais importantes museus nacionais em função de uma urgência circunstancial. Dos governantes se espera que sejam pessoas de bem e que se informem com seriedade dos dossiês que o acaso das vicissitudes políticas colocam à sua guarda. Ora a decisão de criar, extinguir ou deslocalizar museus da dimensão e da importância objectiva e simbólica do MNA tem obrigatoriamente de ser baseada em política substantiva para o sector, ponderada em função dos superiores interesses da Nação e da sua identidade cultural.

2º Mais concretamente, lamentamos que o actual Governo decida definitivamente inverter políticas reiteradas da última década que conduziram à elaboração do projecto de requalificação e ampliação do MNA no espaço que historicamente ocupa. Por que razões, sobre que novos estudos, com que pareceres técnicos? Como é possível o MC tutelar todo um sector, os museus neste caso, e sistematicamente tomar decisões sem sequer ouvir esse sector e as associações profissionais e cívicas que o representam ?

3º Perante a decisão de transferir o MNA para a CN, consideramos urgente retomar os pareceres especializados elaborados no início da década de 1980 que reiteradamente afirmaram a desadequação dessa instalação, a menos que se intervenha muito profundamente no edifício existente (o que está longe de ser pacífico, já que se trata, ele mesmo, de um imóvel classificado e de considerável valia histórica). Onde estão os meios financeiros para tal? Onde estão os estudos que permitam, com o máximo rigor, decidir que é mais económico instalar o MNA na CN do que fazer construir um museu de raiz?

4º A quem governa não deve, nem pode, ser autorizado tudo, que aliás nem sequer foi previamente contratualizado por via de programa governativo. Por isso existem em todas as sociedades democráticas órgãos de consulta representativos e credíveis. É o que se passa, pelo menos na letra da lei, com o MC. Exigimos por isso que, perante as incertezas existentes, o MC oiça o Conselho Nacional de Cultura, o qual deve ser chamado a pronunciar-se, tendo em conta o programa museológico elaborado pela direcção do MNA e todos os pareceres técnicos reunidos nas décadas anteriores, incluindo os que agora os actualizem.

5º Entretanto, reafirmamos o nosso compromisso para com o Museu de que nos tornámos Amigos. Continuaremos a frequentá-lo no espaço secular que ocupa e onde muitos de nós entrámos pela primeira vez pela mão dos nossos pais e avós. E se, antes de haver condições de mudança para qualquer outro local que seja, houver quem pense em retirar-lhe algumas as áreas actuais (como se diz ser o caso da chamada "torre oca", espaço que sempre esteve abandonado até que há cerca de 15 anos foi colocado sob alçada do MNA e onde, desde então, puderam centenas de milhar de pessoas ver exposições, assistir a espectáculos e conferências, etc.) desde já declaramos e nossa intenção de resistência cívica, através de todos os meios legais ao nosso alcance, inclusive o de acção popular.



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