Lagos debruça-se sobre o mar e reduz para metade a largura da avenida marginal
Público, 09.03.2009, Idálio Revez
Zona ribeirinha volta a ser o centro da vida da cidade, valorizado com achados arqueológicos da época dos Descobrimentos. Automóveis ficam em parques subterrâneos com 900 lugares
Ao revolver as lajes da zona ribeirinha de Lagos, os arqueólogos descobriram a antiga cidade do Infante D. Henrique virada para o mar.
Resgatar o património que ficou enterrado com a construção da Avenida dos Descobrimentos, na década de 40, é o objectivo da operação que está agora a ser levada a cabo no âmbito do programa Polis.
Um cais do século XVII, duas portas de acesso à cidade e uma muralha entre o
Palácio dos Governadores e a messe militar constituem os vestígios mais
significativos, detectados no decorrer de uma intervenção urbanística que visa
criar mais 900 lugares em dois parques de estacionamento subterrâneos e alargar
o espaço pedonal na orla marítima.
A requalificação da zona ribeirinha, um investimento de 2,2 milhões de euros,
faz parte da terceira e última fase do programa Polis, que conta com 5,5 milhões
de euros de orçamento total, dois terços dos quais comparticipados pela
administração central. A criação do "anel verde" (Parque da Cidade) e a recuperação do núcleo primitivo do centro histórico foram as
duas fases anteriores. Para completar o projecto, sublinha o presidente da
câmara, Júlio Barroso (PS), falta passar para a posse do município o edifício
Mercado dos Escravos, "em poder da messe militar, a fim de aí se instalar
um pólo museológico dedicado à escravatura". As negociações, diz, "já
duram há algum tempo", deixando entender que o Ministério da Defesa não
parece disposto a ceder as instalações.
A maior parte do troço das muralhas diluiu-se na paisagem urbana para quem
passa pela Avenida dos Descobrimentos. O que sobressai é um muro pintado de
amarelo, sem o devido enquadramento histórico. A este propósito, a arqueóloga
Elena Morán observa: "As pessoas vão de carro e nem olham para o lado, e
há tanta coisa interessante para descobrir". As primeiras evidências de
urbanismo em Lagos, na área do actual centro histórico, remontam ao período
romano imperial. Porém, é a história ligada ao Infante D. Henrique, com alguns
mitos à mistura, que mais atrai os turistas. Aqui foram vendidos os primeiros
escravos negros chegados da África ocidental. A promoção da cidade, diz Júlio
Barroso, "passa por assumir o passado em toda a sua dimensão, e valorizar
também o património imaterial".
Os dois parques de estacionamento - Parque da Avenida (frente ribeirinha) e
Parque da Cidade (Praça das Armas) - representam um investimento de 15,7
milhões de euros, a desenvolver por uma parceria público-privada. O primeiro
tem dois pisos abaixo do solo e o segundo três. À superfície pretende-se
valorizar o espaço, criando roteiros culturais que mostrem como se fazia no século
XVII o acesso marítimo-fluvial à cidade - numa primeira fase por um cais e
depois através de duas portas.
A intervenção urbana, refere Elena Morán, foi acompanhada em permanência pela
arqueologia, "e os projectistas integraram os achados como elemento de
valorização do espaço". Aliás, sublinha, "antes do início dos
trabalhos fizeram-se as escavações para diagnóstico arqueológico". A
recuperação do espaço, conclui, "permitirá a valorização de vestígios que
estavam até agora pouco dignificados ou mesmo invisíveis, por se encontrarem
enterrados".
A requalificação da frente ribeirinha vai implicar que a Avenida dos
Descobrimentos fique reduzida a metade, passando a ter apenas duas faixas de
rodagem. Júlio Barroso diz que o objectivo é "devolver a cidade ao mar,
criando mais espaço para as pessoas usufruírem de um lugar com história". O
reencontro com o cais da ribeira, enfatiza, "é mais um elemento para a
consolidação da imagem de Lagos, cidade dos Descobrimentos".
A câmara criou incentivos para os promotores imobiliários valorizarem os
achados arqueológicos como parte integrante do património em vez de os
esconderem das autoridades. A lei estabelece que compete ao proprietário pagar
as prospecções arqueológicas quando são encontrados vestígios. O município
aprovou um regulamento que prevê a dedução, nas taxas municipais, de 80 a cem
por cento do montante que gastou com as escavações. Apenas oito das 16 câmaras
algarvias contam arqueólogos nos seus quadros de pessoal.
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