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[Archport] Igespar sai em defesa de achados no Terreiro do Paço

To :   archport <archport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] Igespar sai em defesa de achados no Terreiro do Paço
From :   Alexandre Monteiro <no.arame@gmail.com>
Date :   Sun, 19 Apr 2009 08:59:07 +0100

Igespar sai em defesa de achados no Terreiro do Paço



Público, 19.04.2009, Ana Henriques



Pressa em terminar obras em curso pode comprometer descobertas
arqueológicas importantes. Antiga escadaria vai ficar à vista

Era uma manhã desagradável para passear à beira-rio. O céu cinzento e
o ar húmido teriam de bom grado levado o director do Instituto de
Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar) a optar
pelo conforto do seu gabinete no Palácio da Ajuda. Mas, perante o que
se havia passado escassas 12 horas antes no Terreiro do Paço, Elísio
Summavielle não teve outra escolha senão descer até à margem do Tejo
acompanhado por arqueólogos, para perceber até que ponto a pressa do
empreiteiro que está a fazer as obras de saneamento não tinha
danificado irreversivelmente vestígios ali encontrados esta semana.

"Suspirámos de alívio", descreve o responsável pela arqueologia
náutica e subaquática do instituto, Francisco Alves. "Apesar de terem
avançado com as máquinas sobre os vestígios sem autorização da tutela,
estes já haviam sido registados [por desenho e fotografia] pelos
arqueólogos que acompanham a obra". Além disso, continuava de pé uma
escadaria em pedra, velha de vários séculos, que apareceu defronte do
torreão poente da Praça do Comércio. Um poderoso anel metálico cravado
a meio dos degraus atesta uma das suas funções - a amarração de
barcos.

A escadaria estava enterrada e ninguém sabia da sua existência até as
obras em curso a resgatarem ao passado. Irá agora ser desmontada para
abrir caminho à passagem da conduta do esgoto, mas mais tarde ficará à
vista de toda a gente, já que será remontada no lugar onde apareceu. À
primeira vista parece fazer parte da amurada do Cais das Colunas. Os
arqueólogos garantem que não, que poderá ser da época dos
Descobrimentos.

Vandalismo ou não?

Quanto aos achados destruídos pelo empreiteiro sem autorização do
Igespar - restos de um cais de pedra prolongado por pontões de madeira
assentes em estacaria -, o especialista em arqueologia náutica e
subaquática fala da sua raridade, embora admita que a sua preservação
seria impossível, uma vez que inviabilizaria a obra em curso. "Se
estivesse numa conversa de café, diria que aquilo que se passou foi
vandalismo", observa.

Depois de verem afluir ao local de cada vez mais arqueólogos
entusiasmados, com máquinas fotográficas, os operários agiram: na
quinta-feira cerca das 21h00 arrasaram tudo, ainda sem terem licença
do Igespar para o fazer. Contido nas palavras, Elísio Summavielle fala
em "precipitação" do empreiteiro. O PÚBLICO tentou, sem sucesso,
contactar a empresa em causa, a Teixeira Duarte.

"Antes de haver autorização do instituto, não pode haver desmontagem e
já chamei a atenção para esse facto, Felizmente não houve danos para o
património", refere o mesmo responsável. Os arqueólogos chamam
desmontagem à destruição de um vestígio quando ela é precedida do seu
registo fotográfico ou desenhado. Summavielle e a sua equipa estiveram
com o dono da obra, a empresa intermunicipal Simtejo, para que
episódios como este, puníveis por lei, não se repitam. Para
terça-feira está agendada uma reunião entre responsáveis da autarquia,
do Igespar e das empresas envolvidas nas obras em curso na zona. Em
cima da mesa estarão não só as questões relacionadas com a arqueologia
como as dos prazos: o presidente da câmara, António Costa, prometeu
que os transtornos que os trabalhos estão a criar aos automobilistas
durariam quatro meses, mas a necessidade de alterar alguns projectos
para preservar os vestígios arqueológicos pode fazer com que as obras
se prolonguem para lá de Junho. "Por vezes a pressa é inimiga do
património", constata Elísio Summavielle.

Um dos projectos que será preciso alterar será o da EPAL. A empresa
aproveitou as obras de saneamento para substituir um troço de 640
metros de uma conduta de água entre o Terreiro do Paço e a Ribeira das
Naus. Acontece que também aqui os arqueólogos depararam com vestígios
que, embora menos espectaculares do que a escadaria, entendem ser
igualmente de preservar. Trata-se de um antigo muro de contenção da
margem do rio, que se prolonga por cerca de 20 metros. Irá permanecer
enterrado, tendo o Igespar dito à EPAL que desviasse a conduta pelo
menos 20 centímetros do vestígio arqueológico.

No caminho da conduta

A empresa não comenta: depois de ter passado vários dias a garantir
que tinha licença do instituto para destruir o muro, remete agora
qualquer declaração para depois da reunião na câmara. Ainda na zona da
Ribeira das Naus foi encontrado uma segunda estrutura de pedra,
perpendicular ao rio e provavelmente da época anterior ao terramoto de
1755. O Igespar admite que possa vir a ter de ser atravessada pela
conduta da água.

Muita da excitação dos arqueólogos com tudo o que estão a descobrir
enterrado à beira-rio tem que ver com o facto de várias destas
estruturas portuárias estarem representadas em antigos mapas e
gravuras da cidade de Lisboa. Seriam imagens fiéis da metrópole
portuária do século XVII? Ninguém sabia. Até hoje. O director do
Igespar apela à Câmara de Lisboa para que, terminadas as escavações,
sejam divulgadas as descobertas feitas, "para que tudo o que está ali
debaixo não fique nas gavetas dos peritos".

Por mares nunca dantes navegados



19.04.2009

Zona entre Cais do Sodré e Terreiro do Paço esteve sempre ligada a
actividades navais e portuárias



Foi no local a que hoje chamamos Ribeira das Naus - um aterro roubado
ao rio - que funcionou um gigantesco estaleiro de construção naval
entre os séculos XVI e XVII. Neste complexo industrial, como lhe chama
José Mattoso na sua História de Portugal, tanto se faziam trabalhos de
carpintaria como se trabalhava na cordoaria e na confecção de velas.
Era nas areias desta praia que cresciam os esqueletos de madeira do
cavername das naus. A área "era delimitada pelos edifícios onde
estavam instalados os organismos fundamentais ao apetrechamento de
cada armada da Índia", refere Mattoso. Ali ao lado, no Terreiro do
Paço - outro pedaço de terra conquistado ao Tejo -, tudo era também
muito diferente do que conhecemos hoje: havia uma construção grande e
longilínea perpendicular ao rio com um grande torreão, o Paço da
Ribeira, onde o rei D. Manuel e a corte se instalaram em 1503. Do
palácio podia observar-se a actividade dos estaleiros.

Com o objectivo de acrescentar mais nobreza à praça do poder, D.
Sebastião mandou construir uma grande basílica no local, ideia que
acabou por não vingar: Filipe II manda abortar a obra e ergue um
torreão a partir de um fortim do tempo de D. Manuel. O Paço da Ribeira
sucumbiu ao terramoto de 1755. Os vestígios agora encontrados não são
os primeiros a confirmar as actividades navais e portuárias da zona.
Em meados dos anos de 1990, escavações do túnel do metro depararam com
restos de navios, um do séc. XV e outro do séc. XIV. Os especialistas
disseram que esta última embarcação era "o mais antigo destroço de
navio de tradição ibero-atlântica conhecido à escala mundial".

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