Arqueologia
Nova escultura da Vénus com 35 mil anos é a mais antiga representação humana
Público, 13.05.2009 - 21h01 Nicolau Ferreira
Quando se olha para a nova Vénus de
Hohle Fels é impossível não nos lembrarmos da fotografia icónica da arte
figurativa pré-histórica — a Vénus de Willendorf, descoberta na Áustria
em 1908 e que tem 28 mil anos. A nova figura feminina tem as proporções dos
caracteres sexuais femininos ainda mais exageradas e estima-se que foi
esculpida há mais de 35 mil anos.
“Não há nenhuma dúvida de que a representação de um peito aumentado, das
nádegas e genitália acentuadas resultam de um exagero deliberado das
características sexuais da figura”, disse Nicholas Conard no artigo
publicado hoje na revista Nature. O investigador da Universidade de Tubinga
(Alemanha) estudou detalhadamente a figura, que foi um dos seis fragmentos de
marfim encontrados em Setembro de 2008 no Sudoeste da Alemanha.
A descoberta foi feita nas grutas de Hohle Fels em estratos do Paleolítico
Superior, poucos milhares de anos depois dos primeiros Homo sapiens sapiens
— o homem moderno — terem colonizado a Europa. A escultura, que tem
menos de seis centímetros e 33 gramas, é a representação mais antiga conhecida
de arte figurativa.
“É incontornável que a Europa tem as manifestações artísticas figurativas
mais antigas”, disse ao PÚBLICO Mariana Diniz, arqueóloga e professora da
Faculdade de Letras de Lisboa.
O que há de especial no continente que não existia no Médio Oriente ou em
África, onde populações geneticamente idênticas existiam há mais tempo? Uma
pressão maior nas populações humanas a nível climático, devido à era glaciar
que se vivia, refere. Mas “como é que estas coisas se cruzam ainda não se
sabe”.
As populações humanas que viviam nesta altura no centro da Europa tinham, diz
Mariana Diniz, “um grau cultural considerável”. Eram sociedades de
caçadores-recolectores segmentadas em grupos de cerca de 25 pessoas, com ritmos
de deslocação certos e que trocavam frequentemente ideias, objectos e
experiências.
Foi neste contexto que a Vénus de Hohle Fels terá sido esculpida. O que
continua a ser controverso é o porquê a sexualidade feminina exacerbada.
“A representação clara das características sexuais sugere que são uma
expressão directa ou indirecta da fertilidade”, defende Conard no artigo.
Como a Vénus de Willendorf, não são só certas características que estão
sobrevalorizadas, partes anatómicas como os pés e pernas são minimizadas. A
cabeça, neste caso, transforma-se num pequeno anel que parece servir para pendurar
o objecto. Mariana Diniz avança com o nome de “amuleto erótico”, no
qual “a cabeça, que seria aquilo que individualizava as pessoas, não está
lá.”
Uma das características destas figuras é a representação da gordura. Muitas
vezes é tão realista que os investigadores defendem que quem esculpiu terá de
ter visto alguém com um nível de obesidade raro nestas sociedades. Isto,
segundo Mariana Diniz, mostra que a gordura era apreciada, talvez porque a
obesidade era algo que não se tinha e podia estar associada “ao poder,
aos que não têm de trabalhar”.
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