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[Archport] Acerca de James Cuno. Paradoxos de paradigma.

Subject :   [Archport] Acerca de James Cuno. Paradoxos de paradigma.
From :   Manuel Castro Nunes <arteminvenite@gmail.com>
Date :   Fri, 15 May 2009 19:05:15 +0100

Acerca de James Cuno. Paradoxos de paradigma.

 

 

Em recente mensagem remetida para archport pelo Professor José d’Encarnação, Virgílio Hipólito Correia reclama com toda a oportunidade a atenção para o facto de a obra recente de James Cuno, Who Should Own the World's Antiquities?, Princeton University Presses, 2008, bem como a intensa polémica que desencadeou, tanto em ambiente académico como mediático, um pouco por todo o mundo, não ter recebido eco entre nós.

Interessa desde já notar que a obra de Cuno suscitou múltiplas perspectivas de abordagens, que se podem sintetizar, sem pretendermos ser redutores, em tês tomadas de atitude: a de refutação, a de adesão, a de hermenêutica do conteúdo ideológico referido aos tópicos de paradigma da modernidade e da globalidade.

Interessa também desde já notar que James Cuno é uma personalidade com surpreendentes dotes de mobilização mediática, a que subjaz uma fulgurante carreira na área da museologia. Para citar as mais relevantes distinções, foi Presidente da Associação dos Directores dos Museus de Arte dos Estados Unidos, Professor e Director do Instituto Courtald de Arte, Professor e Presidente do Instituto de Arte de Chicago, Professor e Director do Instituto de Arte da Universidade de Harvard. É, de resto, este estatuto e o impacto da sua capacidade mediática de intervenção que temos que trespassar para proceder a uma análise ponderada das suas inovadoras propostas.

De resto, as propostas divulgadas na recente e referida obra têm um itinerário de intervenção consequente, desde pelo menos 2004, expressas em diversos contextos e de várias formas. Em 2005, em representação da Associação dos Directores de Museus de Arte dos Estados Unidos da América, é ele que responde à interpelação dirigida pela República Popular da China, a propósito do pedido de repatriamento de várias obras de arte alojadas em Museus Americanos.

A mais crucial questão que Cuno coloca, do ponto de vista doutrinário pode sintetizar-se no seguinte axioma: como é que o paradigma da modernidade e da globalidade se coaduna com certas formulações da doutrina que suporta a reivindicação da propriedade de uma certa comunidade ou nação, ou estado, sobre os vestígios do seu passado e da sua cultura? Em suporte desta questão, coloca ainda outra, que legitimidade tem um estado ou nação para invocar a continuidade cultural ou civilizacional com as comunidades que o procederam na presença num dado território. Exemplificando, que continuidade pode a República Popular da China invocar relativamente às comunidades que sobreviveram durante milénios no Tibete? Ou, referenciando uma das sedes de mais apelativa refutação de Cuno, as nações africanas, que continuidade existe entre o actual Estado da Nigéria e a civilização(?) Nok?

Eu sou assumidamente um crítico do paradigma da modernidade, de uma certa modernidade, bem como da globalidade ou globalização, sobretudo como entidade de agressão à identidade e diversidade cultural, propulsionada por mecanismos que são mais suscitados por interesses de internacionalização dos mercados, do que aproximação solidária das comunidades. Mas muitas das reflexões que a obra de Cuno suscita do ponto de vista da mera ponderação doutrinária, destaca o papel que a dispersão e difusão, ou circulação transterritorial, da criação artística desempenha como promotores do respeito, do reconhecimento e da valorização da identidade cultural do outro, como categoria da antropologia cultural.

Independentemente de deixar, ou reforçar, o alerta de que a obra de Cuno não pode deixar de ser exaustivamente comentada e debatida entre nós, gostaria de ressalvar para já a ideia de que a sua refutação não pode deixar de associar-se à reflexão sobre os tópicos mais paradoxais do paradigma da globalidade, ou de uma certa ideia de globalidade. Não vejo como refutarão Cuno os arautos de uma certa ideia de globalização.

Para além deste alerta, coloco ainda apenas uma questão que associa os temas do património nacional, ou alojado em território nacional, à formulação doutrinária de Cuno ou à sua refutação.

E se as colónias sob domínio português durante séculos exigissem a devolução do património etnográfico programadamente recolhido em resultado das campanhas de Jorge Dias e da sua equipa, que constituem o espólio do Museu Nacional de Etnologia?

Talvez a obra de Cuno, que, a bem dizer, não me surpreendeu de forma alguma, era uma questão de tempo, deva de facto suscitar um sereno e exaustivo debate entre nós.

Será mesmo salutar iniciar esse debate pela divulgação dos episódios e das intervenções em que se insere, as que a precederam e as que suscitaram.

 

Manuel de Castro Nunes



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Manuel de Castro Nunes

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