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Re: [Archport] Categorias do direito ordinário

To :   Manuel Castro Nunes <arteminvenite@gmail.com>
Subject :   Re: [Archport] Categorias do direito ordinário
From :   Alexandre Monteiro <no.arame@gmail.com>
Date :   Sun, 17 May 2009 22:13:50 +0100

Caro Manuel Nunes,

Se a Lei não tivesse ambiguidades, não haveria trabalho para advogados nem para os juristas que fazem da emissão de pareceres o seu ganha-pão.

Como eu disse anteriormente, o que é necessário é que se pare com a destruição/devastação/pilhagem quando presenciamos a sua ocorrência. O resto, a sua definição em termos legais, deverá ser dirimido em sede de tribunal.

2009/5/17 Manuel Castro Nunes <arteminvenite@gmail.com>

Caro Alexandre Monteiro, Caro Professor Francisco Sande Lemos.

 

Volto a este assunto, que acaba apenas por ser um entre muitos episódios circunstanciais, que se continuarão a reproduzir se a nossa intervenção não se remeter para uma plataforma de abordagem estruturada de vários tópicos envolvidos, porque surge como uma exemplar ocorrência que nos permitirá distinguir muitas categorias de inserção distintas. Um case study, com ironia, em solidariedade com a última intervenção do Professor José d’Encarnação.

Primeiro que tudo, apenas uma adenda ao comentário de Alexandre Monteiro. A questão da intenção é uma armadilha jurídica. Dou-lhe um exemplo: se circular na auto-estrada, pela faixa da esquerda, separada da da direita por um traço contínuo, ou não, com um automóvel visível a circular na faixa contígua e, subitamente, se introduzir na faixa da direita, provocando o embate e o dano sobre o automóvel alheio, estaria na circunstância de prática de dolo necessário, que insere na categoria de crime sujeito às consequências penais correspondentes. E até estarei de acordo consigo, mas dê-me um exemplo de que tais procedimentos tenham sido aplicados.

Outra armadilha é a da visibilidade, visitabilidade, ou exposição. Não é o caso da ocorrência que estamos a comentar, porque se tratava de imóvel classificado, a intervenção é iniciativa de uma entidade pública que tinha como obrigação ter esse conhecimento e a interpelação do pároco e do Professor Sande Lemos bastariam para tornar a eventualidade de dano visível. Mas poderia não ser o caso. Grande parte dos sítios arqueológicos classificados, ou não, não são propriamente visíveis, não estão expostos, dificilmente se poderiam enquadrar na categoria ou denominação de vistável. Na maior parte dos casos por incúria, ou desleixo. Mas caso é para questionar em que circunstâncias uma obra de iniciativa de uma entidade pública pode prescindir de um EIA.

Bem, mas, para lá das suas próprias, a legislação ordinária pode verter muitas ambiguidades na legislação específica que incide sobre o património cultural.

 

Mas vamos tentar ordenar algumas categorias:

Devastação. O caso em comentário cabe com toda a propriedade neste alcance. Da devastação podem decorrer as circunstâncias que suscitam a pilhagem, em escombros, por exemplo. Nestas circunstâncias dificilmente se poderia alegar a não visibilidade, para quem pilhasse, embora, como bem observa o Professor Sande Lemos, ela pudesse persistir para quem vigia e protege.

Pilhagem. Para lá de vários aspectos circunstanciais e de contexto em que se pode verificar uma pilhagem, que são matéria da especificidade processual e que compete ao magistrado ponderar, a pilhagem distingue-se da devastação porque o seu motus é a apropriação do alheio, ou do comum, pelo que não se distingue substancialmente do furto.

Bem, a pilhagem de bens em contexto de jazida arqueológica, envolve necessariamente a devastação, em maior ou menor grau, a bem dizer um tipo específico de devastação que não se distingue substancialmente do arrombamento. Embora possa ser consequência de uma devastação. É necessário tipificar as condições em que uma devastação, não sendo todavia desencadeada por esse motivo, tinha já na sua origem associação à eventualidade de posterior pilhagem. Esta ocorrência não é retórica.

Resta, nesta primeira abordagem referir ainda as figuras de cumplicidade ou responsabilidade solidária, na ocorrência do crime. Se ao Estado, ou a outra entidade pública ou privada, compete, por disposição legal inequívoca, o dever de preservar e proteger o património cultural público, mobilizando para tal os dispositivos adequados, se estes atentados decorrerem da ausência do cumprimento desse dever, o Estado devia responder solidariamente, ou em cumplicidade, na matéria criminal. Do mesmo modo, o titular privado da propriedade ou da posse sobre um bem patrimonial cultural classificado, um Monumento Nacional, por exemplo, porque o dever de protecção também a ele se aplica.

Bem, mas outra questão crucial prende-se com a definição rigorosa dos objectos que podem ser vítimas dos dolos aqui tipificados. E em que circunstâncias e condições se devem encontrar para responder a estas categorias.

Afinal, a complexidade da matéria da aplicabilidade dos dispositivos legais só persiste porque não se desmembram as ambiguidades que continuam a residir no aparato legislativo, bem como no discurso corrente e na interpretação que sobre ele incide. Proporia até a ideia de que a legislação específica de protecção do património de produziu a latere da legislação ordinária. Fica matéria para outros comentários.

Mas insisto na ideia de que, se o Estado curasse mais de suscitar os contextos de solidariedade das comunidades com o seu património, criando mecanismos de proximidade, patilha, vigilância, desfrute, os dispositivos penais seriam dispensáveis. E este é o objectivo culturalmente aceitável numa sociedade estruturada.

Espero sinceramente que as múltiplas intervenções que ocorreram durante este fim de semana, por todo o país, no contexto da comemoração do Dia Internacional dos Museus, possa contribuir significativamente para a prossecução deste objectivo. Embora qualquer um me possa responder que dia dos museus e do património deveriam ser todos os trezentos e sessenta e cinco de cada ano, acrescendo um por cada bissexto.

 

Manuel de Castro Nunes



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Manuel de Castro Nunes

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