Lista archport

Mensagem

Re: [Archport] O que distingue um arqueólogo (profissional ou amador) de um salteador

To :   "NOSTRAE SPES VNICA" <nostrae.spes@gmail.com>, <archport@ci.uc.pt>
Subject :   Re: [Archport] O que distingue um arqueólogo (profissional ou amador) de um salteador
From :   Carlos Jorge Gonçalves Soares Fabiao <cfabiao@fl.ul.pt>
Date :   Tue, 2 Jun 2009 12:48:57 +0100

O que distingue um arqueólogo (profissional ou amador) de um salteador

Para que não se instalem ou persistam dúvidas, esclareça-se de um modo muito esquemático e linear:

1. Um arqueólogo (profissional ou amador) é um estudioso do passado.
2. Um arqueólogo (profissional ou amador) estuda contextos arqueológicos ou artefactos em contexto, recorrendo, por isso, aos métodos adequados de registo e recolha.
3. Um arqueólogo (profissional ou amador) não desenvolve (por norma) relações fetichistas com os artefactos arqueológicos, nem se apropria deles. Utiliza-os / estuda-os como fontes históricas e deposita-os em lugares apropriados para a sua adequada preservação, disponíveis para outros estudiosos ou simples curiosos.

A profissão de arqueólogo é uma realidade recente e pode resumir-se, basicamente, na fórmula: é profissional de arqueologia todo aquele que possui uma formação e treino específico para realizar trabalhos arqueológicos. Em todos os trabalhos arqueológicos participam pessoas que não têm formação e treino específico para realizar trabalhos arqueológicos, devendo por isso mesmo ser devidamente enquadrados por quem tem competência reconhecida para o fazer.

Descendo a realidades mais prosaicas. Em Portugal, inúmeras pessoas a título individual ou associadas (por exemplo, em Associações de Defesa do Património, normalmente de âmbito local) desenvolveram actividades que caracterizamos como arqueológicas, independentemente de terem formação e treino específico para o fazerem. Será ainda possível e desejável, creio, haver espaço para tal. Por exemplo, o projecto IPSIIS http://www.ipsiis.net/pt_index.htm, constitui um projecto de detectoristas, devidamente enquadrado e supervisionado. Pelo que vejo no seu website, a sua área de intervenção circunscreve-se a depósitos de praia resultantes de dragagens e as suas actuações são  publicamente divulgadas. Assim, está devidamente salvaguardado o contexto geográfico de recolha e sabe-se que se trata de objectos fora de contexto primário, pelo que a sua recolha não destrói contextos primários de deposição e os dados recolhidos são amplamente divulgados, presumindo-se que existe também uma monitorização do destino final desses artefactos. Não vejo nenhum inconveniente ao desenvolvimento de um projecto com estas características que tem ainda a vantagem de permitir o exercício do hobby do detectorismo em circunstâncias perfeitamente legais.

Alguém que visita sítios arqueológicos (com ou sem detector de metais) retira artefactos do terreno sem o devido registo e monitorização, truncando informação fundamental de diagnóstico, realiza acções intrusivas, destruindo contextos de deposição, se apropria ilicitamente de artefactos e sonega essa informação aos demais só pode ser considerado um salteador, nunca um ?arqueólogo amador?. Acho importante que se separem as águas e se usem as designações apropriadas.  



-----Mensagem original-----
De: archport-bounces@ci.uc.pt em nome de NOSTRAE SPES VNICA
Enviada: seg 01-06-2009 20:45
Para: archport@ci.uc.pt
Assunto: [Archport] "Moeda bizantina com 15 séculos encontrada na zona de Belém"
 
 Saudações aos leitores.

Saudações especiais ao projecto ipsiis.

                Abstract:

                This opinion examines the impacts of the current Portuguese
legislation regarding archaeological and patrimony studies. I clarify the
process by which archaeological dissertations are affected due to this
blocking legislation. Amateur archaeology and several hobbies related are an
important link to improve modern knowledge about ancient cultures. Hundreds
of studies and written thesis could be improved or contested by amateur
finds. Without this broken link, history will be less accurate. Trying not
to be another opinion maker, solutions to this problem are presented using a
topical approach.

                Citação:

                «"É a primeira moeda desta época e deste tipo que aparece
numa escavação em Portugal", declara o arqueólogo da Faculdade de Letras,
que está a dirigir um projecto de investigação dos achados recolhidos nas
imediações da Torre de Belém em 2006.»

Refuta-se esta afirmação. Na verdade existe uma "burka" legislativa em
Portugal que deixa ilegitimamente algumas pessoas aproveitarem-se da
ignorância reinante por elas e por sua classe criada, permitindo o constante
aparecimento deste tipo de afirmações caricatas na comunicação social.
Olhando a descrição jornalística e atendendo à marca monetária "?", tudo
indica tratar-se de um vulgar numisma de 5 nummi cunhada em nome Justiniano
I, imperador bizantino entre 527 e 565 d.C.

Inúmeras vezes escavada em Portugal, no dia em que este regime arqueológico
com tiques autoritários ruir e a "burka" for finalmente levantada, muitas
objectos "desconhecidos" aparecerão, entre estes, alguns das terras do Nilo,
outra "inverdade" ou mentira derivada da ignorância, deixada transparecer
durante comentários ao espólio arqueológico do BPN.

Os amadores ajudarão e ensinarão os doutores, inclusivamente vão ensinar
para além de catalogar e enquadrar, como acondicionar e conservar.

É senso comum e demonstra-se nos diversos actos praticados noutras nações
europeias que o maior acervo de património móvel e de material para estudo
das culturas que usufruíram de determinados territórios, está no achamento
esporádico e descontextualizado, não nas escavações de Villas, necrópoles e
grutas. Não havendo capacidade económica das nações para salvaguarda de todo
o património, procuram-se soluções para este problema baseadas no
voluntariado e na arqueologia amadora com especial atenção para os hobbies
directamente relacionados com esta prática. Pondo de parte os ultrapassados
dogmas arqueológicos, este é actualmente e de forma racional o caminho
correcto.

Irracionalmente terá que se desenrolar uma fita amarela de Caminha a
Bragança virando 90 graus em direcção a Vila Real de Santo António,
começando de imediato o processo de classificação do país como um todo.
Deste modo continuará o marasmo cultural, interrompido esporadicamente por
alguns brilharetes na imprensa, ultimamente dotados de demasiadas
imprecisões. Continuará a existir a dinastia dos donos, senhores,
estudiosos, fazedores de opinião e ao mesmo tempo críticos do património e
respectivos estudos elaborados como se tratassem de deuses do Olimpo.
Enquanto Deus, o todo-poderoso quiser, haverá sempre ao longo da história um
mero mortal com mais alguma coisa a acrescentar, apontando o dedo ao rei que
vai nu. Pensar minimamente, reflectir extremamente, precisa-se urgentemente.
Há espaço neste país para o pico e para o pincel, para o doutor fazer mais
um dos seus "papers" e para o arqueólogo amador ajudar e ser ajudado, ser
criticado e criticar os profissionais, sem nunca os substituir.

Deve ser revista a legislação vigente que não passa de um reduto bloqueante,
sendo criado um projecto a nível nacional semelhante ao projecto ipsiis, a
engrenagem fundamental passa por uma base de dados online, os oficiais de
ligação por óbvia falta de verba seriam os arqueólogos municipais, ajudados
pelos arqueólogos amadores na inventariação e fotografia do espólio. Deverão
existir regras bem delineadas para a aquisição de espólio sobre o qual o
estado português demonstre interesse, será avaliado por uma comissão
independente e o processo tutelado por uma identidade credível como é o caso
do MNA. Os objectos inventariados não poderão ser vendidos para o
estrangeiro sem autorização prévia das entidades tutelares.

Desta forma serão produzidos mais e principalmente melhores artigos
científicos, travar-se-á o tráfico de antiguidades e poderá promover-se um
maior contacto entre a população e a cultura, o vector é o arqueólogo amador
que passará palavra a amigos, familiares e conhecidos, contando histórias
fabulosas de árabes e romanos e ao mesmo tempo mostrando como alguns deles
prendiam as togas com verdadeiras fíbulas, ou quem sabe como esfolavam um
javali com uma autêntica lâmina da época. É difícil uma boa visita guiada
num museu ou espaço arqueológico, por vezes o cobrador de bilhetes é também
historiador, a história faz-se de histórias, este é o maior agrupamento de
oportunidades da arqueologia portuguesa. Não necessitamos de incorrer no
erro italiano que está a contratar arqueólogos amadores ingleses para
escavações oficiais.

NOSTRAE SPES VNICA


Mensagem anterior por data: [Archport] moeda bizantina de Belém Próxima mensagem por data: [Archport] Excentricidades ou casos de polícia ?
Mensagem anterior por assunto: [Archport] "Moeda bizantina com 15 séculos encontrada na zona de Belém" Próxima mensagem por assunto: [Archport] "Monsaraz: Reconstruir a Memória" (História do restauro, da construção da imagem e da patrimonialização de Monsaraz ao longo do século XX),