[Archport] FW: Diálogos sobre o detectorismo
Caros Archportianos:
na sequência do meu post anterior, fui contactado por um leitor da webpage que se apresenta como "detectorista" (passe o neologismo), com quem troquei mensagens.
Porque o tema me parece de interesse geral e porque o meu interlocutor assim o autorizou, tomo a liberdade de partilhar a troca de mensagens, esperando assim poder contribuir para alargar o âmbito deste debate.
Cordiais Saudações e Votos de bons Feriados
Carlos Fabião
-----Mensagem original-----
De: Detectoristas Portugal [mailto:detectoristasportugal@gmail.com]
Enviada: ter 09-06-2009 17:35
Para: Carlos Jorge Gonçalves Soares Fabiao
Assunto: Re: textos Archport
Excelentíssimo Sr. dr. Fabião
Permita-me antes de mais agradecer-lhe o seu contacto e as suas palavras que com tanto apreço as recebi.
Fico-lhe igualmente grato pela sua boa vontade em publicar o meu e-mail no archport. Quero com isto dizer que autorizo o caro dr. Fabião a publicar o e-mail que lhe enviei, motivo pelo qual agradeço a sua disponibilidade e ajuda.
Pedia-me o Sr. dr. Fabião, que citasse exemplos ou casos de detectoristas que tenham declarado artefactos às entidades competentes. Temo não corresponder nesse ponto às suas expectativas. Eu tenho realmente conhecimento da entrega de artefactos por parte de colegas detectoristas mais "destemidos", mas a entrega desses artefactos é feita sempre tendo em vista a "integridade judicial" dos mesmos. Quero com isto dizer, que os artefactos são entregues como a designação "achados fortuitos" e é isso que consta nos comprovativos de entrega, que são posteriormente enviados aos declarantes. Isto acontece devido ao artigo primeiro da lei 121/99. Como de certo o Sr. dr. Fabião concluirá, declarar artefactos referindo que os mesmos foram encontrados com o recurso a detectores de metais, poderia certamente daí advir uma situação complicada para o declarante. Por outro lado, tenho mesmo algumas dúvidas se o IPA colocaria na descrição dos objectos a sua proveniência pelo método de detecção, o que para um detectorista, sejamos sensatos acaba por ser desmoralizador.
É devido a situações como estas que leva a que nós, detectoristas, a querer colaborar em projectos de cooperação com as entidades nacionais e,ou locais de arqueologia. Estou certo, Sr. dr. Fabião, que quando isso for possível iremos então poder praticar o nosso detectorismo com tranquilidade, sabendo que a sua prática e o modo como o mesmo é encarado pela sociedade, irá corresponder a algo francamente positivo. Tal situação para um detectorista conta muito.
Existe portanto a vontade de colaborar em eventuais projectos que o caro dr. Fabião referiu no seu e-mail. É esse um dos nossos desejos. Tudo aquilo que eu tenho dito ao longo destes dois e-mail's, é o modo como eu e um grupo de detectoristas pensamos que será o método "ideal" para a prática do detectorismo em Portugal. Salvo claro, melhor opinião e honrando sempre a opinião alheia, que de certo existirá.
Consideramos que num futuro a médio prazo, também se irá impor a criação de uma associação de detectoristas, com personalidade jurídica, orientada por estatutos que visem a cooperação com as entidades de arqueologia, e a salvaguarda do nosso património como principais objectivos. O desejo de haver algo de concreto, só será possível quando os detectoristas saírem da obscuridade que o dr. Fabião também referiu. A existência dessa união, esse é claramente um dos meus principais objectivos enquanto detectorista.
Para terminar, resta-me referir que farei o que o Sr. dr. solicita, ficarei atento aos próximos desenvolvimentos no archport e darei o meu contributo sempre que possível.
Se porventura necessitar o Exmo. Sr. dr. de algum tipo de ajuda ou informações adicionais que se prendam com o detectorismo, sinta-se à vontade para as colocar, estarei à sua inteira disposição.
Agradeço a sua honrada atenção
Os melhores cumprimentos
Cordialmente
Filipe Ladeiras
----- Original Message -----
From: "Carlos Jorge Gonçalves Soares Fabiao" <cfabiao@fl.ul.pt>
To: "Detectoristas Portugal" <detectoristasportugal@gmail.com>
Sent: Tuesday, June 09, 2009 11:38 AM
Subject: RE: textos Archport
Caro Sr. Filipe Ladeiras:
muito obrigado pela sua mensagem e pelos seus esclarecimentos.
Sinceramente, creio que é importante abrir vias de diálogo entre a comunidade dos detectoristas, genuínos praticantes do hobby, justamente para melhor isolar e denunciar os salteadores. Creio que o seu texto é interessante e oportuno e que deveria enviá-lo para a Archport. De facto, aquele pode ser o fórum ideal para o sereno, aberto e franco debate sobre este tema.
Se conhece casos em que detecoristas informaram ou declararam espólios às entidades competentes, creio que os deveria mencionar, justamente para sublinhar a existência de boas práticas. Só as boas práticas poderão contribuir para mudar a má imagem que o detectorismo tem entre nós.
Pessoalmente, creio que a comunidade dos detectoristas, se devidamente enquadrada e orientada, poderia colaborar na investigação de algumas realidades arqueológicas complexas, como por exemplo os antigos campos de batalha. São lugares de grande extensão, de escassa visibilidade arqueológica e enorme dispersão de vestígios, com especial incidência dos artefactos metálicos. Penso, por exemplo, nos casos dos campos de batalha de Aljubarrota ou Atoleiros (ambos em processo de estudo e classificação) ou nos campos de batalha da Guerra Peninsular cujo duplo centenário agora se comemora.
Mas para se poder falar de tudo isso, é preciso que a comunidade dos detectoristas saia da sombra e dialogue abertamente sobre estes temas.
Como lhe digo, creio que deveria enviar o seu texto para a Archport. Se porventura receia uma má recepção (que creio não haverá, pelo enorme bom senso que os administradores do fórum sempre demonstraram) e se me autorizar, poderei eu próprio fazer o reencaminhamento do mesmo, acompanhado deste comentário.
Com os melhores cumprimentos
Carlos Fabião
-----Mensagem original-----
De: Detectoristas Portugal [mailto:detectoristasportugal@gmail.com]
Enviada: seg 08-06-2009 23:08
Para: Carlos Jorge Gonçalves Soares Fabiao
Assunto: textos Archport
Caro dr. Fabião
Por considerar que a comunidade arqueológica não iria credibilizar um comentário meu por ser detectorista, resolvi enviar-lhe um email, ao invés de colocar um post no archport. Por tal ousadia desde já as minhas sinceras desculpas.
Este e-mail que não é mais que um descargo de consciência, não tendo qualquer propósito de julgar opiniões, até porque certamente aos olhos do Sr. dr. Fabião eu não serei a pessoa "exemplar" para o fazer. Partindo sempre do principio que cada um tem a sua opinião merecedora de respeito e que nunca se deve julgar que aquilo em que se acredita, é efectivamente a verdade.
Confesso ter sido a primeira vez que li referencias ao Treasure Act por parte de um tão afamado membro da nossa comunidade arqueológica como o Sr. dr. . Tal menção surpreendeu-me pela positiva, pois muito me tenho perguntado o porquê da comunidade arqueológica fazer "tabu" em relação a tal assunto. Infelizmente, que o caro Sr. dr. Fabião citou logo o pior exemplo, daquele que é um projecto reconhecido entre a comunidade académica e arqueológica inglesa como um verdadeiro caso de sucesso. De certo concordará comigo que maus exemplos infelizmente existem em todo o lado, em todos os sectores da sociedade. Também referiu algo que existe por toda a Europa, não só no Reino Unido, o "Nighthawking" termo utilizado no Reino Unido para denominar a busca e remoção de artefactos de zonas arqueológicas ou de terrenos sem consentimento dos devidos proprietários. Para um combate eficaz a este repudiante fenómeno as autoridades Inglesas, juntamente com a comunidade arqueológica Inglesa e os detectoristas quer a nível individual ou associativo uniram esforços e desenvolveram à poucos meses um importante estudo sobre o tema. Nesse estudo a que deram o nome de Nighthawking Survey , encontram-se não só as causas do nighthawking mas também uma série de processos tendo em vista a resolução do problema. Se estiver o caro Sr. dr. Fabião interessado em ler o estudo, disponibilizo-me para lhe enviar o pdf via e-mail.
No que toca ao panorama nacional, as coisas são bem diferentes como de certo concordará. Como referiu o Sr. dr. Fabião num post colocado no archport «Alguém que visita sítios arqueológicos (com ou sem detector de metais) retira artefactos do terreno sem o devido registo e monitorização, (.) só pode ser considerado um salteador, nunca um arqueólogo amador. Acho importante que se separem as águas e se usem as designações apropriadas.» Estou de acordo e profundamente convicto de que esse será um primeiro passo. Enquanto detectorista considero que nem todos os utilizadores de detectores de metais o serão. Do mesmo modo que nem todos os que usam arma sejam policias ou caçadores , sinto-me inclusivamente magoado interiormente quando oiço referencias de que "detectoristas" destruíram uma ZEP. Não apenas pela obvia conotação negativa que daí advém, mas também pelo facto de que nutro pela história respeito e consideração. Até compreendo que detectoristas e salteadores não sejam diferenciados por quem desconhece a realidade dos factos, por esse motivo tento sempre que possível tentar separar as águas, tal como o Sr. dr. refere . A meu ver, a única coisa que detectoristas e o salteadores têm em comum é o detector de metais. O detectorista informa-se sobretudo onde não deve detectar.
Poderei estar errado, mas o termo de detectorista penso que ainda nem exista oficialmente na língua Portuguesa, todavia na sua definição penso que seria bom haver a separação das águas.
Respeito muito o trabalho sério, respeito esse redobrado quando se trata de trabalhos na área do nosso património. Concordo inteiramente quando diz « Sem querer acusar genericamente os detectoristas, não há dúvida de que as práticas de pilhagem de bens arqueológicos nos sítios portugueses estão frequentemente associados não ao coleccionismo para deleite intelectual, mas sim a formas de alimentar redes de tráfico ilícito que visam o efectivo proveito material de quem nelas se envolve.» esta é uma triste realidade. Esse é o "nosso" nighthawking. E é visível que a lei vigente que regulamenta o uso dos detectores, apenas está a penalizar os detectoristas. Acredito nas suas palavras, quando refere que antes de existir a actual lei, os detectoristas também não entregavam peças e é óbvio porquê. Desculpe a possível rudeza das minhas palavras mas antes de 99 havia algo semelhante a uma anarquia e após 99 passou a haver algo semelhante a uma ditadura. Pessoalmente vejo que se passou do 8 para o 80 mas penso que é no meio termo que se encontram as virtudes. Termos detectoristas a colaborarem activamente com os núcleos locais de arqueologia, tanto na entrega de artefactos, na comunicação de novos sítios arqueológicos até na possível cooperação no terreno com a monitorização das entidades arqueológicas , quando os detectoristas tiverem condições para o poder fazer. Mas de certo que não digo nada de novo, o dr. Fabião já demonstrou estar ocorrente dessa realidade tal como o dr. Luís Raposo.
É meu desejo enquanto cidadão, que exista uma cooperação entre detectoristas associados e a comunidade arqueológica portuguesa que tanto elogio as suas qualidades e importância para o estudo do nosso passado, conhecendo infelizmente as condições precárias em que têm de desenvolver o seu trabalho. Acredito que tais projectos de cooperação podem ser proveitosos para a ciência e para o "controlo" na comunidade detectorista Portuguesa. Urge desmistificar o detectorismo. Os maus exemplos existem é uma realidade, mas somente impondo regras e ao mesmo tempo dando alguma "liberdade de movimentos" esses maus exemplos se poderão atenuar.
Caro sr. dr. Fabião, sei que não compete ao sr. dr. mudar leis, e pode até não concordar com nada do que eu disse, mas apelo à sua sensatez para que "nos" ajude na tarefa de "separar as águas". Existem detectoristas de todos os extractos sociais, de todas as idades, cidadãos comuns, pessoas de grande valor intelectual , em que todas elas têm algo em comum. O querer praticar tranquilamente o "hobby" , ajudando na salvaguarda e protecção do nosso património.
Muito mais haveria a comentar, mas não quero tomar demasiado o seu tempo.
Agradeço ter lido o meu e-mail
Os melhores cumprimentos
Cordialmente
Filipe Ladeiras