Público, 27.06.2009,
Manuel Fernandes Vicente
Torre de 45 metros em pleno centro histórico foi a
principal crítica apontada durante a apresentação da obra projectada pelo
arquitecto Carrilho da Graça
Abrantes vai
acolher dentro de alguns anos uma notável colecção de peças arqueológicas no
futuro Museu Ibérico de Arte e Arqueologia (MIAA), um investimento que colocará
a cidade na rota dos melhores museus temáticos da Europa. A aposta da autarquia
abrantina é arrojada e a fasquia foi elevada com a entrega do projecto ao
arquitecto João Luís Carrilho da Graça. O investimento vai ser uma marca do
território em pleno centro histórico de Abrantes e pretende ser um estímulo
decisivo para a sua reanimação. Mas, apesar do fascínio que apresenta, não está
isento de críticas e incertezas. Foi delas que anteontem à noite, em Abrantes,
se ouviu na apresentação e debate sobre o MIAA.
A enorme
altura da torre, que será o ex libris do museu, e a sua localização
"provocatória" no alto da encosta de Abrantes, bem como a sua proximidade com o
vetusto Convento de São Domingos e a ameaça da torre à própria cerca do
convento, foram algumas das críticas apontadas pelos participantes no debate,
onde predominavam arquitectos e alguns dos candidatos já anunciados à Câmara de
Abrantes.
Outros
criticaram a sua localização no centro histórico, mostrando preferência por
outros locais com acessos mais facilitados. "É um projecto fantástico, mas para
outro sítio da cidade", criticou um participante, enquanto outro técnico referiu
que em vez de um diálogo entre o museu e a cidade, era o contrário que
acontecia: "Eu só vejo um monólogo - o projecto fala e a cidade ouve!" As
primeiras críticas de quantos encheram a Igreja de Santa Maria, no castelo,
foram de tal modo corrosivas que o autor do projecto, Carrilho da Graça, acabou
por ironizar perguntando se não haveria na sala ninguém que gostasse do
projecto.
O rio
ibérico
Claro que
havia. Os 45 metros de altura da torre onde ficará parte significativa do
espólio arqueológico têm um forte impacto visual, mas a sua verticalidade
pretende também retratar, como sublinhou um participante, o próprio carácter da
fundação "vertical" de Abrantes no alto de um monte e com uma visão de 360 graus
à sua volta e ao longo de várias dezenas de quilómetros. A torre está também
deliberadamente voltada para o rio Tejo, o que faz sentido: sendo um museu que
recolhe peças recolhidas em toda a Península Ibérica, dali contempla o mais
ibérico dos rios.
"Os arquitectos fazem projectos a partir das suas
convicções e a beleza desta paisagem, em 360 graus à volta de Abrantes, e a
extraordinária e intensa originalidade da colecção de peças arqueológicas que
serão expostas levou-me a fazer uma ligação entre a paisagem e a torre,
construída do interior para o exterior, com diversas janelas e vistas sobre
Abrantes", referiu Carrilho da Graça, notando que a exposição das peças ao
longo da torre será feita de forma cronológica.
Em relação à
proximidade entre a moderna torre a criar e o Convento de São Domingos,
instalado já no século XVI, o arquitecto notou que a distância entre ambos foi
a máxima possível, procurando que a torre ganhasse independência e o conjunto
dos dois se mantivesse integrado numa espécie de unidade. Frisando que não é
particular adepto da edificação de torres, Carrilho da Graça notou ainda que
foi em Abrantes que lhe ocorreu pela primeira vez a ideia de recorrer a uma
torre: "Mas o projecto só correrá bem se tiver apoios, faz-me confusão se não
tiver o apoio dos abrantinos."
A
colecção
"É
estonteante a qualidade e o número de peças espectaculares quer pela sua
qualidade estética quer pelo seu valor histórico que constituem a colecção de
peças arqueológicas que vão ficar expostas no Museu Ibérico de Abrantes." É
nestes termos que Albano Santos, até há poucos anos arquitecto do município e
actualmente candidato independente à Câmara de Abrantes, se refere ao espólio
do futuro museu abrantino. São cerca de 5000 peças arqueológicas adquiridas
sobretudo em leilões em Portugal e no estrangeiro por João Estrada, um abastado
e curioso coleccionador de peças de arte ligadas à arqueologia, que construiu um
espólio patrimonial de grande valor. Apercebendo-se do enorme potencial das
peças na posse da Fundação Ernesto Lourenço Estrada & Filhos, a autarquia
ofereceu o espaço do Convento São Domingos para expor o enorme legado
artístico, tendo João Estrada aceite de imediato.
"Este sítio
era irrecusável e o projecto, ao ser aceite por Carrilho da Graça, ficou com a
fasquia muito alta. É uma equipa de projectistas de nível internacional a puxar
pela colecção Estrada para cima e, por isso, o futuro Museu Ibérico irá ser
decerto uma marca de território que vai pôr Abrantes entre as cidades com
museus de dimensão europeia", sublinhou Albano Santos.
Peças desde os
períodos neolítico e da idade do ferro, passando pelo romano, paleocristão e
bronze médio e final, até às pequenas esculturas de influência orientalizante e
islâmica, muito se poderá ver no futuro MIAA, que contará ainda com soluções de
climatização, ventilação, iluminação e aproveitamento da luz natural
consideradas inovadoras. Entre as dúvidas para a sua concretização foram
apresentadas sobretudo as de natureza financeira: o timing do investimento, na
actual fase económica do país, e a forma de financiamento das obras.