[Archport] Arqueólogos procuram encontrar todas as cidades de Beja
Arqueólogos procuram encontrar todas as cidades de Beja
Público, 27.07.2009, Carlos Dias
A localização do fórum romano pôs à vista vestígios da Idade do Ferro, visigóticos, muçulmanos, medievais e dos séc. XVI e XVIII
Importantes vestígios, incluindo o maior templo romano do país, das várias cidades que ao longo dos séculos se foram sobrepondo no território da actual Beja têm estado a ser descobertos, nos últimos meses, por uma equipa de arqueólogos da Universidade de Coimbra.
"A nossa ideia não é encontrar apenas a cidade romana", precisa Conceição Lopes, coordenadora científica do Centro de Estudos Arqueológicos das Universidades de Coimbra e do Porto, que ali iniciou a sua intervenção em 1997. O que as novas descobertas já mostraram permite a fazer a "reconstrução" do que foi a evolução urbana da cidade nos vários períodos da sua história, acentua a arqueóloga, cujos últimos trabalhos vieram comprovar, em definitivo, a dimensão do templo romano, que classifica como o maior do país.
Os primeiros vestígios dos seus alicerces foram descobertos pelo arqueólogo Abel Viana em 1939, durante a construção de um inestético depósito de água que ainda hoje caracteriza a cidade alentejana. Em Maio deste ano, no decurso de mais uma campanha de escavações coordenada por Conceição Lopes, o lugar onde se presumia estar o Forúm de Beja - onde se centrava o coração da cidade Pax Júlia durante a presença romana - começou a revelar a sua real dimensão e importância. Os vestígios descobertos estendem-se da base rochosa até ao topo, em patamares, com uma altura de sete metros.
Só um dos edifícios, apresenta uma sapata com três metros de altura. "Estamos perante uma das melhores descobertas feitas em Portugal, do período romano" e que se reporta ao final do século I a.C., início do século I d.C., sublinhou a arqueóloga, dando conta da enorme quantidade de entulho que cobre as estruturas romanas, visigóticas, muçulmanas e cristãs que se entrecruzam ou sobrepõem até ao início do século XX.
Quando as escavações foram retomadas em Maio, entre as ruas da Moeda, dos Escudeiros, Abel Viana e Praça da República, as construções ali existentes dificultavam a leitura do espaço. A queda de um muro no decorrer dos trabalhos - sem que a ocorrência tivesse que ver com a intervenção dos arqueólogos - levou às descobertas que permitiram confirmar a presença naquele local do templo romano. O edifício, do século I da nossa era, está "completamente conservado e é maior do que os templos romanos de Évora e de Conímbriga", garante Conceição Lopes.
Pouco mais se poderia fazer, porém, que não fosse estudar os pormenores do que fora descoberto, até que um inesperado acontecimento - o incêndio que há meses ocorreu no edifício ocupado pelos serviços técnicos da Câmara de Beja - abriu a possibilidade de estender as escavações a uma área maior. A estrutura atingida pelo fogo foi demolida e no espaço deixado livre, Conceição Lopes e uma dezena de alunos de Arqueologia da Universidade de Coimbra, apoiados por um arqueólogo americano e um brasileiro, fizem novas descobertas, entre elas "um templo muito interessante de um tipo específico só observado da Península Ibérica e com um espelho de água a toda a volta".
Com estas características, nota a investigadora, só existem templos em Évora e em Ecija, perto de Sevilha. O lado maior tem cerca de trinta e poucos metros, enquanto o menor tem perto de 21. "É um templo muito grande" e isso faz sentido por se tratar da cidade mais importante do Sudoeste peninsular.
As escavações dos últimos anos evidenciaram as sucessivas destruições a que a cidade foi sujeita ao longo do tempo. No meio do entulho acumulado nas proximidades do templo romano, foram localizados, em várias momentos do século passado, dois capitéis, colunas monolíticas, grandes fustes e lápides alusivas a Serapis e a Ísis, divindades que ali terão merecido culto, que se encontram expostos no exterior do Museu Regional de Beja.
Tanto a Câmara de Beja, como os investigadores envolvidos nos trabalhos de escavação, como o Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico querem tornar acessível à população os vestígios das diferentes cidades de Beja. Até o depósito de água vai ser transformado num ponto de observação do horizonte visual que dali se pode desfrutar. Francisco Santos, presidente da autarquia, já se comprometeu "a devolver à cidade" os mais ricos testemunhos do seu "grandioso passado".