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[Archport] Contributo para Archport de Maria Ramalho

Subject :   [Archport] Contributo para Archport de Maria Ramalho
From :   Jacinta Bugalhão <jacintabugalhao@gmail.com>
Date :   Thu, 24 Sep 2009 09:25:21 +0100

Por achar que este contributo merece mais visibilidade do que a proporcionada por um documento anexo, transcrevo o texto assinado por Maria Ramalho. JB
 
 

O melhor dos mundos segundo o Director do IGESPAR

 

 

Pangloss disait quelquefois à Candide 

“Tous les événements sont enchaînés dans

le meilleur des mondes possibles.

 

Voltaire

 

 

 

            Em primeiro lugar é de realçar a oportunidade da entrevista do Director do IGESPAR ao Jornal Público em vésperas de eleições. De notar também o modo como estes assuntos têm vindo a ser tratados pela jornalista Alexandra Prado Coelho que, uma vez mais, transmite apenas a versão dos salões da Ajuda.

Começando pelo mais curioso em termos políticos, a questão da privatização do Parque Arqueológico do Vale do Côa. De facto, lembramo-nos todos ainda como este assunto foi importante para um outro governo do mesmo partido, a milhares de anos de luz da situação presente e como este património, que na altura foi considerado assunto de interesse nacional, acabou por receber, para quem já parece ter esquecido, o mais importante galardão, a classificação como património de interesse mundial.

´           O conceito subjacente ao modelo de gestão que agora se pretende implementar no Parque do Côa, não se afasta das intenções expressas por este governo de reduzir o Património apenas ao seu valor económico, uma “riqueza colectiva a explorar”[1], permitindo assim a sua alienação a favor de “quem der mais”.

Esta é sem dúvida a intenção mais relevante da “Proposta de Lei sobre o Regime Geral dos Bens do Domínio Público”, proposta esta elaborada por este governo mas que, felizmente, foi entretanto suspensa (não se sabe até quando), fruto, em grande medida, da contestação expressa por diversos movimentos de cidadãos.

            A propósito de contestação, ao contrário do expresso pelo Director do IGESPAR, têm vindo a ser cada vez mais notória a tomada de posição contra a política seguida por este governo para a área do Património, levando a que, muito recentemente, tenha a este propósito sido criado um movimento associativo de que não há memória em Portugal, quer em termos de representatividade, como em número de participantes, falamos da Plataforma pelo Património Cultural (PP-Cult). Foram também inúmeras as vezes em que as associações de arqueólogos solicitaram audiências e pedidos de esclarecimento quer ao Director do IGESPAR, como ao próprio Ministro, a maioria das quais sem direito a resposta.

            Convém lembrar também que se a gestão da arqueologia nacional não colapsou verdadeiramente, foi porque alguns funcionários do IGESPAR, a maioria deles “conhecidos contestários do ex – IPA” não deixaram, não só por uma questão de dedicação à causa pública, batalhando contra as condições mais adversas, mas também porque sabem que a salvaguarda do património se faz com acções e não com palavras.

            A propósito do PRACE, o Director do IGESPAR fala das dificuldades que teve que enfrentar para seguidamente rematar com a inusitada ideia de criar extensões do IGESPAR nas cinco regiões!

Pergunta-se: e então as dez Extensões do IGESPAR que hoje existem? E as Direcções Regionais de Cultura que fazem o mesmo?

Todos os que mais directamente lidam com o actual modelo de gestão do património arquitectónico e arqueológico, fruto do PRACE, sabem que assim NÃO FUNCIONA! E não irá funcionar até que se decida, de uma vez por todas, o que realmente se pretende implementar: um modelo regional ou um modelo centralizado como sempre existiu ?

            Seguidamente é abordada na entrevista a questão do Museu dos Coches para se concluir, uma vez mais, que existe apenas um pequenino impasse… esquecendo-se assim os largos meses em que se garantiu que as obras iam começar para a semana e que estava tudo resolvido, contrariando todos aqueles que afirmavam não existir uma solução razoável e atempada para a instalação dos serviços. Afinal quem tinha razão? E quem vai pagar os milhões pela paragem das obras, esse pequeno contratempo? Talvez a culpa, uma vez mais, seja dos arqueólogos, daqueles que defendem uma solução digna para serviços que já provaram ser imprescindíveis no avanço da arqueologia portuguesa, que defendem também uma solução digna para um Museu centenário que se vê assim envolvido numa trapalhada “monumental”, como monumental é a Cordoaria, património arquitectónico, mas também património integrado que urge ser preservado e que dificilmente poderá conviver com um programa museológico que se pretende actual.

            Mas de outros Museus se fala nesta reveladora entrevista. A este propósito diga-se que, inicialmente, o caminho para criação do Museu da Língua ficou livre com uma “atempada desclassificação” deste imóvel pelo IGESPAR. No entanto, fruto uma vez mais da contestação cívica, este importante testemunho arquitectónico da Exposição do Mundo Português, poderá ser de novo alvo de classificação mas atenção, não sem que antes tenha o AMEN do Conselho Consultivo (CC), órgão que continua a funcionar à margem da lei, se atentarmos ao que diz a Lei Orgânica do IGESPAR e que tem servido, basicamente, para subscrever as posições mais polémicas da Direcção deste Instituto. Diga-se de passagem que vários são os casos em que este CC tem aberto a porta a desclassificações ou alterações de zonas de protecção, como por exemplo nas Ruínas de Tróia ou no Caminho da Pedreneira (Nazaré) entre outros.

            Concluindo a entrevista, o Director do IGESPAR tece ainda algumas considerações reveladoras do seu conceito de património, a propósito do primeiro projecto para o Terreiro do Paço - “O primeiro provocava demasiado barulho naquela praça”.

De facto o “barulho” é, segundo este responsável, o mais relevante num processo que afinal só arrasou as estruturas de um antigo cais, só propõe a criação de um novo cais em local e em moldes que nunca existiu, só pretende alterar a imagem de um dos mais emblemáticos monumentos da cidade sem que para tal existam estudos suficientes ou a participação activa dos cidadãos. Ao contrário do que se observa, este sim deveria ser um espaço a merecer outra ponderação, outro conceito de património, um espaço que não fosse encarado, uma vez mais, como apenas mais um cenário para ostentação de poder.

 

 

 

Maria Ramalho

Arqueóloga

 



[1] Texo da Proposta de Lei sobre o Regime Geral dos Bens do Domínio Público.


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