Arqueologia
Jornal i, por André Rito, Publicado em 06 de Outubro de 2009
O i acompanhou quatro arqueólogos responsáveis pela descoberta de um templo romano em Beja
Alguma vez lhe ocorreu a hipótese de estar a dormir sobre um
cemitério? E ter debaixo de sua casa um tesouro com mais de mil anos? É pouco
provável que isto lhe tenha passado pela cabeça mas, acredite, o chão que
pisamos esconde histórias insondáveis. Que o digam os arqueólogos com quem o i conversou, em plena escavação de Beja,
onde recentemente foi descoberto um dos maiores templos romanos da Península
Ibérica.
Quando começou a carreira, Conceição Lopes, hoje uma das principais
investigadoras da Universidade de Coimbra e coordenadora deste projecto, teve
um rasgo de sorte. Na Vidigueira, enquanto trabalhava num tanque da idade do
bronze, a jovem arqueóloga descobriu um tesouro com mais de 200 moedas datadas
do século II. Sorte de principiante? Talvez, mas também um pequeno problema em
mãos.
"Eram seis da tarde e os trabalhadores estavam prestes a ir embora. Não
podia simplesmente retirar as moedas e voltar no dia seguinte", recorda. Mais
do que a descoberta em si, aos arqueólogos interessa o contexto do achado -
através do qual se pode determinar, por exemplo, a sua cronologia. E esse
implica tempo de análise. "A solução foi dormir ali ao relento, junto ao
tesouro. Não podia arriscar perdê-lo."
Escavar no pico do Verão
Muitos anos depois deste episódio, a investigadora volta ao
Alentejo. Desta vez traz consigo alguns dos seus alunos, que trocaram as férias
na praia pela campanha arqueológica numa das cidades mais quentes do país. O
objectivo? Escavar um templo do século I, dedicado a um imperador romano. A
descoberta foi feita há 70 anos, mas as escavações só começaram em 1996. Quando
o i visitou o "buraco",
já só se fazia o trabalho de minúcia. As pás gigantes das escavadoras deram
lugar ao colherim, um pequeno objecto que serve para remover a terra, e que, em
conjunto com o método estratigráfico, permite interpretar os dados que a terra
esconde. "É um método que nos diz que, ao longo dos tempos, tudo o que
aconteceu, seja fruto da mão humana ou da natureza, se deposita em
camadas", explica Conceição Lopes.
Moedas, peças de cerâmica, vestígios animais, ossos humanos, praticamente todos
os objectos descobertos ao longo das diferentes camadas têm uma leitura e são
quantificáveis no tempo. Mas não só: "Um osso humano, por exemplo, pode
ajudar-nos a reconstituir os hábitos alimentares, a dieta, a causa de morte, as
doenças da época. É informação que nunca mais acaba", explica Susana
Gomez, uma investigadora espanhola radicada em Portugal há mais de 17 anos. No
caso dos cemitérios, acrescenta Conceição Lopes, é possível até identificar a
crença religiosa: "Depende da forma como estão dispostos, se estiveram
deitados a sul, de forma lateral, podemos dizer com algum grau de certeza que
são muçulmanos. Se estiverem de braços pousados sobre o peito, são
católicos."
Se antigamente o trabalho do arqueólogo passava pelo uso de colheres e
vassouras, hoje as novas tecnologias deram novo alento à investigação, sem as
substituir. O Google Earth, por exemplo, veio simplificar muito o trabalho de
prospecção de vestígios. "Antigamente, funcionava tudo na base das
fotogragias aéreas", conta Tiago Costa, estudante de mestrado em
Arqueologia e Território.
Além da proximidade de outras descobertas, ou do nome da terra, a própria
disposição das habitações e a forma como os terrenos estão divididos são
condicionados pelo que está debaixo da terra.
No Alentejo - explica a investigadora Ana Costa - quando o trigo começa a
secar, "as cores são distintas consoante o que está no subsolo." E
hoje, continua Conceição Lopes, "já não é necessário comprar fotografias
caríssimas." Claro que isto não dispensa a investigação no terreno, nem
tão pouco a parte laboratorial que lhe segue. A parte que mais os entusiasma?
"Impossível, é o mesmo que dizer de que filho mais se gosta."
Provavelmente, o maior templo romano da Península Ibérica
Foi identificado em 1939 mas só começou a ser investigado há dez anos. A
estrutura é semelhante ao Templo de Diana, em Évora
Por estes
dias, Beja está longe de ser uma das urbes mais importantes do país. Mas no
século II pode ter sido uma imensa cidade romana, sede dos conventus
e administrada com uma circunscrição jurídica que ia do rio Tejo ao Algarve. Pelo
menos é essa a convicção dos arqueólogos que, desde 1997, trabalham nas
escavações de um templo romano, por muitos identificado com um dos maiores da
Península Ibérica.
“Era uma cidade com estatuto de colónia de Roma, os seus cidadãos tinham
direitos idênticos aos romanos. Do ponto de vista político, os cidadãos de Pax
Julia (designação de Beja na época romana) que tivessem um milhão de sestércios
podiam ser senadores em Roma”, explica Conceição Lopes, adiantando que
“as inscrições que existem fornecem a ideia de uma cidade grande, com
muita indústria, comércio e artesanato”.
A estrutura – com 30 metros de comprimento e quase vinte de altura
– foi descoberta nas traseiras da Câmara Municipal e é semelhante ao
templo de Diana. À sua volta, tal como no templo de Évora, existia um tanque
para abastecimento de água. “É pelos materiais que descobrimos, como
cerâmicas importadas da Campânia, ânforas que transportavam vinho e alguns
dados da idade do ferro que nos permitem datar a estrutura.”
O templo está integrado numa grande praça, o chamada fórum, cujos vestígios já
tinham sido anteriormente identificados por Abel Viana, em 1939, aquando da construção
do reservatório de água de Beja. Os vestígios foram novamente tapados e só 60
anos depois voltariam a ver a luz do dia. Nas duas primeiras campanhas, em 1999
e 2006, foram descobertos edifícios de várias épocas, mas só na campanha de
2008 foi descoberto o templo romano identificado há 69 anos.
O outro grande edifício da praça central, também identificado em 2008,
“refere-se à primeira instalação romana da cidade e foi construído no
final do século I a.C., no tempo de Augusto. “Eram importantes edifícios
do fórum da cidade”, ou seja, da praça central onde se situavam os
edifícios dos poderes político-administrativo, judicial e religioso.
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