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[Archport] Necrópole romana em Évora

Subject :   [Archport] Necrópole romana em Évora
From :   Manuel Castro Nunes <arteminvenite@gmail.com>
Date :   Mon, 12 Oct 2009 14:36:27 +0100

A propósito da notícia divulgada por Rafael Alfenim e comentada pelo Professor José d'Encarnação, é oportuno recalcitrar no que se tem vindo a comentar acerca das condições que proporcionam e suscitam a predominância dos interesses circunstanciais e financeiros sobre os científicos e respeitantes à valorização do património, quando a arqueologia é chamada a intervir em acompanhamento de contextos de intervenção alógena sobre o território.
O tema deveria continuar a merecer reflexões profundas e a reclamar a reformulação de um normativo e de um programa de intervenção arqueológica.
 
A propósito:

Comentando o papel de um Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos
Caro Amigo.

Eis então a minha opinião acerca do que poderia ser um Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos que pudesse contribuir para que a Arqueologia se tornasse uma actividade estruturalmente sustentável, sem violar os princípios éticos e deontológicos tidos como pressupostos para a relação com o património cultural.
Não posso deixar contudo de introduzir alguns comentários preliminares breves.
A Arqueologia é, em princípio, um domínio do conhecimento e da investigação. O seu domínio de intervenção estende-se, no âmbito da aplicação prática das suas aquisições, a várias áreas associadas à preservação, valorização e recuperação do património cultural. Esse domínio de aplicação contribui depois, ele próprio, para a aquisição e aprofundamento de novos dados disponíveis para o enriquecimento do conhecimento disciplinar.
Verdadeiramente paradoxal seria que os critérios das boas práticas de salvaguarda e preservação se subvertessem em consequência da ânsia de aquisição de dados cumulativos que suportassem acréscimos, também cumulativos, no panorama do conhecimento disciplinar. É no imbricado deste nó górdio que as mais complexas questões devem ser colocadas. Ainda aparecerá um Alexandre para o desmembrar a fio de espada…
Seja, se não existir um programa de investigação arqueológica estruturado, contemplando as várias áreas, cronológicas, tópicas, territoriais, que determine estratégias de investigação e intervenção, as intervenções conjunturais e emergentes tornar-se-ão na fonte predominante do conhecimento arqueológico. Seja, a investigação só avança na medida em que forem surgindo situações de emergência no domínio da salvaguarda e preservação. A Arqueologia fica cativa do súbito emergir da circunstância, tornou-se uma prática de acontecimento fortuito.
Esta questão doutrinária dar-nos-ia ocasião para um tratado. E poder-se-ia alegar que a medicina só evolui porque existem doentes e prática clínica. E esta é de facto uma questão estrutural que aproxima epistemologicamente a medicina da arqueologia. E da física, ou da química, quando também o seu avanço é determinado pelas necessidades de inovação da tecnologia de guerra.
Alguém teria paciência para ponderar estas questões? Duvido. Porque formámos gerações de arqueólogos a quem transmitimos a ideia de que arqueologia é escavar, portanto aproveitem-se todas as ocasiões para escavar, seja onde for e a que propósito, porque se não houver escavações não há investigação arqueológica, nem, saliente-se, enquadramento profissional para os arqueólogos.
E os materiais exumados amontoam-se sem destino e com registos sumários, talvez venham a ocupar algumas gerações no futuro. E as estruturas intervencionadas até podem ser arrasadas após a escavação, ou de novo soterradas em condições de protecção sumária, porque a mais eficaz protecção era exactamente a sua jazida natural. Ou ficarem a céu aberto disponíveis para visita e à espera de nova ruína, porque não há dinheiro nem recursos para manutenção, nem sequer para acompanhamento permanente.
Bem, não é oportuno para já abordar as questões relacionadas com as irregularidades que no domínio da intervenção empresarial se têm cometido, quer no âmbito de negociações com dono obra no sentido de não perturbar o curso normal de empreitadas, quer no descaminho de materiais exumados. E tais práticas legitimam-se muitas vezes no domínio da estratégia de sustentabilidade de empresas que não eram previsivelmente sustentáveis, ou porque não nasceram com vocação empresarial, ou porque a vocação empresarial pressupunha a erradicação dos limites impostos pela deontologia. Talvez nem valha a pena desenvolver a questão, senão reestruturar os enquadramentos que corrijam essa matéria. Seria uma forma de ponderar o assunto, que não pode deixar de ser ponderado.
Retomando então o tema do PNTA, a questão prévia que continua sem orientação operacional é a própria definição de trabalho arqueológico e das suas múltiplas categorias. Sem tal orientação não é possível congeminar um PNTA que remeta para contextos específicos e com enquadramentos diferenciados as múltiplas tipologias de trabalhos arqueológicos e qual o seu âmbito.
Um PNTA tem que equacionar a sua sustentabilidade de vários pontos de vista. Do ponto de vista financeiro, como se aprovisiona e como se suporta e pode contribuir para gerar riqueza, usando um tópico corrente trivial. Do ponto de vista comunitário, de que forma contribui para a consolidação do tecido comunitário, para a sua valorização, para o seu bem estar, para o reforço dos vínculos solidários do reconhecimento da sua identidade. De que forma pode contribuir para resolver um problema crucial para a sociedade, seja, o reequilíbrio territorial, o desenvolvimento regional. O ponto de vista do conhecimento disciplinar, das suas prioridades e orientações estratégicas e o equilíbrio entre todos os segmentos da investigação. A esta questão associa-se a da reprodução do saber, seja a do ensino e da estrutura académica.
Sem equacionar e ponderar a posição relativa de todas estas questões, um PNTA será sempre um Plano coxo e precário, apto a gerar mais guerras do que consensos e ameaçado pela iminência de que um acontecimento imponderável, como seja o empolamento de uma descoberta que impõe a imediata intervenção intrusiva, com a consequente mobilização de recursos e subversão de estabilidades programadas, o venha desmantelar.
Um PNTA consequente, do meu ponto de vista, só será viável no contexto de um quadro regulador da actividade empresarial. Seja, necessitaria de uma APA, ou qualquer outra ordem ou estrutura de associação profissional, sólida e de uma associação empresarial reguladora.
Seja, um PNTA colocar-se-ia a jusante de muitas outras medidas de enquadramento. Senão tornar-se-á no contexto de enquadramento dos múltiplos Planos Pessoais de Trabalhos Arqueológicos centrados no seu próprio umbigo.
Numa próxima, desenvolverei o tema dos dispositivos tecnológicos disponíveis para que os EIA se possam tornar cada vez menos necessariamente intrusivos, de metodologias de preservação e salvaguarda alternativas e da reabilitação e requalificação do parque arqueológico. E da forma como novas perspectivas sobre a matéria se podem enquadrar num PNTA sustentável e consistente.
Tendo em conta que um PNTA deve ser um instrumento de reforço da solidariedade e partilha comunitária.

Abraço.

http://archres.blogspot.com/

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Manuel de Castro Nunes

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