[Archport] COMUNICADO DA AAP
CAROS COLEGAS E AMIGOS,
TENDO SURGIDO ALGUMAS DÚVIDAS SOBRE A POSIÇÃO DA AAP EM RELAÇÃO AO
MUSEU NACIONAL DE ARQUEOLOGIA E A OUTROS PROBLEMAS QUE AFECTAM A
ACTIVIDADE ARQUEOLÓGICA EM PORTUGAL, E UMA VEZ QUE MUITAS PESSOAS NÃO
SE DERAM AO TRABALHO DE ABRIR O LINK PARA "A TRIBUNA DO CARMO",
DIVULGADO ONTEM ATRAVÉS DO ARCHPORT, TRANSCREVO AQUI ESSE COMUNICADO.
APROVEITO TAMBÉM PARA REFERIR QUE A POSIÇÃO DA AAP EM RELAÇÃO AO MNA
FOI AMPLAMENTE DIVULGADA PELA AGENCIA LUSA, E PUBLICADA NO PUBLICO ON
LINE E NO DESTAK DE HOJE.
COM OS VOTOS DE UM MELHOR ANO DE 2010 PARA OS ARQUEÓLOGOS E O
PATRIMÓNIO ARQUEOLÓGICO DO PAÍS,
JOSÉ MORAIS ARNAUD
COMUNICADO DA ASSOCIAÇÃO DOS ARQUEÓLOGOS PORTUGUESES
No passado dia 28 de Dezembro de 2009 a Direcção da AAP foi recebida,
a seu pedido, pela Senhora Ministra da Cultura, Dr.ª Gabriela
Canavilhas, numa reunião que contou ainda com a presença do Senhor
Secretário de Estado, Dr. Elísio Summavielle. Foram abordados, durante
mais de duas horas, a maior parte dos temas propostos, num diálogo
franco e aberto, em que muitas vezes houve desacordo de pontos de
vista, mas que contrasta claramente com a postura dos dois anteriores
ministros da Cultura.
No que respeita à representação dos arqueólogos no Conselho Nacional
de Cultura foi manifestada pela AAP estranheza pelo facto de a Secção
de Património Arquitectónico e Arqueológico ser a única em que não
está prevista a representação das associações do sector, tendo-nos
sido dito que essa situação iria ser tida em conta na escolha dos
vogais a indicar pela tutela, e que o CNA iria reunir logo que
estivessem nomeados todos os representantes institucionais. A
propósito, foi lembrado que a AAP esteve sempre representada, ao longo
de mais de um século, nos órgãos consultivos da tutela do Património
Arquitectónico e Arqueológico, desde que foi criada, em 1882, por
iniciativa de Possidónio da Silva, a Comissão dos Monumentos
Nacionais, que elaborou a primeira lista de imóveis a classificar como
Monumentos Nacionais, só deixando de estar representada em 1997,
quando foi criado o IPA, decerto por se ter considerado que tal não
seria necessário, pois aquele instituto era exclusivamente gerido por
arqueólogos de reconhecida competência.
A AAP abordou em seguida a necessidade de definição pelo MC de uma
política coerente de salvaguarda, estudo e valorização do património
arqueológico, assumindo perante o País que este é um recurso
estratégico não renovável, que se reveste da maior importância como
factor identitário e promotor de um desenvolvimento regional
sustentável, que contribua para minimizar a desertificação do
interior, considerado um dos problemas mais graves do país.
Quanto ao enquadramento orgânico do sector de Arqueologia, no âmbito
do MC, a AAP lamentou profundamente a extinção do IPA, e a consequente
perda de autonomia e marginalização desse sector, o que marca um
enorme e inexplicável retrocesso em relação à anterior política do
Partido Socialista, que criou aquele Instituto em 1997, para evitar
que novas situações como a da Arte Rupestre do Vale do Côa ocorressem.
A este respeito foi-nos dito que era muito pouco provável que essa
situação viesse a ser alterada no quadro da actual legislatura, mas
que iria ser feito todo o possível para dar o devido relevo ao
património arqueológico no âmbito do IGESPAR e das Direcções Regionais
de Cultura.
A AAP congratulou-se pela recente abertura de concursos para
provimento da maior parte dos colaboradores do ex-IPA que se
encontravam numa situação de grande precariedade há já mais de 10
anos, criando-se, assim, condições para o normal funcionamento das
Extensões Territoriais e dos restantes sectores de Arqueologia do
IGESPAR, mas chamou a atenção para a necessidade de reforçar estes
serviços, para fazer face ao incremento da actividade arqueológica
resultante dos grandes projectos de obras públicas já em curso, ou que
se anunciam (área de rega do Alqueva, TGV, novo aeroporto, etc).
Outro tema a que a AAP deu grande relevo foi a necessidade de
regulamentação da Lei de Bases da Política e do Regime de Protecção e
Valorização do Património Cultural (Lei 107/2001 de 8 de Setembro),
no que respeita à Arqueologia. Com efeito, apesar das sucessivas
promessas nesse sentido, feitas por anteriores ministros, a mesma
continua por regulamentar, inviabilizando uma efectiva protecção do
património arqueológico, e a condenação dos destruidores acidentais ou
intencionais desse património, como é o caso dos utilizadores de
detectores de metais, que nos últimos anos têm assolado com total
impunidade os principais sítios arqueológicos do país.
Num contexto de grande aumento da actividade arqueológica e de
profundas mudanças na forma como esta se processa, hoje quase
exclusivamente desenvolvida no âmbito da chamada "arqueologia
empresarial", como resultado da aplicação da legislação comunitária
sobre minimização de impactes ambientais, a AAP chamou, também a
atenção da tutela para a necessidade urgente de regulamentação da
actividade das empresas que realizam trabalhos arqueológicos e de
criação de mecanismos de certificação e acreditação das mesmas, de
forma a garantir que as intervenções arqueológicas sejam feitas por
empresas que tenham nos seus quadros permanentes arqueólogos
devidamente qualificados, e que dêem garantias de que estes podem
actuar com total independência científica e com meios técnicos e de
segurança adequados à plena execução dos trabalhos preconizados e
autorizados pelo MC. Foi ainda sugerido pela AAP que a acreditação das
empresas fosse feita transitoriamente pelo IGESPAR, depois de ouvidas
as associações do sector.
Esta questão mereceu o melhor acolhimento por parte da tutela, que
manifestou também a necessidade de maior responsabilização dos
arqueólogos pelos compromissos assumidos perante os promotores de
obras públicas e privadas, de forma a evitarem o prolongamento
desnecessário das mesmas, criando assim uma imagem negativa desta
actividade, que pode estimular a tentativa de evitar a todo o custo
uma intervenção dos arqueólogos, com a consequente perda de informação.
Neste contexto foi também referida a necessidade de criação de um
mecanismo de acreditação profissional dos arqueólogos. Esta é feita
actualmente pelo IGESPAR, de um forma casuística, com critérios
subjectivos e por vezes muito discutíveis, tendo em consideração a
diversidade de formações académicas da maior parte das pessoas que
hoje exercem actividade arqueológica no país, tendo sido mostrada
grande abertura por parte da Senhora Ministra e do Senhor Secretário
de Estado para a criação de uma Ordem dos Arqueólogos, desde que haja
um amplo consenso. A AAP entende, assim, que se deve aproveitar esta
oportunidade para avançar com o processo, pois a constituição de uma
Ordem só é viável através da aceitação pelo Estado do poder de
auto-regulação de um determinado conjunto de profissionais. A AAP
manifestou a sua inteira disponibilidade para estabelecer os contactos
necessários com outras entidades, tais como a Associação Profissional
de Arqueólogos, e outras associações, universidades e empresas, no
sentido de se promover um amplo debate sobre o assunto e se obter o
consenso necessário.
Foi ainda discutido o futuro da biblioteca do ex-IPA, que se encontra
ainda encaixotada, tendo a AAP sido informada que a mesma iria em
breve ser reinstalada numa ala do Palácio Nacional da Ajuda que está
já a ser preparada para o efeito, situação com a qual não podemos
deixar de nos congratular.
Quanto à politica editorial, a AAP chamou a atenção para a necessidade
de dar continuidade à série monográfica Trabalhos de Arqueologia, e à
Revista Portuguesa de Arqueologia interrompida desde a extinção do
IPA, como forma de assegurar a obrigatoriedade legal de publicação dos
resultados das intervenções arqueológicas, a divulgação internacional
da Arqueologia portuguesa, e a actualização da Biblioteca de
Arqueologia, através de permutas, o que mereceu a inteira concordância
da Senhora Ministra, que considerou que a publicação virtual e a
divulgação via internet não dispensa a edição impressa.
Sobre o Parque Arqueológico do Vale do Côa, a AAP expressou a sua
preocupação em relação à entrega do novo edifício construído para o
museu a uma sociedade anónima, anunciada pelo anterior Ministro da
Cultura, defendendo que esse edifício deverá ser a sede do PAVC, e
transformar-se num centro internacional de investigação e divulgação
da Arte Rupestre do Vale do Côa, aberto a investigadores de todo o
mundo, com regras muito rigorosas, pois o levantamento exaustivo dos
milhares de gravuras espalhadas por mais de 15 kms não poderá
continuar a ser feito por uma pequena equipa, como tem sido feito até
agora. Esta proposta foi ouvida com alguma atenção, embora nos tenha
sido dito que dentro em breve irão ser nomeados os responsáveis pela
nova infra-estrutura, a quem competiria a definição da sua missão e
modelo de gestão, que poderá passar por uma gestão conjunta do
Ministério da Cultura e de outras entidades, como a Associação de
Municípios do Vale do Côa, ou por uma fundação tutelada pelo
Ministério da Cultura. Embora nos pareça que a missão e o modelo de
gestão deviam ser previamente definidos, aguardamos a promessa de que
a AAP seria ouvida sobre o assunto, quando este estiver melhor definido.
Finalmente, em relação ao Museu Nacional de Arqueologia (MNA), apesar
da nossa insistência em que deveria ser o Museu da Marinha a
deslocar-se para a Cordoaria, deixando espaço livre para a ampliação
do MNA, que já aí se encontra há mais de um século, e que é um dos
mais visitados do país, foi-nos dito de forma peremptória que seria o
MNA a deslocar-se para a Cordoaria, pois essa era uma decisão já
tomada pelo Governo. Este foi sem dúvida o aspecto mais negativo da
audiência, pois não foi aberta sequer a possibilidade de discussão. A
AAP não se conforma, porém, com uma decisão que considera
completamente errada, por ser despesista, por colocar numa zona de
alto risco sísmico os tesouros da arqueologia portuguesa, e por
implicar o encerramento e a deslocalização para uma zona de
visibilidade e acessibilidade reduzida um dos mais visitados e
dinâmicos museus do país. Espera-se, assim, que o bom senso acabe por
prevalecer, e que se impeça mais este rude golpe dado na Arqueologia
portuguesa.
Ficaram por discutir em pormenor, por falta de tempo, questões como a
reinstalação e redimensionamento da Divisão de Arqueologia Náutica e
Subaquática, o futuro dos laboratórios e colecções de referência do
Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências, e dos
depósitos de materiais arqueológicos, tendo-nos sido garantido que os
mesmos iriam em breve ser reinstalados em locais adequados.
Resta-nos esperar que a abertura agora demonstrada ao diálogo tenha
continuidade ao longo de toda a legislatura, pois se é o Estado que
tem o dever, os meios e a competência para assegurar a gestão adequada
do Património Cultural, a mesma não pode ser feita sem a colaboração e
o empenho de todos os cidadãos, e em especial dos profissionais do
sector e das associações que os representam.
Lisboa, 28 de Dezembro de 2010