Durante a audição
hoje havida da Assembleia da República e em que muito se falou do Museu
Nacional de Arqueologia, o senhor secretário de Estado da Cultura (mais até do
que a senhora ministra) foi pródigo em inverdades acerca do MNA. A táctica é a
de sempre, ou seja, explorar o desconhecimento dos deputados para lhes
“dar a volta”, como se diz que se costuma de gabar depois das
prestações que aí tem feito.
Eis alguns exemplos das inverdades do dito senhor secretário de Estado:
- disse que existem
muitos arqueólogos e museólogos que concordam com a passagem do MNA para a
Cordoaria; para além do Dr. Cláudio Torres, cita dois: Vítor Oliveira Jorge e
Natália Correia Guedes; acontece que o primeiro subscreveu e até deixou
comentário no abaixo-assinado do ICOM sobre o assunto e que nós promovemos
neste blogue; e a segunda participa no nosso ciclo de “conversas de fim
de tarde” tendo no início dos anos de 1980 precisamente dado
encaminhamento aos pareceres que negavam a validade dessa transferência, que
tinha então sido também tentada;
- disse que não conhece
as reservas do MNA, mas que sabe que são muito más e até têm peças embrulhadas
em jornais dos anos de 1930… Aqui fica reconhecida toda a incompetência
deste senhor governante, porque todos sabemos que as reservas do MNA são um dos
seus principais motivos de orgulho, sendo apresentadas internacionalmente; e
onde estão essas peças embrulhadas em jornais ? Porque é que o senhor não
visita as reservas como nós o podemos fazer várias vezes ao ano quando durante
os dias de “museu de portas abertas” ? Evitava o triste espectáculo
que deu e evitava termos de lhe chamar mentiroso.
- disse que possui
muitos estudos sobre a Cordoaria, mas quase só citou estudos gerais, nenhum
estudo específico; o único estudo mais detalhado que citou, sobre o rio Seco,
feito pela empresa HIDRA, conclui precisamente que existem riscos de cheias e
que é preciso instalar todo um sistema de protecção
e válvulas que ainda não existe e que será um custo adicional significativo;
citou a conclusão do parecer que encomendou a dizer que Cordoaria e Jerónimos
têm os mesmos riscos e disse que era o único parecer comparativo. Ora isso é
mentira, porque existe um outro parecer, do Prof. Aníbal Costa, igualmente
comparativo e que conclui o contrário
- disse que o parecer
do LNEC para os Jerónimos concluía que existiam perigos significativos em abrir
caves, quando as conclusões são precisamente ao contrário
- disse que uma ampliação do MNA nos Jerónimos podia pôr em perigo a
classificação como Património
Mundial. Aqui foi mesmo bacoco porque todos conhecemos numerosos monumentos do
Património Mundial, por esse Mundo fora, que foram profundamente
intervencionados em benefício dos museus que albergam; basta lembrar o
Louvre…
- disse que na Cordoaria
o MNA quadruplicará a sua área. Mas como ? Nos Jerónimos tem 7000 m2 e na
Cordoaria poderá passar para 14000 m2. Será que o senhor vê a dobrar ?
- disse
que os estudos geotécnicos serão feitos na Cordoaria como projectos de
especialidade, depois de entregue o programa do museu e de iniciado o projecto
de arquitectura, como se o que estivesse em causa não obrigasse a estudos e
sondagens prévias, condicionantes da arquitectura e talvez mesmo determinantes
de toda a intenção, mais que não
seja pelos custos acrescidos que podem acarretar.
E quanto à senhora ministra, que mostrou pouco percebe de tudo isto, também
teve o seu momento infeliz, quando sugeriu que o director do MNA não quer sair
dos Jerónimos com medo de perder visitantes, aventando mesmo que talvez só
tenha os números que tem por estar onde está. Mas em 10 anos o MNA passou
de 6º ou 7º museus mais visitado para 2º dentro do Ministério da Cultura e
esteve sempre nos Jerónimos. Então a que é que se deve essa evolução no ranking ? Não será por causa das actividades
realizadas e da torre oca, já agora.
A torre oca foi muito falada, para dizerem que o museu só a tem há 14 ou 15
anos, que não é assim tão importante, etc. etc.
Não há melhor resposta do que a forma como a Dra. Simonetta Luz Afonso informou
há 17 anos (e não 13, 14 ou 15), o director do MNA da altura sobre o bom
resultado das suas negociações
para trazer a torre oca para o domínio do MNA. Dizia ela (ofício distribuído
aos senhores deputados durante a visita ao MNA e que aí recolhemos também):
“Venho
informar V. Exa. que após longas negociações levadas a cabo por este Instituto
foi finalmente cedida a tão ambicionada Torre Oca a esse Museu por despacho de
3 de Novembro de Sua Excelência o Chefe de Estado Maior da Armada.
Faço
pois votos que ganho e recuperado este espaço vital para o desenvolvimento do
programa do Museu que dirige, possa V. Exa. e a equipe que coordena passar a
desenvolver um programa regular de apresentação
e divulgação das colecções desse
Museu em prol da divulgação da
Arqueologia portuguesa”
Enfim, um espectáculo deprimente, de pusilanimidade, que não resistirá muito ao
tempo, por muito que a cobardia do senhor secretário de Estado o leve a evitar
todo e qualquer tipo de debate público técnico destes assuntos.
É que podem enganar-se poucas pessoas por muito tempo; muitas pessoas, por
pouco tempo; mas não se podem enganar muitas pessoas por muito tempo.
E o tempo desta equipa governamental da Cultura é manifestamente limitado.