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Re: [Archport] Fwd: [Museum] Voltar a definir Museologia?

To :   LRaposo <3raposos@sapo.pt>, archport <archport@ci.uc.pt>
Subject :   Re: [Archport] Fwd: [Museum] Voltar a definir Museologia?
From :   Maria Isabel da Veiga Cabral <isabelveigacabral@gmail.com>
Date :   Thu, 5 Aug 2010 16:39:43 +0100

 

Meu caro amigo,

Parabéns pela  coragem de chamar a atenção para a necessidade de se repensar o papel do museu e, consequentemente, de forma mais abrangente e extrapolando para os monumentos, onde também se faz museologia, repensar a gestão e salvaguarda do património.

Só desta forma, podem ser encontradas e estabelecidas as linhas de força por que se deve pautar uma nova estratégia para a gestão e salvaguarda do Património cultural, onde se incluem os museus e os monumentos, ambos entendidos como guardiões principais das nossas memórias comuns, da nossa História e do nosso futuro.

 

Um abraço.

 

Isabel da Veiga Cabral

 
 
 
No dia 5 de Agosto de 2010 14:34, <3raposos@sapo.pt> escreveu:

Voltar a definir os museus ?

Considero oportuno o repto que o Senhor Pedro Manuel Cardoso lançou neste fórum. Na qualidade de Presidente do ICOM Portugal e mesmo sem ter podido ainda consultar os restantes colegas da direcção, direi que, sendo considerado útil, teremos certamente todo o prazer em promover uma jornada de debate sobre a matéria, que poderia ser introduzida pelos contributos mais estruturados que neste fórum venham a surgir.

Sem pretender por agora e através desta via fazer grandes considerações, sempre direi que a questão colocada, a quase oposição colecções/visitantes, revestindo natureza museológica, isto é científica e técnica, é sobretudo uma questão museal, isto é, social e política.
Neste sentido, a pergunta mais exacta deveria saber se queremos "volta a definir os museus" e não tanto "voltar definir a museologia".
Trata-se de uma questão talvez tão velha como os museus. E que, no casos dos museus públicos pelo menos, foi balizada desde a Revolução Francesa pelo sentido cidadão da instituição-museu.
È, pois fora de dúvidas, que não existem museus públicos... sem públicos, quer dizer, sem cidadãos que os considerem seus.
Inversamente, o tempo actual já o provou plenamente, podem existir museus sem colecções. E não me refiro sequer aos casos de "parques temáticos" travestidos de museus. Ou aos pseudo-museus de jogos de "luz e som", que Umberto Eco tão incisivamente denunciou no seu mergulho no hiperrrealismo americano. Refiro-me a verdadeiros museus. No domínio da minha especialidade dou como exemplo o Museu de Neandertal, um excelente museu sem peças originais, que "vende" a memória do lugar, fazendo-o através da exposição de réplicas, da recriação de ambientes, etc.
A questão não estará pois tanto, segundo creio, na oposição entre públicos (termo preferível a visitantes, posto que muitos dos utilizadores dos museus não são visitantes) e colecções, mas na consideração das finalidades sociais dos museus, conjugadas com a natureza dos seus acervos, quando existam.
E aqui é que bate o ponto.
O tal Museu de Neandertal acima referido, não possui colecções e poderia ser um "mero" parque temático. Todavia é um bom museu. Já o Museu de Arqueologia de Leiden, tem excelentes colecções, tem até uma actividade de agitação na cidade notável - mas é, ou era na versão que lhe conheci há alguns anos, um mau museu.
Importa sublinhar que ambos os museus têm elevado sucesso, medido em número de visitantes. Mas um é, no meu entendimento, um bom museu e o outro é um mau museu. Porquê ?
No caso de Neandertal, a ausência de colecções estimulou a componente da investigação fundamental, traduzida em acréscimo de saber nas mensagens constantes das exposições, das edições e até dos produtos utilitários para venda na loja. Para além disso, este Museu desenvolveu poderosamente a frente internética, quer na vertente aberta ao público em geral quer na criação de redes de contactos entre diferentes níveis de público, dos escolares até à investigação de ponta. Neste particular, o museu constituiu-se como centro de diversos projectos que têm originado a mais completa base de dados sobre Neandertais existente em todo o Mundo; adquiriu equipamentos de "scanning" tridimensional e tem vindo a estabelecer parcerias com os museus relevantes, criando assim um arquivo virtual (materializável e todo o momento, conforme as solicitações) de todos os restos físicos de Neandertais conhecidos, desde o mais minúsculo dente até ao esqueleto completo. Ou seja e em síntese, o Museu de Neandertal, mesmo sem colecções originais, cria saber novo e divulga-o junto dos públicos.
No caso de Leiden citado, fica-se com a sensação que o museu pouco mais faz do que "parasitar" o seu excelente acervo. Trata-se de um museu que esteve durante décadas inserido na Universidade e que, nesse âmbito, sofreu dos males tradicionais dos museus universitários: excelentes colecções para servirem de "coutada" dos professores mais graduados, sem interesse em captarem públicos. Sendo socialmente intolerável esta situação e não havendo "de dentro" interesse ou força bastante para a alterar, o Museu foi retirado à esfera universitária, logo que um Governo de direita entendeu promover uma nova "política de espírito". Ou seja, tal como agora se pretende fazer entre nós, foi entregue a uma espécie de direcção bicéfala, liderada por gestor profissional. Por me ter interessado bastante esta experiência, pedi para ser recebido pelo dito gestor e visitei o museu longamente, acompanhado por ele. Simpatias à parte (e os gestores, quando querem, sabem ser muito mais simpáticos do que os arqueólogos ou os conservadores de museu...), o que vi deixou-me aterrado. O Museu transformara-se num máquina de agitação e atracção de multidões. Adicionalmente também, numa máquina de obter dinheiro. Deixou de produzir saberes próprios e mesmo por "outsourcing" apenas lhe interessavam os temas as exposições de venda fácil. Numa delas, que me atraiu especialmente, "Astérix e a Europa", mostravam-se bonecos de legionários romanos com capas e adereços em plástico barato, "grandeur nature", lado a lado, na mais completa promiscuidade dentro dos mesmos expositores, com peças autênticas, únicas, como um célebre capacete romano não especialmente identificado e de que quase éramos levados a duvidar quanto à autenticidade. Em acréscimo a tudo isto, a loja do museu, qual hidra de sete cabeças, tinha invadido todas as galerias expositivas, com postos de venda no princípio, a meio e no fim, sendo dominada por todo o tipo de produtos ridículos, desde que adornados com decalcomanias de temática romana ou egípcia.
A questão está, pois, em saber o que deve ser o museu. Lembro-me de, no grupo de trabalho que deu origem a actual Lei-Quadro dos Museus, o qual tive o prazer de integrar, ter-se discutido longamente sobre a lista e depois a ordem de enunciação das funções museológicas. O resultado que hoje é fixado na Lei não foi casual. Qualquer das três funções museológicas essenciais (divulgação, conservação, investigação) poderia vir em primeiro lugar. No nosso caso adoptou-se o princípio de que a investigação (ou estudo) é a base de tudo, seguindo-se a conservação e só depois a divulgação. Não se trata de opção exclusivamente técnica ou científica, museológica portanto. Trata-se de opção política, no sentido amplo do termo, que foi sufragada pelo Governo da altura e depois pela Assembleia da República, neste caso por unanimidade de todas as forças políticas nela representadas.
Importa sublinhar isto, porque vivemos actualmente um período crítico em que a ausência de visão estratégica, acrescida por tiques de autoritarismo, torna actual o risco do salto para o abismo que seria supor que o futuro dos museus está na modernização da sua gestão, mantendo os actuais níveis indigentes de financiamento para estudo ou conservação de colecções. Agravando dia-a-dia os problemas de pessoal, criando fossos geracionais entre o que se vão reformando e os que não conseguem entrar.
De facto, tendo a concordar com o colega não identificado que dizia ao senhor Pedro Manuel Cardoso que "Hoje em dia os museus começam a ser lugares perigosos para as colecções", mas faço-o dentro de uma óptica que recusa a oposição simplista entre colecções públicos.
Luís Raposo






Voltar a definir Museologia?

A semana passada, numa conversa de roda entre amigos, um dos presentes, actual responsável por um importante museu português, surpreendeu-nos com o seu desabafo. Disse: "Hoje em dia os museus começam a ser lugares perigosos para as colecções". Confesso termos ficado surpreendidos. Porque vindo de quem vinha - sempre um acérrimo defensor da dinâmica, da interacção activa com a comunidade, das novas tecnologias ao serviço do património - não esperávamos um tal comentário. Indagámos o porquê. Explicou que os museus, hoje, estão a transformar-se numa espécie de "bazares do farwest", em sítios para "pic-nics educativos que servem para fazer descansar os pais dos trabalhos familiares", em "locais de encontro social onde se toca música, se faz performance, se vai passear de fugida pelos objectos, e se constroem muitas animações", "tudo o que sirva para aumentar as estatísticas de entrada mesmo que as pessoas não queiram saber para nada das colecções dos museus". Ainda perguntámos se não é assim que deve ser. Encolheu os ombros e rematou: "Há dinheiro, apoios e recursos humanos para toda essa salganhada pósmoderna, mas já não há para valorizar o acervo no seu valor científico e documental".

Talvez valha a pena reflectir.

Lembrei-me do que tinha acontecido, faz este ano, precisamente trinta anos.

Também nesse momento foi decidido que era importante definir, passo a citar, "o que era a museologia". Porque os responsáveis por muitos museus, e toda a gente que gravitava à volta desses acervos, também tinham perdido a noção das fronteiras e dos limites. E com essa confusão quem poderia sofrer era o Património. O inquérito que Villy Toft Jensen tinha feito quatro anos antes ("Points de vue museologiques - Europe 1975") contribuiu para aumentar essa necessidade.

Então, alguns dos mais proeminentes responsáveis pelo património e pela museologia resolveram, em 1980, apresentar publicamente quais eram as suas "definições de museologia".

Justificaram essa decisão argumentando que só assim os seus colaboradores, os responsáveis políticos, o público e outros utilizadores do benefício do Património, podiam perceber o sentido daquilo que estavam a fazer nos museus onde eram directores, e na academia onde eram professores.

Estamos a falar de pessoas que foram: presidente do comité consultivo e presidente do ICOM de 1971-1977; redactores do primeiro número da revista do ICOFOM; director dos museus de França; investigadora do Departamento Responsável pelos Museus e Galerias de Arte da ex-Checoslováquia; director do Museu de História Natural da Suécia em Gotenburgo; director do Museu Nacional de Ciências Naturais do Canadá em Ottawa; director de Estudos de Museus da Universidade de Leicester; conservador de pré-história no Museu Nacional de Praga, e professor de museologia na Universidade Charles em Praga; director dos Laboratórios de Museologia do ex-Museu Nacional em Moscovo; professor e administrador dos Programas de Ensino Superior de Cooperstown no Colégio Universitário de Oneonta na Universidade de New York; professor de Cultura Material na Universidade James Cook de North Queensland na Austrália; director da Galeria de Arte Joe & Emily Lowe e presidente do Programa do terceiro ciclo em museologia no College of Visual and Performing Arts da Universidade de Siracusa (EUA); director do Museu de História da Agricultura e membro do Conselho de Museus do Ministério da Cultura da ex-República Democrática da Alemanha; director do departamento de museologia da faculdade de filosofia da Universidade Jan Evangelista Purkyné em Brno na ex-Checoslováquia; director de pesquisa em antropologia no Carnegie Museum of Natural History em Pittburgh (EUA); professor de museologia na Universidade Hosei em Tóquio; conservador do Museu de Antiguidades Greco-Romanas e de Arte Bizantina e professor na Universidade de Damas na Síria.

Ou seja, estamos a falar de Vinos Sofka, Jan Jelínek, Villy Toft Jensen, Wolfgang Klausewitz, Awraam Razgon, André Desvallées, Anna Gregorová, Bengt Hubendick, Louis Lemieux, Geoffrey Lewis, Jirí Neustupný, Jurij Pisculin, Daniel Porter, Barrie Reynolds, Joseph Scala, Klaus Schreiner, Zbynek Stránský, James Swauger, Soichiro Tsuruta e Bachir Zouhdi. Nomes que são actualmente um referência na bibliografia sobre museologia e património, e responsáveis pela criação do ICOFOM.

Tiveram a coragem de se exporem publicamente à crítica. Não se esconderam por detrás dos seus cargos, do seu estatuto, ou do seu mérito científico. Não se refugiaram na posição cómoda de dizer: «leiam as obras que publicámos, e descubram lá o que pensamos». Não. Decidiram apresentar a sua opinião sobre a museologia, válida para aquele exacto momento. E explicar essa definição no máximo em duas folhas A4. E fazê-lo partilhando esse saber com a comunidade. Com isso contribuíram para um avanço que hoje todos nós podemos usufruir.

Depois seguiram-se muitos glossários, terminologias e obras. Desde as de Rivière às actuais prescritas pelo ICOM, até às publicadas pela AAM ou pelo Smithsionian, ou às publicadas nos últimos cinco anos pelas principais universidades que têm cursos sobre museologia e património dos dez países com maior PIB. Actualmente, incluindo as publicadas já em 2010, deparamo-nos com um conjunto de definições que pouco avançaram em relação àquele longínquo 1980.

Será que os principais responsáveis pelo património e pelos museus portugueses (directores e professores orientadores de teses de mestrado e doutoramento) têm a coragem nesta Lista de apresentarem as suas definições e interpretações sobre «o que é a museologia» para ficarmos todos a saber o que pensam sobre o melhor modo de gerir o Património que têm à sua responsabilidade? Será que têm a mesma coragem do que a daqueles que os antecederam há 30 anos? Ou estará tudo bem assim?

 

Pedro Manuel Cardoso

 

 



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